17 de janeiro de 2021 – sexta aula de Reich e Conexões Contemporâneas

Chegando à última aula desse curso, posso dizer que foi uma experiência muito aquém do que eu esperava quando pensei e propus esse tema para o professor junto com outra amiga da formação, quando conversamos com a turma antecipadamente tentando conseguir pessoas para não só termos o quórum necessário mas também para saber se ninguém estava esperando que o Marcus Vinícius ofertasse nesse semestre a Oficina do Corpo I (ele nunca oferece mais de um curso por semestre, e como são cinco Oficinas do Corpo, ele argumentou que poderia haver alguém já contanto com ele oferece a I nesse semestre. Nesse cenário de aulas online, entretanto, ele mesmo optou por oferecer esse curso ao invés de uma Oficina do Corpo). Desde antes de entrar na formação que eu me interessava pela perspectiva que ele desenvolveu de um trabalho em grupo de bases reichianas, já relatei várias vezes que o meu interesse por psicoterapias se desenvolve com meus estudos sobre a Soma (que é uma terapia de grupo), então esse curso foi muito esperado. Infelizmente, embora o conteúdo tenha sido muito bom e eu certamente tenha aprendido muita coisa e criado bases para estudar tantas outras, foi um curso que acrescentou muito pouco à leitura do livro; ou seja, não acho que compensa o tempo, o dinheiro e o esforço de fazer o curso se se tem o livro à disposição para ler e estudar – se houverem duas ou mais pessoas interessadas em fazer um grupo de estudo a partir do livro, então, certamente esse curso seria desnecessário. Certamente as contribuições que o Marcus Vinícius fez ao longo do curso foram enriquecedoras e apenas a leitura do livro não as comportaria; a questão pra mim não é dizer que ler o livro e fazer o curso são a mesma coisa, mas sim que aquilo que o curso acrescentou, na minha opinião de merda, à leitura do livro, não compensa o tempo, o dinheiro e o esforço de fazer o curso.

Nessa última aula, trabalhamos os capítulos 6 e 7 do livro; o 6 é uma revisão do que foi tratado nos capítulo anteriores, e o 7, o menor do livro, é a proposta que o Marcus Vinícius traz para a construção de um trabalho psicoterapêutico grupal de base reichiana.

Falando sobre o capítulo 6, voltamos até a origem da teoria reichiana na psicanálise freudiana, que constrói uma base que acompanha Reich até suas últimas obras – mesmo o seu trabalho clínico baseado na sua postulação da orgonomia não prescinde (nem pode prescindir) do arcabouço teórico psicanalítico. Sempre que se fala de Reich e a psicanálise, vem à tona a questão da discordância dele com o conceito de pulsão de morte de Freud; acredito que isso já foi suficientemente explorado aqui nos relatos do blog. Passou-se também pela influência do marxismo em Reich e sua obra (falando sobre a importância do conceito de alienação (que se percebe presente na conceituação de Reich de democracia do trabalho) e da ideia de coisificação, de que o trabalhador no capitalismo deixa de ser considerado como uma pessoa e passa a ser considerado como um bem, uma força produtiva), da influência da obra de Espinosa no pensamento de Reich (Espinoza propõe a ideia de que corpo e mente são a mesma coisa, por exemplo, que é uma ideia central em Reich, assim como aproximações entre a sua ideia de orgone e a ideia daquele de deus, e a ideia que vemos em ambos os autores de que o bom encontro compõe e o mau encontro decompõe, as boas relações potencializam e as más relações despotencializam); pelas aproximações entre Reich e Bergson (a ideia de que tudo está em movimento; a postulação do elã vital, de uma força criadora que move em direção à vida); sobre as diferenças entre Reich e Foucault (para Reich, a repressão é aquilo que cria o indivíduo, enquanto para Foucault há produção na repressão também, não há uma suposta sexualidade natural, existem novas formas de sexualidade que surgem a partir das repressões que incidem nos corpos).

Respondendo a uma questão que uma pessoa fez sobre as causas, motivos, razões e circunstâncias de para Reich a repressão sexual ser o ponto central causador das neuroses, “o problema mor”; achei muito interessante como o Marcus Vinícius começou a responder essa indagação: “Primeiro porque o Reich viveu numa sociedade extremamente repressora, né, até a metade do século XX” – deveria ser óbvio incluirmos o contexto em que uma pessoa produz para o resultado dessa produção, mas infelizmente não vejo muito disso nas aulas da formação, pois como as pessoas leem a obra de Reich como se ele estivesse apenas descrevendo a realidade, não haveria necessidade de contextualizar, pois a realidade é sempre a mesma. O Marcus Vinícius iniciar a sua resposta com o contexto mostra essa compreensão e, mais do que mostrar, a coloca em jogo; isso é fundamental, porque mesmo aqueles enunciados que descrevem a realidade com o máximo de precisão possível são elaborados dentro de um regime discursivo que permitiu e moldou a sua existência – por mais que a gente goste de pensar que sim, não é possível dizer qualquer coisa a qualquer momento. A demonstração do raciocínio correto continua conforme ele avança na explicação:A segunda coisa é que ele ficou com a primeira tópica do Freud, ou seja, a importância da libido”; novamente, antes de invocar qualquer questão sobre a correção ou não da teoria reichiana, faz-se a necessária inclusão de Reich em um contexto. O que estou querendo dizer é que, se você está convencido de que está (ou de que alguém está) descrevendo corretamente a realidade, provavelmente a primeira coisa que você dirá quando alguém perguntar “mas por que você diz isso?” será “pois eu observei a realidade, fiz experimentos, e é assim que as coisas são” (ou algo que o valha). Por exemplo, por que Newton foi capaz de formular uma teoria sobre a gravidade? Certamente por todo um contexto que ele vivia e que o formava, mas também obviamente porque a gravidade existe e, existindo, pode ser descrita de alguma forma. O mesmo se aplica, por exemplo, a Pierre Clastres ter formulado uma teoria sobre a chefia indígena: tem muita relação com o contexto em que ele se educou e no qual ele pode fazer circular seus enunciados, mas antes disso ele só pôde formular uma teoria sobre a chefia indígena porque a chefia indígena existe e, assim, pode ser descrita de alguma forma. Trouxe esses dois exemplos para deixar explícito que não estou falando de algo “das exatas” ou “das hard sciences”; isso se aplica a toda e qualquer descrição da realidade – o contexto é fundamental, pois nada se produz separadamente de um contexto. Pode ser que duas pessoas descrevam algo muito semelhante em dois contextos diferentes; isso seria um bom indício para a força dessa descrição. Se três pessoas descrevem algo muito semelhante em contextos bem diferentes, isso soma evidências de que essa descrição da realidade deve estar correta. E esse é um dos motivos pelos quais a reprodutibilidade de um experimento é tão importante para a ciência; pois não basta uma descrição de algo existir em locais/contextos diferentes para concluirmos que ela é verdadeira, então conseguir reproduzir algo descrito nos ajuda a compreender o fenômeno, dando chance de estudá-lo. Um exemplo dentro do campo da psicanálise que me ocorreu é o artigo de Victor Tausk, que fala como diferentes pessoas que sofriam com esquizofrenia relatavam a mesma coisa: que estavam sendo influenciadas de forma sobrenatural por uma espécie de equipamento, que podia operar à distância. Não é porque várias pessoas em contextos diferentes descreveram a mesma coisa que ela é real, as descrições apenas somam evidências para a nossa investigação; e, igualmente importante, é compreender que aquilo que as pessoas descrevem não é a realidade, é a sua percepção e interpretação da realidade – e essas, como a história nos dá numerosos exemplos, pode ser completamente ou nada condizente com a realidade, na maioria das vezes estando em algum grau entre esses dois extremos.

Ainda revisando os pontos pelos quais passamos até aqui, ele falou sobre Michel Foucault e a compreensão de que não há relação social que se estabeleça sem que uma relação de poder subjaza a ela – toda relação é, também, uma relação de poder. A relação entre saber e poder também foi trazida novamente, pois para Foucault os saberes são formas de poder; sobre isso, o Marcus Vinícius parafraseou uma frase de Foucault (“o saber é feito para cortar”) que eu gostaria de contextualizar, trazendo um recorte do trecho livro onde a frase original se encontra:

Sabe−se das apóstrofes célebres de Nietzsche contra a história, e será preciso voltar a elas agora. Contudo, a genealogia é designada por vezes como ‘Wirkliche Historie’; em várias ocasiões ela é caracterizada pelo ‘espírito’ ou ‘sentido histórico’. De fato, o que Nietzsche não parou de criticar desde a segunda das Considerações Extemporâneas é esta forma histórica que reintroduz (e supõe sempre) o ponto de vista supra−histórico (…) O sentido histórico, e é nisto que ele pratica a Wirkliche Historie’, reintroduz no devir tudo o que se tinha acreditado imortal no homem. Pensamos em todo caso que o corpo tem apenas as leis de sua fisiologia, e que ele escapa à história. Novo erro; ele é formado por uma série de regimes que o constróem; ele é destroçado por ritmos de trabalho, repouso e festa; ele é intoxicado por venenos − alimentos ou valores, hábitos alimentares e leis morais simultaneamente; ele cria resistências. A história “efetiva” se distingue daquela dos historiadores pelo fato de que ela não se apoia em nenhuma constância: nada no homem − nem mesmo seu corpo − é bastante fixo para compreender outros homens e se reconhecer neles. Tudo em que o homem se apoia para se voltar em direção à história e apreendê−la em sua totalidade, tudo o que permite retraçá−la como um paciente movimento contínuo: trata−se de destruir sistematicamente tudo isto. É preciso despedaçar o que permitia o jogo consolante dos reconhecimentos. Saber, mesmo na ordem histórica, não significa ‘reencontrar’ e sobretudo não significa ‘reencontrar−nos’. A história será ‘efetiva’ na medida em que ela reintroduzir o descontínuo em nosso próprio ser. Ela dividirá nossos sentimentos; dramatizará nossos instintos; multiplicará nosso corpo e o oporá a si mesmo. Ela não deixará nada abaixo de si que teria a tranqüilidade asseguradora da vida ou da natureza; ela não se deixará levar por nenhuma obstinação muda em direção a um fim milenar. Ela aprofundará aquilo sobre o que se gosta de fazê−la repousar e se obstinará contra sua pretensa continuidade. É que o saber não é feito para compreender, ele é feito para cortar” (FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, a Genealogia e a História” in Microfísica do Poder)

Depois de falar sobre Foucault, ele trouxe considerações sobre Deleuze, dizendo que ele é “muito rico para trazer algumas coisas para a gente pensar o modo reichiano de pensar, ou seja, repensar o modo reichiano”. Citou a questão da multiplicidade, de que não há apenas um modo de existir, do devir, que tudo está em movimento e transformação, em maior ou menor grau, em maior ou menos velocidade. Ao falar disso, ele trouxe uma consideração que eu acho fundamental de ser mais explorada e desenvolvida dentro da formação do Instituto: para dar elementos que fortalecem essa hipótese deleuziana do “tudo muda”, o Marcus Vinícius começou a enumerar mudanças grandes que acontecem com o processo terapêutico, como “um militar deixando de ser militar e virando civil (…) casados se tornando solteiros (…) um executivo da Av. Paulista de São Paulo sair de uma grande empresa, comprar um barquinho e se tornar guia turístico em Porto Seguro (…) E você tem essas coisas, e mudando o jeito, porque você pode dizer ‘ah, mas o caráter…’ não, assim né, porque isso você não muda sem mudar boa parte do seu caráter (…) ainda, claro, que alguns traços continuem ali”. Isso para mim é fundamental de ser mais explorada porque já ouvi coisas semelhantes na voz de outras pessoas da coordenação, mas quando diretamente questionadas sobre se o caráter pode ser alterado sempre respondem que não, que o caráter se forma na infância de depois disso ele não se altera mais – podem ocorrer afrouxamentos ou tensionamentos em certos segmentos da couraça muscular e caracterológica, mas a tipologia do caráter continua a mesma. Eu nunca me aprofundei nessa questão dentro da obra reichiana, mas tendo a discordar dessa ideia, pois a única coisa que vejo que poderia sustentá-la é a premissa de que aquilo que ocorre na infância vai marcar e determinar o sujeito para toda a sua vida; é importante frisar, eu não estou dizendo que aquilo que acontece com a pessoa na infância não tem impacto na sua adulta, apenas estou colocando em xeque essa noção de que essas coisas irão determinar um indivíduo por toda a sua vida. Por exemplo, a separação que Freud faz entre as psiconeuroses e as neuroses atuais não é construída a partir de uma observação e investigação minuciosa das questões implicadas em cada caso, mas sim uma divisão que se faz para harmonizar o conjunto teórico – se há um indivíduo que claramente adquire uma neurose devido a um evento da sua vida adulta (um exemplo ideal seriam as pessoas traumatizadas pela guerra), não se poderia dizer que as neuroses ocorrem exclusivamente devido a um conflito infantil entre desejo e proibições sociais, então se cria uma categoria distinta de neurose ao invés de rever a sua teoria. Outro conceito que ele apresentou como interessante de Deleuze para pensar a teoria reichiana é o conceito de Rizoma, que se oporia à ideia de estrutura – o rizoma é uma palavra que Deleuze e Guattari pegam da botânica, que define um caule que cresce horizontalmente, dando origem a novas plantas através dessa “raiz compartilhada”. A bananeira, por exemplo, se desenvolve por rizoma, assim como a espada-de-São-Jorge e algumas espécies de orquídeas.

De Deleuze ele passa para Nietzsche, falando da questão da Vontade de Potência, conceito fundamental na obra nietzscheana e que, para ele, encontra eco em Reich com a questão da pulsão de vida. O Marcus Vinícius inicialmente marcou explicitamente que para Nietzsche a questão não é “o alcançar da felicidade”, mas sim a conquista da potência, e foi desenvolvendo um pouco o que significaria, para ele, essa ideia, e terminou assim “aquele que quer viver ele quer se tornar o mais potente possível, ele quer beber a vida”. Aí uma pessoa interveio e disse “Que é meio o conceito, pode ser o conceito de felicidade também, né então [inaudível, interrupção] ser completo, é ser de verdade”. Na sua resposta, o Marcus Vinícius tomou um caminho que está correto, mas que, penso eu, não endereça da melhor forma a questão: “Pois é, mas essa ideia de completude, por exemplo, o Deleuze e o Guattari, assim como o Nietzsche e outros… o Foucault… eles dizem que a completude é muito transitória, não existe essa ideia de você se realizar, de completude… Pra eles, esses autores, uma completude é sempre transitória, são momentos em que você sente essa completude daqui há pouco ela se desfaz. E o que leva mesmo as pessoas em irem à frente no sentido da vida é a potência. Eu acho, mas aí é a minha modesta compreensão disso, que não precisa ser uma coisa ou outra, eu acho que dá pra compor”. A questão da diferença entre pensar uma vida pautada pela ideia de potência e pensar uma vida pautada na ideia de felicidade, para mim, passa por um exemplo bem simples: é possível experimentar, viver e extrair potência da tristeza, enquanto é claramente impossível ser feliz enquanto se é triste. Ou seja, potência e felicidade são, efetivamente, coisas distintas.

Depois, veio falando das escolas que trouxe para a construção de uma compreensão do trabalho analítico em grupo. Falou da psicologia institucional e do conceito de grupo operativo (um grupo que opera sobre a realidade, que faz coisas para alterar a realidade); da socioanálise com a ideia da passagem do grupo sujeitado para o grupo sujeito; da psicossociologia e da ideia de que é necessário problematizar as questões sociais mais amplas que surgem dentro do grupo; da construção da SEXPOL por Reich, que embora não possuísse uma proposta terapêutica de grupo era justamente uma atuação em grupos sociais amplos; falou da psicologia social comunitária, que se apoia no conceito de pesquisa-ação; preparando o terreno para o próximo capítulo, onde vai trazer a sua proposta de ação analítica em grupo, diz que ela se diferencia de outras abordagens grupais de base reichiana pois estas não levam em conta a questão social, não entendem “que o grupo não é uma ilha”.

Continuando a desenvolver algumas questões, surgiu uma dúvida que penso que o Marcus Vinícius endereçou muito bem, e até a partir dela consegui fazer uma outra leitura de uma situação que aconteceu comigo em um processo terapêutico; a dúvida foi sobre como se daria em um exemplo prático essa questão de problematizar as questões sociais dentro do processo analítico, e então o Marcus Vinícius trouxe o seguinte exemplo: “Vamos supor que você tenha um paciente que seja parado, de uma forma autoritária, por dois policiais no meio da rua; que tenham dito pra ele ‘saia do carro agora’, e aí ele saiu, ‘bote as mãos sobre o capô’, ele botou, aí o policial dá duas pernadas, não pra ele cair, mas pra ele abrir as pernas – coisa que ele já não pode fazer, já o aestá fazendo de forma autocrática, fora da lei inclusive, apesar de ele ser um homem da lei – que é dar uma porrada em um dos pés, e fazer com que o seu paciente… eu digo ‘o seu paciente’ de propósito, um suposto seu paciente, abriu a perna esquerda, aí ele vai lá e dá outra porrada na perna direita, né, e ele ali, de costas pro policial colocando as duas mãos sobre o capô de carro. E aí o policial vai e apalpa o sujeito todo, não pediu documento, não pediu isso, está fazendo isso de forma absolutamente autoritária, e enquanto vai fazendo isso vai dando tapinhas no seu paciente, que estava todo coberto em termos documentais, aí no final de tudo como ele não acha nada que ele queria achar no seu paciente, que é um paciente que tem uma aparência mais alternativa, digamos assim, aí como ele não acha maconha ou não achou nada, e toda a documentação está ok, ‘pode embora’ e pega os documentos e joga, ao invés de devolver joga no banco do paciente. Ou seja, uma intervenção tipicamente autoritária, e que reflete o que hoje se vive em termos fascistas, porque esse policial não vai ser interrogado, ele não vai… nada, nada vai acontecer com ele, porque o governador age assim, porque o presidente age assim e dá respaldo pra isso, toda uma mentalidade fascista a dar respaldo pra isso. Aí ele chega no seu consultório, meia hora depois, tremendo, à beira de um colapso nervoso, e reproduz o que eu acabei de reproduzir – aí você me diz, um reichiano podia ter uma linha muito ortodoxa, porque vem trabalhando a questão paterna com esse paciente, e diz ‘parece, dado a sua instabilidade emocional, que você, de fato – de fato, olha só, ele reafirma – você tem muita dificuldade em lidar com as questões paternas’. Essa é uma leitura psicanalítica ortodoxa, que poderia ser feita por um reichiano ortodoxo, e que cinde, cliva, faz uma clivagem, uma separação, uma divisão, do individual e o social. O que eu tô propondo é que você como terapeuta (que foi o que você me perguntou), se o paciente conta isso, diz ‘me fale mais sobre isso’, ‘o que que isso te inspira’, ‘como isso produz ecos em você’… eu não vou interpretar isso como se fosse uma dificuldade do paciente, cindindo o indivíduo das questões sócio-políticas mais amplas. Mas eu conheço não só freudianos, mas reichiano que interpretaria essa situação ou levaria essa situação dessa forma, e é isso que eu digo que é alienante, é isso que eu digo que é separar a clínica das questões políticas; esse meu paciente que está ali sofreu um abuso, sofreu um assédio autoritário. Ah, ele pode ter questões paternas? Pode. Mas naquele momento, naquele momento que a gente tem que trabalhar, o emergente daquele momento… e que depois pode chegar lá também, uma coisa não nega a outra, ele também pode ter questões paternas, mas a gente não pode atropelar ou deixar ele isolado. Esse é a clínica alienadora, você percebe? Essa é a clínica que eu acho que a gente não pode fazer mais”. Esse é um pensamento excelente e que seria muito bom ver multiplicado entre o campo analítico. A leitura que disse que fiz com uma situação no meu processo terapêutico, foi uma vez em que o motorista do ônibus quis me cobrar um aumento que não tinha acontecido ainda, então eu tive que descer do ônibus (pois estava com o dinheiro contado para ir e voltar da terapia) e voltar em casa, então liguei para a empresa perguntando do tal aumento, me confirmaram que ele não existia, registrei reclamação do motorista, registrei reclamação também no Detro-RJ, e ainda consegui chegar a tempo na terapia (os benefícios de se planejar e sair com antecedência são incontestes, jovens!). Ao relatar essa questão para a terapeuta, ela me culpabilizou pelo ocorrido, dizendo que “se eu tivesse com mais dinheiro isso não teria acontecido” e tentou levar isso para esse campo do “trabalho e dinheiro”; eu disse pra ela que não, que mesmo que eu não estivesse com o dinheiro contado eu não iria aceitar aquela imposição do motorista, que eu sabia estar errado (cheguei a mostrar o preço no validador para ele), e ela continuou insistindo no seu ponto. Esse, realmente, é um tipo de clínica que eu não quero jamais praticar.

Um pouco depois disso fizemos um intervalo, mas infelizmente eu esqueci de voltar a gravar a aula nessa retorno, e não vou conseguir produzir o relato justamente sobre o capítulo que traz a proposta de intervenção grupal reichiana. Mas, ao que me lembro, nessa parte seguiu-se quase literalmente o livro, as pessoas não tiveram muitas questões e o avançado do horário (haveria depois da aula a reunião de fim/inicio de semestre) criou um certo clima apressado. Assim, quem desejar conhecer essa visão pode ler diretamente no livro que não vai perder muita coisa (e, se não tiver o livro mas quiser ler, entra em contato que a gente consegue fazer ele chegar na sua mão).