16 de janeiro de 2021 – sexta aula de Orgonomia

Essa foi uma aula onde eu me decidi em realmente não fazer intervenções a não ser que eu tivesse efetivamente alguma dúvida muito grande com algo que estava sendo discutido; se fosse algo que eu acreditasse poder resolver consultando outros materiais, deixaria para fazê-lo ao invés de trazer as questões para a aula. Isso por três razões principais: a primeira é o conteúdo do curso, pois já tivemos cinco aulas e nada foi apresentado que efetivamente comprove a existência da tal energia orgone (ou de qualquer coisa como “uma energia livre de massa”; sempre que questionamentos nesse sentido foram apresentados, a resposta era “o Reich tem centenas de protocolos científicos publicados” – nunca nenhum desses foi trazido para ser explorado em aula, mesmo que nas questões que eu preparei na aula anterior eu aponte que esse tipo de material seria excelente para o curso. A segunda razão é a própria estrutura ou condução desse curso, pois ficou claro desde a terceira aula que não havia mais conteúdo a ser apresentado e desenvolvido, que as repetições que aconteciam não cumpriam uma função didática de fixação (ou qualquer outra), eram apenas o recurso encontrado para esgotar o tempo de aula por não haver conteúdo organizado para a apresentação. A terceira é que eu não queria desempenhar nessa aula o papel de ser uma das pessoas que fica puxando a discussão, tanto por curiosidade de quais seriam as questões que as pessoas trariam quanto por cansaço de ocupar esse lugar. Acabou que, não por isso, foi uma aula cansativa e que agregou muito pouco conhecimento ao que já havia sido apresentado até aqui.

A conversa iniciou com uma pergunta de uma pessoa sobre as causas, motivos, razões ou circunstâncias do Reich modificar a nomenclatura da sua proposta de trabalho de vegetoterapia caractero-analítica para orgonomia, visto que desde a primeira ele já postulava a existência de uma energia; segundo o Nicolau, essa diferença acontece porque na vegetoterapia a ideia de energia ainda era de uma bioenergia, uma energia exclusiva daquilo que é vivo, e na orgonomia ele postula o orgone, que seria uma energia presente em tudo, vivo ou não-vivo. Para ir construindo a sua argumentação, ele pediu que abríssemos o seguinte link http://wilhelmreich.gr/en/orgonomy/orgonomy-and-biogenesis/living-orgonome/, de onde ia fazendo referências às imagens.

A primeira exploração que ele fez foi da ideia de orgonome apresentada por Reich, que seria uma forma aproximada de um ovo (http://wilhelmreich.gr/wp-content/uploads/2015/07/Superimposition-Fig-010-ENG.jpg), resultante da movimentação da tal energia orgone, que se processaria não em fluxo contínuo mas em pulsos rítmicos (a coisa do pulsar, tão importante na teoria reichiana). Certamente se eu quiser falar mais sobre isso eu deveria me aprofundar, ler mais e buscar entender melhor essa proposta; mas mesmo que eu ignore a coisa da energia, supondo para os fins da argumentação que ela efetivamente exista, a ideia da forma que esse movimento criaria não faz sentido. Nessa figura http://wilhelmreich.gr/wp-content/uploads/2015/07/Superimposition-Fig-016-ENG.jpg há uma representação dessa ideia; não deveria ser justamente na direção que a tal energia está se movendo que se formasse uma ponta mais fina, resultante do constante esforço dessa energia de se mover? Enfim, como sempre nessas postulações da orgonomia, nada faz sentido com o mundo que experimentamos cotidianamente e essa é justamente a prova, para os crentes, de que a coisa é verdadeira – falho miseravelmente em distinguir isso de qualquer outra pseudociência. Um outro axioma da teoria reichiana é a ideia de que a realidade se apresenta em “pares antitéticos”; em um resumo bastante impreciso mas que serve ao ponto que quero trazer, é a ideia de que coisas opostas podem coexistir e que isso inclusive seria a regra do universo. Assim como os marxistas pegam a ideia de dialética e adoram trocadilhos que invertem as coisas para formar outros sentidos (como, por exemplo, dizer “é mais-valia porque aquele trabalho valia mais”), o Nicolau adora incluir elementos em sua fala que eu percebo advirem dessa noção de “par antitético”; por exemplo, quando falava sobre a postulação da energia orgone, ele disse “o que isso muda na clínica? Nada e tudo ao mesmo tempo” – isso é simplesmente impossível! Embora possa ser uma figura de linguagem interessante para criar um ponto de tensão no discurso, para chamar a atenção das pessoas, para provocar os interlocutores, a ideia é simplesmente impossível. Se você não mudou nada, é impossível que tenha mudado tudo, e vice-versa – novamente, imagino que a resposta a esse tipo de questionamento seria algo como “você ainda pensa no paradigma mecanicista”, como se isso respondesse a alguma coisa ou mesmo produzisse uma ponta de prova ou argumento que fosse.

Em algum momento da aula uma pessoa trouxe uma colocação que representa uma ideia que tenho visto muito presente na formação nesse semestre e que acho um tanto complicada; tendo o Nicolau apresentado a ideia de que a circulação da energia orgone no corpo humano se dá com ela subindo pelas costas e descendo pela frente, essa pessoa apresentou alguma teoria, indiana eu acho, que propõe algo parecido, e falou “eu acho que o Reich bebeu em muitas fontes”, sugerindo que a sua postulação da energia orgone teria elementos não só dessa concepção que ela trouxe, mas de outras. É essa certa preocupação em apontar “de quem/onde o Reich tirou isso e não citou”, assim como também o inverso de “essa pessoa/grupo leu Reich e não citou”, que tem me incomodado um pouco quando aparece; não que esse questionamento tenha algo de ruim em si, mas é que eu vejo ele sendo utilizado como se trouxesse muita força para certas hipóteses, o que é um equívoco. Entre indivíduos e grupos que trabalham com alguma ideia de “energia”, é muito comum também existir a ideia de que antiguidade significa autoridade – falam em “conhecimentos ancestrais”, “culturas tradicionais”, “milênios” e coisas assim como se isso conferisse um estatuto de realidade às coisas. A quantidade de tempo que algo é praticado não deveria ter diferença sobre o crédito que damos a ele, a não ser que avaliássemos também o método que é empregado na realização desse algo. Alguns grupos acreditam, como há milênios fazem os seus antepassados, que oferecer sacrifícios aos deuses pode lhes garantir favorecimentos; outros acreditam, como há milênios fazem os seus antepassados, que existem papéis sociais biologicamente determinados pelo fato de alguém ser de um sexo ou de outro; para alguns grupos, como há milênios fazem os seus antepassados, o mundo existe para servir aos seus e nenhum preço é caro o bastante para que as pessoas vivam do jeito certo. O fato dessas práticas e crenças existirem e se perpetuarem há milênios não faz de nenhuma delas verdadeira; de fato, algumas delas são patentemente falsas, demonstravelmente equivocadas. Dito isso, outra questão me deixa curioso no argumento apresentado por essas pessoas: se elas acreditam que a tal energia existe, seja ela chamada de chi, prana ou orgone, alguém poderia descobri-la, como Reich diz que fez, através da sua interação com o mundo natural, sem precisar ter “bebido em outras fontes”. Claro que quando aproximações em teorias e campos do conhecimento acontecem, faz sentido buscarmos compreender se houve alguma ponte de um lugar/pensamento a outro; mas as pessoas que trazem esse questionamento na formação não apresentam muitos argumentos nesse sentido (na verdade, só ouvi um uma vez, de uma pessoa que trazia algo sobre budismo e algo que apontava que era um tema existente nos círculos/ambientes frequentados pelo Reich – nada sólido, até onde eu me lembro, mas também a pessoa estava só fazendo uma consideração em uma aula e não apresentado uma tese), e na maioria absoluta das vezes o que é dito é apenas algo como “é parecido demais para ser coincidência”. Mas, novamente, se a tal energia é um dado da realidade, não seria coincidência: duas pessoas estão olhando para a mesma coisa, então é apenas natural esperarmos que cheguem a conclusões parecidas (se é pra pensarmos que essas conclusões estarão certas). Dois exemplos me ocorrem. O primeiro é da construção de pirâmides, que temos povos muito distantes no espaço e no tempo adotando esse tipo de construção; eu nunca estudei isso pofundamente, mas sei que hão algumas hipóteses de comunicação/migração entre os egípcios e os povos da América Central de onde teriam surgido essas trocas e coisas por aí; mas também já li uma hipótese muito mais simples e que faz muito mais sentido: quando você quer construir uma coisa alta, o formato de pirâmides, platôs concêntricos, é o mais estável arquitetônicamente, dois povos que nunca entraram em contato, olharam para o mesmo problema e criaram uma solução muito semelhante – nada de estranho aqui. Outro é sobre os estudos de Piaget e Vigotsky sobre o desenvolvimento infantil; foram dois autores que não se comunicaram, dois autores que criaram teorias novas sobre o seu campo de conhecimento, e dois autores que, observando o mesmo fenômeno, chegaram a conclusões muito parecidas (em alguns pontos). Então, novamente, se a tal energia existe, não vejo causas, motivos, razões ou circunstâncias para se assumir como necessário que o Reich tenha que ter lido outras concepções que falam também de uma energia para criar as suas postulações; se a tal energia existe, uma hora ou outra a gente vai esbarrar nela – e a chance de isso acontecer quando se está ativamente procurando por algo assim, como foi o caso do Reich, me parece bem grande. E, vale lembrar, na época de Reich, há 100 atrás, o mundo não era tão globalizado como é hoje e não se encontrava uma loja vendendo incensos e livros do buda em cada esquina – isso não significa que esse conhecimento não chegasse aqui, mas temos que pensar que isso era muito menos acessível do que é hoje, e colocar na conta o quanto o próprio Reich criticava e condenava essas concepções esotéricas.

A aula foi marcada por várias afirmações pseudocientíficas baseadas nas ideias da orgonomia, muitas vezes com um tom “superar a ciência mecanicista”; um ponto que ele trouxe exemplifica bem o clima geral que perpassou todo o encontro. Ele afirmou que existe/existia um centro de pesquisa que media as oscilações do campo magnético da Terra, com laboratórios em vários locais (dos EEUU?) que enviavam os dados a um computador central que diariamente registrava essas alterações; segundo ele, no 11 de setembro de 2001, uma hora antes do primeiro avião colidir com a torre do World Trade Center houve “uma oscilação gigantesca nos registros dos campos magnéticos da Terra; em todos os computadores, uma hora antes, e permaneceu até algum tempo depois do último avião atingir a torre. Então, fizeram uma série de hipótese a esse respeito, que seria alguma coisa na rede elétrica, que teria se modificado, que teria sido coincidência, enfim… só que foi uma hora antes. Por que que eu tô colocando isso? Vejam bem, não foi nem no mesmo momento do acidente, foi uma hora antes. Quem fazia parte desse projeto levantou a hipótese de que havia algum tipo de conhecimento a respeito do que ia acontecer, mas esse conhecimento não estava localizado nessa pessoa ou naquela pessoa e sim num sistema, onde os computadores estavam acessando de algum forma alguma manifestação desse sistema – quando eu falo ‘sistema’ não é um sistema eletrônico não é sistema tecnológico, é um sistema”. Ele chegou a dizer algo como “tem vários artigos sobre isso”, mas não citou nenhum; eu cheguei a dar uma rápida procurada, mas não encontrei nada, e outra pessoa na turma também procurou, pois colocou no chat que a única coisa que encontrou a respeito era uma matéria sobre “idioma universal” (não sei qual a relação que essa pessoa fez, mas aparentemente ela também não encontrou nada sobre campos magnéticos e o 11/09/2001). Certamente eu posso estar errado, mas me parece que um fenômeno como esse teria publicações e mesmo atenção da grande mídia o suficiente para ser facilmente encontrado em uma busca superficial; talvez efetivamente o tal fenômeno tenha acontecido e existam bons artigos explorando a questão; talvez esse fenômeno seja uma chave importante para provar que a tal energia orgone efetivamente existe. Se esse fenômeno tem um tal potencial, por que não trazer os artigos para a aula, sugerir a leitura e discussão deles? Esse pensamento me ocorreu várias e várias vezes durante a aula, com afirmações de todos os tipos. Esse, para mim, foi o grande problema desse curso: afirmou muita coisa, mas não trouxe evidência para nada do que disse; o máximo que fez nesse sentido foi apresentar casos anedóticos, daquele tipo de coisa que nos deixa pensando “sério mesmo que essa pessoa pensa que isso é um exemplo que reforça o que ela está dizendo?”; consigo me lembrar agora de um exemplo de atendimento clínico que envolvia algo como “a terapeuta estava incomodada com algo que não sabia o que era e isso se provou relevante para o atendimento”. Em algum momento ele chegou a citar o Princeton Engineering Anomalies Research Lab, um projeto que estudava parapsicologia; a quem se interessar há bastante conteúdo sobre esse projeto, seus métodos e suas implicações (ao menos em inglês), mas cabe dizer que nos exemplos que o Nicolau trouxe ele citou um experimento que “provaria” uma possibilidade de ação retroativa no tempo.

Outro momento da aula que eu penso que se enriqueceria muito se a coisa não fosse apenas dita mas trazida e discutida, foi quando o Nicolau estava falando sobre como atualmente há um empobrecimento da teoria e prática reichiana pois muitos indivíduos que ingressam na “coisa reichiana” o fazem já através de um viés corporalista, então não constroem, como o próprio Reich construiu, uma experiência na análise do caráter, no trabalho com as resistências. Para ilustrar esse ponto ele disse o seguinte: “se vocês tiverem oportunidade de acompanhar alguns estudos de caso que foram publicados por alguns orgonomistas americanos do Colégio Americano de Orgonomia, a gente vai encontrar lá falhas terríveis de entendimento da dinâmica, ou seja, nos problemas que surgiam na clínica eles foram incapazes de reconhecer a existência de caráter. O trabalho sobre a análise do caráter é um trabalho penoso, é um trabalho penoso, principalmente é penoso enquanto você não adquire habilidade suficiente para fazer do trabalho da análise do caráter alguma coisa que produza intensidade que realimente você – é um trabalho penoso”. Acredito que seria absolutamente potente trazer esses estudos de caso para uma aula, até mesmo fazer toda a aula baseada neles, com leitura prévia e questões levantadas pela turma – claro, esse esquema já se provou complicado na aula anterior porque as pessoas não leram o que foi pedido, mas penso que com os estudos de caso (ou qualquer outro material) poderia ser feito de uma forma a já trazer questões, e mesmo lê-los durante a aula se as pessoas não tivessem considerações a serem feitas. Mas no curso esse elemento do “tem isso aqui, mas eu vou só comentar” esteve presente, o que eu acho um grande desperdício.