Sobre uma concepção equivocada em relação à produção de conhecimento

Esse mês, mais especificamente amanhã, iniciam as aulas do que seria o meu último semestre como aluno da formação – fazendo três cursos por mês, dois básicos e um livre, conseguiria terminar a formação em cinco semestres. Disse que seria o meu último semestre pois não será, visto que nesse semestre foi oferecido apenas um curso livre e eu não me interessei por ele – assim, terei que fazer dois cursos esse semestre e mais um no próximo.

Embora não seja o foco aqui, acho que vale explicar rapidamente essa situação – afinal, só estou fazendo a formação por conta do financiamento coletivo do Projeto e desde o início a meta e promessa era concluir a formação nos cinco semestres. Primeiro de tudo, essa situação da pandemia de COVID-19 alterou planos em vários setores e de várias pessoas, e na formação isso também se refletiu: as ações de restrição por aqui começaram na semana imediatamente posterior ao final de semanas de aulas de março de 2020 (dias 13 e 14). Com todo aquele cenário de incertezas e novas informações o tempo todo (lembram que inicialmente a ideia era que o uso de máscaras era prejudicial, e com a coleta de dados vimos que era o contrário? Esse é um bom exemplo), as aulas ficaram interrompidas em abril e maio, retornando em junho para concluirmos nos dias 26 e 27 o que foi o meu terceiro semestre na formação. Então ainda com informações novas e desencontradas, passamos julho sem aulas, e em agosto entramos em mais um semestre, que terminou agora em janeiro/2021. Assim, a minha previsão de conclusão que era para abril/2021 ficou para julho/2021.

Então quando foi feita a reunião, em janeiro, para apresentar os cursos do novo semestre, apenas um curso livre foi oferecido, e mesmo ele me pareceu não advir de um planejamento; explicando rapidamente, nós alunas da formação nos juntamos pois percebemos que haviam alguns descontentamentos com o Instituto, fizemos uma reunião e redigimos um documento apresentando esses descontentamentos, que apresentamos nessa reunião para a coordenação. Um dos pontos era uma queixa de que a formação não exige formalmente qualquer conhecimento prévio em psicanálise para o ingresso, mas durante os cursos esse conhecimento se faz muito necessário. Por conta disso, ao que me parece, um professor se ofereceu para dar um curso livre que desse conta dessa demanda. Ali a ideia já não me foi agradável, por três motivos: o primeiro, como já disse, que ficou muito forte em mim a impressão de que a ideia do curso só nasceu ali naquele momento; o segundo, é que eu estava contando que um outro curso livre seria oferecido, mas a coordenadora que o ofereceria não o fez pois já vai estar oferecendo um curso básico e não gostaria de fazer os dois online; o terceiro, é que percebendo ao longo da formação essa deficiência, procurei estudar psicanálise para dar contar dessa defasagem – esse é um motivo menor, pois tanto sei que meus estudos não foram suficientes quanto a proposta do professor poderia ser interessante e englobar coisas que eu não havia estudado. Ele só enviou a ementa ha dois dias atrás, e não me pareceu atrativa – apresenta apenas aluns pontos que serão trabalhados em cada aula, sem indicação de bibliografia, sem detalhamentos dos pontos e de sua pertinência, sem plano de estudos. Além disso, nesse meio tempo, junto com uma amiga da formação conseguimos formar um grupo de estudos justamente nesse temática, nos aproveitando de um ótimo material disponível gratuitamente no YouTube, o curso “Psicanálise e Quotidiano”.

Apresentado esse resumo da situação, quais são as causas, motivos, razões ou circunstâncias de uma postagem diferente dos tradicionais relatos que posto aqui no blog? Venho aqui para registrar uma reflexão, como o título da postagem aponta, para um concepção no mínimo perigosa sobre a construção do conhecimento.

Em um dos cursos básicos que farei nesse semestre, Orgonoterapia, a ideia é estudar as implicações práticas das postulações que Reich faz em cima da sua invenção, a orgonomia. Uma das ditas tecnologias mais difundidas e representantes dessa construção é o “acumulador de orgone” – resumidamente, Reich imagina uma energia livre de massa (essa contradição em termos) que, entre várias características, tem aquelas de ser armazenada em material orgânico e ser conduzida (“sugada/repelida”) por metais. Assim, ele cria uma caixa que poderia acumular em seu interior essa energia da atmosfera: a caixa consiste de camadas alternadas de material orgânico e metal, sendo a camada mais externa de material orgânico (sempre que vi algo sobre, madeira) e a mais interna de metal – a ideia, então, é que a madeira externa acumula em si a energia que há no ambiente, então o metal em contato com ela “suga” essa energia e “expele” para a próxima camada de madeira, com o processo se repetindo, e a camada mais interna, de metal, expeliria a energia no que quer que estivesse no interior da caixa, energizando essa coisa. Nessa teoria, quanto mais camadas, mais potente o acumulador. Algumas adaptações dessa ideia existem, e uma dela é a “manta orgônica/orgonótica”, uma versão de tecido de um acumulador – alternando camadas, por exemplo, de um tecido de algodão com camadas de lã de aço, conseguiria-se um efeito igual (provavelmente em menor escala, dado que a caixa seria fechada e a manta aberta, além da densidade dos materiais – fico imaginando também se na construção dessas mantas sem tem uma extremidade em tecido orgânico e a outra em aço, como deveria ser, ou se ela é um “sanduíche” de camadas, mas sendo completamente de tecido orgânico no exterior).

Explicado isso, na ementa do curso que nos foi enviada, pode-se ler o seguinte já na parte final do documento:

Sugestão: Que durante os seis meses do curso, cada aluno use a manta orgonótica diariamente por 30 minutos e anote as reações para uma discussão no final do semestre.

A princípio, essa pode parecer uma postura positiva: está sugerindo um experimento, que será discutido em grupo. O experimento inclusive, apesar de simples, tem um método, pressupõe uma repetição de um padrão por uma quantidade de tempo considerável e lembra de que sejam feitas anotações.

Mas creio que não precisemos pensar muito para ver que esse é um experimento que não tem validade alguma para tirarmos qualquer tipo de conclusão. É um experimento que não possui controle nenhum, ou seja, não há nele nada que possa separar reações que sejam advindas diretamente da variável introduzida (o uso da manta) de reações que sejam advindas de qualquer outra coisa. É um experimento com um número muito pequeno de testes; supondo uma turma mais cheia do que já tivemos em qualquer outra, serão 20 pessoas fazendo o teste – o que em termos estatísticos é muito pouco. O grupo que fará o teste é completamente enviesado sobre os resultados – acho que é válido pensar que quem procura uma formação reichiana já tem um pezinho na crença do orgone; no IFP, até onde pude constatar, me parece que sou o único que questiona a existência de tal “energia livre de massa”. Esses são problema mais óbvios e que já invalidam, acredito, a retirada de qualquer conclusão desse experimento.

Mas qual é o grande problema de um experimento desses, afinal? Que mal há nas pessoas se cobrirem em rocamboles de algodão e lã de aço por alguns meses? Não estaria eu apenas me incomodando com algo inofensivo? Infelizmente não.

As pessoas realmente acreditam nessa coisa de energia orgone, mesmo que não tenham nenhuma evidência sólida para isso, e mais do que apenas balizar as suas vidas tendo isso em (grande) conta, propagam essas ideias, dão cursos sobre isso, e criam métodos terapêuticos que se baseiam nisso. E isso deveria ser evidentemente sério, nocivo, algo a ser evitar a qualquer custo. As pessoas que já entram na formação com um viés positivo sobre as teorias de Reich a respeito do orgone, podem enxergar em um experimento desses uma confirmação desse viés, e aí a coisa vai deixando de ser um “eu acredito” e vai ganhando contornos de “isso é científico”. Mesmo que ninguém faça o experimento e, por isso, não haja discussão alguma, só o fato de uma proposta tão cheia de complicações assim existir já é um problema enorme, e eu queria deixar isso registrado aqui, sabe-se lá exatamente o porque – pois contraditoriamente ninguém lê e quem lê não se importa.