20 de fevereiro de 2021 – primeira aula de Processos Clínicos

Para essa aula, cometi um erro por pura desatenção: estudei o texto errado! Pior que eu estou com um horário bem restrito por conta da faculdade, as aulas do pré-vestibular onde leciono vão iniciar, dois grupos de estudo, grupo de intervisão, a própria formação e o Projeto, então tive que criar horário para esse estudo, não no sentido de que não hão horas no meu dia para estudar o que eu preciso (matematicamente, elas existem), mas porque estudar exige outras coisas que não só o tempo disponível, você tem que vencer obstáculos internos (aquela vontade de fazer outra coisa, o sono, a dificuldade de leitura, como definir prioridades entre o que é necessário) e externos (o calor, a música alta alheia, a dinâmica de morar com outras pessoas).

Li duas vezes, fiz algumas anotações, destaquei partes, consultei dicionário, e mesmo assim ainda tinha achado que não tinha conseguido me dedicar ao texto como desejava; mas, ao iniciar a aula, o Marcus Vinícius começou a descrever o texto e eu percebi que não se tratava do mesmo material; abri o programa de e-mail para ver se ele não estava confundindo as datas, mas não, a confusão havia sido minha. A solução, então, como apontada por uma colega de curso seria assistir à aula primeiro e ler o texto depois; no pior, uma experiência diferente, algo a aprender com isso. Sem dúvidas, que é melhor conferir duas vezes antes de estudar um material se é aquele mesmo para aquela aula!

O texto que efetivamente se utilizou nessa aula foi o capítulo 10, “Contato Inicial entre Paciente e Terapeuta”, do livro “A Ética da Psicanálise”, de Thomas Szasz. O segundo parágrafo desse capítulo dá bem o tom do que foi discutido na aula:

Os primeiros estágios do encontro terapêutico são cruciais; pequenos erros da parte do terapeuta podem destruir o relacionamento analítico em desenvolvimento ou impedir que este se torne verdadeiramente analítico e autônomo. Assim, a maneira como paciente e psicoterapeuta se encontram pela primeira vez e a natureza de suas comunicações iniciais recíprocas são de importância excepcional

O Marcus Vinícius iniciou apresentando o autor, dizendo que ele é um psiquiatra com formação em psicanálise clássica que participou de um movimento importante de antipsiquiatria, sendo um grande pesquisador nesse campo da iatrogenia da loucura – a ideia de que o tratamento psiquiátrico cria a própria loucura que intenta tratar. Disse que esse texto que estudamos na aula é um texto clássico, e que por isso tem algumas questões já superadas e outras ainda muito pertinentes, e que trabalha com questões fundamentais da relação terapêutica. Segundo ele, é um dos raros textos que fala claramente do contrato e das primeiras entrevistas, e além disso o autor expressa claramente as suas ideias, se coloca como sujeito do texto (“eu faço dessa forma”, “eu tenho preferência por este método”).

O texto começa falando sobre o início do processo terapêutico, da necessidade de um absoluto cuidado com esse momento para que não se comprometa a construção dessa relação. Uma marca muito forte do autor é trabalhar a ideia do processo psicanalítico a partir do conceito de autonomia, ele fala em uma “ética da autonomia”, que fortalecer, valorizar e propiciar essa autonomia deve ser o objetivo da terapia. Já se percebe, aqui, a falta que uma discussão profunda desse texto faz na formação de muita gente.

Partindo dessas bases, o autor vai trazendo coisas bastante pontuais sobre esse processo. Uma primeira coisa que ele diz, absolutamente inicial no processo, é que se o contato para a marcação da entrevista inicial for feito de forma “terceirizada”, ele até ouve a pessoa que entrou em contato mas diz que quer conversar com a pessoa que será paciente antes da primeira entrevista; situações assim devem ser comuns em relações de mãe/pai e filho/filha ainda jovem, mas também em muitas outras onde haja essa dinâmica de dependência atuando. Realmente já nessa observação se percebe o valor desse tipo de material textual, pois se permite esmiuçar a relação em detalhes que podem passar desapercebidos por alguém por muito tempo em prática clínica, talvez só lhe vindo à atenção, se tanto, quando um problema por demais evidente surgir a partir disso. O Marcus Vinícius apontou que essa é basicamente a posição dele também, a não ser em casos muito excepcionais onde por algum motivo que ele considere válido a pessoa não possa estar nesse primeiro contato com ele, então ele aceita fazer a marcação através de terceiros e ter o contato com o paciente na primeira entrevista.

O autor também diz que faz questão de tratar os honorários diretamente com o paciente, sem recorrer à figura do secretário ou qualquer outro intermediário. Achei curioso como na aula essa questão, ao ser apresentada, levou a perguntas sobre a questão do laudo psicológico e não se passou por quaisquer implicações diretas na relação sobre a questão de receber o pagamento diretamente da paciente. Um ponto aparentemente menor que o Marcus Vinícius trouxe a partir do texto é que o autor diz que no caso do terapeuta estar com todos os seus horários ocupados, ele deve dizer isso claramente para o paciente, que ele pode, no máximo, incluí-lo em uma fila de espera; fiquei pensando o quanto isso é específico, que eu não veria necessidade de ter algo assim em um texto desse tipo, que isso deveria ser óbvio – mas, além de sempre termos que lembrar que o óbvio não é universal, o que é óbvio pra uma pessoa pode não sê-lo para outras, se o autor viu importância de colocar isso explícita e diretamente em seu texto certamente teve motivos para isso, talvez fosse uma prática muito comum em seu contexto. Sobre a coisa do laudo, entramos na questão conhecida de que uma psicoterapeuta não pode emitir laudo pois não é uma profissão reconhecida oficialmente, mas a partir de uma pergunta o Marcus Vinícius trouxe uma informação interessante, que eu não sabia: embora não seja uma profissão reconhecida, as pessoas podem declarar como dedutível no imposto de renda o tratamento psicanalítico. Quando ele apresentou isso, eu pensei “bom, essa é uma ferramenta interessante então que nós podemos usar, preciso estudar isso com mais propriedade”, mas logo em seguida veio uma pergunta/intervenção de uma pessoa que falou algo como “mas isso ainda não nos atende como analistas reichianos, pois as pessoas que fazem psicanálise podem até descontar no seu imposto de renda, mas os nossos clientes de análise reichiana não vão poder”, e disso o Marcus Vinícius fez mais algumas considerações sobre inicialmente os psicanalistas serem todos médicos, sobre como quem é psicólogo acaba atendendo enquanto analista mas emite laudos e assina recibos como psicólogo e coisas dessa esfera.

Mas eu ainda fiquei levemente incomodado com a pergunta da pessoa, pois não só indicava uma separação entre análise reichiana e psicanálise, mas uma separação completa, do tipo que não permitiria dizer que um analista reichiano faz psicanálise mesmo se fosse para beneficiar seu analisando. Então expressei isso em forma de pergunta ao Marcus Vinícius, questionando como ele via essa questão, se entendia a análise reichiana dentro ou fora das psicanálises; ele respondeu que “dentro e fora ao mesmo tempo”, eu protestei contra essa resposta com um “quebra meu galho, né Marcus”, e ele explicou que realmente era assim que entendia, pois via que na teoria reichiana haviam continuidades e rupturas com a teoria freudiana, e realmente desenvolveu de forma convincente o seu ponto de vista, tendo os cuidados que ele sempre tem, de apontar que existem outros autores que pensam diferente, e que nesse caso específico efetivamente não se está perto de um consenso, havendo autoras importantes do campo reichiano que consideram como continuidade e outras que consideram como ruptura. Certamente a resposta dele foi excelente e me colocou para pensar, mas ainda acho que esse é um debate que poderia ser mais aprofundado e conseguirmos extrair algo mais consensual e menos “vai do gosto do freguês”; mas isso, claro, é a minha opinião de merda, porque considero importante esse tipo de discussão. Ter definido claramente o que é psicanálise, o que significa desenvolvê-la, o que significa alterá-la, o que significa distorcê-la, o que significa romper com ela, por exemplo, seriam pontos iniciais fundamentais para que se pudesse caminhar em direção a esse consenso; na minha pergunta eu citei a Suely Rolnik, que é um expoente da Esquizoanálise e disse em uma palestra (https://www.youtube.com/watch?v=PMYjUBhJe1Y) que entendia o que fazia como psicanálise (para contextualizar, a Esquizoanálise é uma proposta analítica que critica e se opõe a um dos pilares da psicanálise, a ideia de que o Complexo de Édipo é uma estrutura fundamental do psiquismo humano – ou seja, trazer a Suely Rolnik com esse exemplo é dizer “se até uma pessoa da linha que mais critica a psicanálise diz que faz psicanálise…”).

A minha ideia ao trazer esse exemplo foi mostrar que devemos encarar o conhecimento como algo sempre em construção, que uma teoria pode continuar sendo compreendida como a mesma apesar de mudanças significativas em seus conceitos e, talvez o que seja mais relevante para mim nesse debate em particular, que não devemos confundir psicanálise com Freud – ele foi o criador da psicanálise e suas contribuições para o desenvolvimento desse campo são fundamentais e inegáveis, mas a psicanálise pode (e deve, na minha opinião de merda) ser algo vivo, que continue buscando falsear suas hipóteses e construir conhecimento cada vez mais sólido, enquanto que o freudismo está morto, no sentido de que, morto Freud, ele não escreverá mais uma letra sequer, então o que ele construiu de teoria e prática está à nossa disposição para estudo e pesquisa, mas não para desenvolvimento. Pode ser que novas questões sejam levantadas a partir de achados dentro da obra de Freud, pode ser que encontrem algo nunca publicado dele, mas seja lá o que ele escreveu, está escrito e não será revisto por ele, por isso que chamei de morto. Infelizmente, vejo que é muito comum nesse campo das psicoterapias que se faça uma relação de identidade entre psicanálise e freudismo, o que impede a compreensão de que a psicanálise continue sendo psicanálise se abandonar esse ou aquele pressuposto, ou se introduzir esse ou aquele conceito; na minha concepção, por exemplo, a ideia de que corpo e mente formam uma unidade, ideia basilar em Reich, é fundamental para a compreensão psicanalítica do indivíduo e para a possibilidade de avanços dentro da teoria da psicanálise; só que historicamente essa concepção não é aceita por Freud, e nisso se imiscuem todas as questões de ordem política e social entre ele e Reich, que provavelmente falam muito mais alto do que qualquer discordância efetivamente teórica. Na seção de comentários do vídeo com o trecho da palestra da Suely Rolnik a que me referi acima, uma pessoa deixa a seguinte citação:

OS PILARES DA TEORIA PSICANALÍTICA. A suposição de que há processos mentais inconscientes, o reconhecimento da teoria da resistência e da repressão, a consideração da sexualidade e do complexo de Édipo são os principais conteúdos da psicanálise e os fundamentos de sua teoria, e quem não puder aceitá-los não deveria considerar-se um psicanalista.” (Freud, 2011. [1923] pág. 292)

Primeiro, sempre acho curioso como as pessoas se prendem a certas formas sem fazer-lhes uma avaliação crítica do significado e pertinência; a pessoa citou o Freud e usou algum formato de referência que, imagino, deva ter aprendido na faculdade ou algum manual de formatação – só que essa citação, colocada assim em um comentário de vídeo, não auxilia muito, pois não traz o nome da obra, e se alguém quisesse consultar agora essa citação teria que ter à sua disposição as edições de 2011 de obras publicadas por Freud em 1923, e então olhar-lhes as páginas 292. Poderia ocorrer da pessoa ter a mesma obra em sua biblioteca, só que em edição distinta, e só encontraria essa citação em uma busca por todas as obras de 1923 de Freud; se a lista da Wikipedia (https://en.wikipedia.org/wiki/Sigmund_Freud_bibliography) está certa, e não tenho nenhum motivo para acreditar que não esteja, nesse ano Freud publicou três obras: O Ego e o Id; Uma Neurose Demoníaca do século XVII; Organização Genital Infantil. Em trabalhos acadêmicos, livros, artigos e semelhantes, tudo bem fazer uma citação dessa forma, pois no final do escrito haverá, presume-se, uma lista da bibliografia consultada com os detalhes completos da obra, facilitando assim o cotejamento e consulta; mas se tudo que você vai fazer é citar um trecho de um autor em uma seção de comentários, se você efetivamente retirou a citação de um livro, seria o mínimo de se esperar que você explicitasse o nome da obra. E esse aqui é um ótimo exemplo de como isso não é uma coisa menor; alguém que ficasse curioso com essa citação e resolvesse buscá-la no original, para se inteirar do contexto e compreender melhor a questão, se se valesse dessa bibliografia que indiquei, acabaria lendo três livros do autor sem conseguir encontrá-la, pois ela não está em nenhuma dessas três obras. Realmente está em um escrito de 1923 de Freud, mas não em uma obra sua: essa citação é do texto Psychoanalyse und Libidotheorie (Psicanálise e Teoria da Libido), contido na obra Handwörterbuch der Sexualwissenschaft(algo como “Dicionário de Bolso de Sexologia”) de Max Marcuse; na tradução da Edição Standard das obras completas de Freud, esse texto pode ser encontrado com o nome Dois Verbetes de Enciclopédia. Eu só consegui encontrá-lo por ter versões digitais em formato texto (que permitem uma busca por cadeias de caracteres) dessas obras e contar com o maravilhoso software livre grep, que procura em arquivos por uma expressão que você forneça – eu ainda tive que fazer diferentes tentativas, pois a tradução que eu possuo é diferente da que a pessoa utilizou, mas não demorou muito para encontrar (a título de curiosidade e referência para o eu-do-futuro, consegui com um grep -rnwi . -e “fundamentos de”). No entanto, certamente existem pessoas muito mais interessadas e versadas nessa discussão do que eu, mas que não possuem esse conhecimento em informática ou os arquivos digitais para realizar tal busca. Para mim não importa se você segue todas as regras da ABNT ou de qualquer outra instituição ao fazer a sua citação, não me incomoda que a pessoa escreva o nome do autor com o sobrenome primeiro ou por último, se coloca o título do livro em itálico ou negrito, se indica a quantidade de páginas ou não; se disser o nome do autor e da obra, já fez ao menos o mínimo, e se citar a edição que está usando junto com a página de onde extraiu a citação, já fez o suficiente para que alguém consiga utilizar aquela referência sem maiores dificuldades.

Explorado esse ponto, vamos para a citação em si; realmente, nela Freud é completamente explícito sobre quem não pode aceitar o Complexo de Édipo: não deveria se considerar psicanalista. Aqui já haveriam considerações possíveis sobre a questão do Édipo na Esquizoanálise, se é uma questão de destituí-lo completamente ou de apenas questionar sua postulação como universal no psiquismo humano, propondo como alternativa a compreensão de que o tal Complexo é fruto de um certo tipo específico de configuração social. Há material farto e interessante, inclusive na obra de Freud (e também em Reich, vale assinalar), para essa discussão; mas, para o bem do argumento, vou considerar aqui uma versão mais literal em relação ao título do livro que “inaugura” a Esquizoanálise: ela seria anti-édipo, não é em definitivo capaz de aceitar o Complexo de Édipo. Assim, então, acredito que a provocação feita (ou que eu entendi como feita) pela pessoa que deixou o comentário teria muito fundamento, pois uma pessoa que praticasse a Esquizoanálise, não sendo capaz de aceitar o Complexo de Édipo, não deveria se considerar psicanalista. Mas isso, e até aqui, segundo Freud. Um primeiro questionamento que eu faria, e que já apresentei acima, seria sobre o quanto deveríamos identificar freudismo com psicanálise; uma discussão com pertinência e méritos próprios, tendo a acreditar. Mas uma outra questão que acho importante pensar é trazida pelo próprio Freud, no terceiro parágrafo do prefácio das suas Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise:

As novas conferências de modo algum pretendem ocupar o lugar das anteriores. Em nenhum sentido elas formam uma entidade independente, com a expectativa de encontrar um círculo de leitores apenas seus; são continuações e suplementos que, em relação à série anterior, se dividem em três grupos. Um primeiro grupo contém novas abordagens de assuntos que já haviam sido discutidos, há quinze anos, mas que, em conseqüência de um aprofundamento de nosso conhecimento e de uma modificação em nossos pontos de vista, requerem atualmente uma exposição diferente, ou seja, revisões críticas. Os dois outros grupos contêm o que na verdade são ampliações, pois tratam de coisas que não existiam na psicanálise à época das primeiras conferências, ou que estavam muito pouco em evidência para justificar que constituíssem título de capítulo.

Percebe-se que o próprio Freud tem a compreensão de que o aprofundamento do conhecimento dentro de um campo pode tornar necessária uma revisão crítica do trabalho já feito, e que os pontos de vista podem ser alterados sem, no entanto, que se tenha procedido uma mudança de campo, ou ruptura. Só faria sentido dizer que a psicanálise deve ser compreendida da forma como Freud propõe independentemente das modificações que este tenha feito na sua teoria e prática se recorremos a uma tautologia, algo como “psicanálise é aquilo que Freud define como psicanálise” – o que, obviamente, estaria sempre a se referir à última definição que Freud tenha dado, mesmo que essa contradissesse completamente a definição anterior. Como já mostrei, não posso concordar com uma definição assim, seja lá de que campo do conhecimento estejamos falando; por isso que acho não só útil, mas necessário, que façamos uma separação do que é a psicanálise daquilo que é a teoria de Freud. Embora certamente insuficiente, um bom ponto de partida para pensarmos o que é a psicanálise pode ser encontrado no texto citado pela pessoa na sessão de comentário, “Dois Verbetes de Enciclopédia”, no primeiro parágrafo do escrito:

PSICANÁLISE é o nome de (1) um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo, (2) um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos e (3) uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina científica.

De forma muito perspicaz, Freud define a psicanálise em três campos distintos: um procedimento de pesquisa; um método de tratamento; uma disciplina científica. E os apresenta em ordem deliberada, sendo a antecessor necessário para o sucessor; assim, existe um procedimento de pesquisa, sem o qual não se pode construir um método de tratamento, e sem ambos não existe a disciplina científica. Então, podemos dizer que o procedimento de pesquisa seria o mais importante para a psicanálise, pois sem ele não haveria trabalho clínico nem campo do saber propriamente psicanalítico. E se entendemos, como Freud demonstrou entender, que processos de investigação podem nos levar a conclusões que refutem as nossas premissas e conclusões anteriores (o pensamento indutivo requer revisão de crença frente a introdução de novas premissas), me parece necessário concluir que o Complexo de Édipo é uma hipótese que, como todas as outras, pode vir a ser questionada pelo avanço das investigações no campo psicanalítico (me parece, inclusive, que foi justamente isso que Deleuze e Guattari fizeram com seu O Anti-Édipo). Repito: se vamos encarar a psicanálise da forma como Freud a definiu nesse parágrafo que citei, o Complexo de Édipo é uma hipótese, não um elemento fundamental; ele pode ser o grande diferencial da escola freudiana de psicanálise, ele pode ter sido um elemento que levou a avanços importantíssimos na disciplina psicanalítica, mas ele continua sendo uma hipótese como outras e deveria ser tratado como tal. Infelizmente a nossa aula não chegou nem a arranhar essa discussão, pois efetivamente não era o objetivo dela, mas acho que temos aí uma discussão muito rica, que poderia render ela mesma todo um curso só para se extraírem-lhe os fundamentos e implicações – e talvez nem mesmo um curso com a carga horária que temos nos do IFP fosse suficiente.

Após isso, ainda no seguimento da questão do reconhecimento da análise como profissão, surgiu uma fala sobre como estar nesse “não-lugar” é ruim, e a preocupação esboçada tinha que ver com o receio de que um paciente fizesse uma acusação injusta e a analista fosse processada, situação na qual não teria uma instituição “por trás”; a pessoa chegou a citar as sociedades psicanalíticas como um tipo de instituição que concederia essa legitimidade às psicanalistas, e apontou que não havia nada semelhante no campo reichiano. A resposta do Marcus Vinícius foi explicando que como a psicanálise não é uma profissão reconhecida, as sociedades psicanalíticas não poderiam auxiliar judicialmente em nada caso uma psicanalista fosse processada, que esse processo se procederia na “justiça comum”; e que mesmo em casos de profissionais da área de saúde que atendem emitindo recibos com o carimbo da sua área profissional, podem ser processadas dentro do seu Conselho Federal, por exemplo, e ainda assim serem processadas na “justiça comum”. O reconhecimento do analista se faz pela sua formação e instituições em que se formou, na relação com seus pares. Nessa toada, uma pessoa trouxe a informação de que quando foi fazer a abertura do seu CNPJ percebeu que havia um código que era “atividades complementares da saúde humana” (ou algo que o valha), e dentro dessa atividade existe “terapia reichiana” – mais uma informação interessante nesse sentido! Uma coisa que o Marcus Vinícius falou que me deixou em dúvida com outras informações que já recebi no curso foi “(…) no caso do Conselho de Psicologia e de Medicina, nenhum dos dois quer se apropriar do conceito de psicoterapia” – o que o Henrique, outro professor/coordenador, nos disse foi que já houve discussões dentro do Conselho Federal de Psicologia sobre transformar a atividade de psicoterapeuta em exclusiva de psicólogas. Essa é uma informação importante de termos com maior precisão, e uma discussão muito interessante e necessária de nos inteirarmos e participarmos da construção.

Continuando com o texto, entramos no assunto da primeira entrevista; o Marcus Vinícius disse que o seu próprio procedimento é concordante com o do autor, que o faz de frente com o paciente, sem nenhuma mesa ou outro obstáculo entre os dois. Sobre a decoração do consultório, a recomendação foi de elementos imparciais (o Marcus Vinícius fez a distinção entre “neutralidade” e “imparcialidade”, marcando que não acredita em neutralidade, mas que é possível ser imparcial nessa decoração), que não evoquem questões que possam ser complicadas para o paciente. Uma pessoa perguntou sobre terapeutas que atendem em casa, e a única questão que o Marcus Vinícius levantou foi a importância de buscar isolar a vida privada da casa do espaço de atendimento; disso se desenvolveram algumas considerações sobre a possibilidade para quem mora em prédio de vizinhos reclamarem disso, do quanto elementos cotidianos podem interferir na relação terapêutica (usou-se o exemplo de pessoas que “possuem empregadas que atendem a porta” [e o uso marcado do gênero nessa função é bem interessante], que essa empregada deveria ser instruída a como atender pacientes, que aí isso já se tornaria uma função de secretária, e mesmo o fato de possuir uma empregada já revela e levanta questões). Ainda sobre a primeira entrevista, o Marcus Vinícius ressaltou a importância do trabalho com a Análise do Caráter, de que nunca faz perguntar do tipo “por quê?” – usou o exemplo de um paciente que fica em silêncio, e que perguntar-lhe o por que desse silêncio pode simplesmente levar a racionalizações, e que o ideal de acordo com a Análise do Caráter seria trabalhar o como, o que poderia ser feito, por exemplo, perguntando ao paciente que coisas lhe ocorrem quando está em silêncio, que sentimentos, imagens, pensamentos lhe surgem quando está em silêncio.

A partir de uma pergunta, o Marcus Vinícius falou um pouco sobre o processo inicial, que depois da entrevista existe um período de avaliação. Na entrevista inicial (que pode se estender por mais de um dia, embora isso não seja comum) ele fecha o contrato com o paciente, o que já define como funcionará o processo analítico, o que se espera e o que se oferece ao paciente; a partir disso inicia esse período de avaliação, que na realidade dele não costuma durar menos de duas sessões nem mais de quatro sessões. Nesse período de avaliação o Marcus Vinícius possui um roteiro que segue, e é o único momento do processo que ele faz anotações durante as sessões; nesse período de avaliação ele ainda está sentado de frente ao paciente, lhe fazendo perguntas, e somente depois de passado esse período de avaliação é que ele convida o paciente ao divã e considera iniciado o processo analítico, onde o esquema das sessões muda, ele anuncia explicitamente a regra fundamental da análise ao paciente e passa não mais a fazer perguntas diretas, mas trabalhar com o conteúdo trazido pelo paciente. Eu acho que a existência desse período de avaliação é uma ferramenta importante no processo analítico e não deveria ser considerada levianamente, apenas como um momento protocolar onde se preenche um questionário; é importante para a analista ter a dimensão de que o objetivo da pessoa que busca análise pode não ser realizável dentro de um processo analítico, e entendo que é fundamental, indispensável, que isso lhe seja dito, mesmo que a analista acredite que hão questões a serem trabalhadas analiticamente com aquela pessoa; outro ponto onde o período de avaliação se faz indispensável é permitir que a analista avalie se tem condições de atender aquela pessoa, se efetivamente acredita que pode lhe ajudar – se a sua resposta é um sim antes de mesmo de conhecer a pessoa, ou se sempre é um sim, acredito que há uma chance considerável de algo errado estar acontecendo. O autor do livro possui um processo distinto do apresentado pelo Marcus Vinícius, pois para ele o período de avaliação se faz, se muito, sem roteiro, e a formalização das regras (o contrato) se faz conforme o processo terapêutico vai se desenvolvendo, não há um momento marcado para isso. Uma pessoa fez uma pergunta excelente sobre isso, questionando o que o Marcus Vinícius faria ao se perceber incapaz de atender às demandas trazidas pelo paciente; a resposta dele foi simples, dizendo que é nesse período da entrevista inicial e de avaliação que ele procura compreender as queixas do paciente e se ele tem condições de ajudá-lo com elas, assim como perceber que as questões do paciente lhe atravessam de forma a impossibilitar que o processo analítico se desenvolva. O exemplo que ele trouxe é excelente: ele disse que seria incapaz de atender um nazi-fascista, e que em caso de um surgir em sua clínica ele se veria impelido a lhe encaminhar para outro terapeuta. Um exemplo menos extremo que me ocorre é o caso da queixa principal do paciente se relacionar com algo pelo qual a terapeuta esteja passando; por exemplo, alguém que traz como queixa principal a dificuldade de lidar com o luto para um terapeuta que acabou de perder um ente querido (a questão do luto em terapia suscita uma discussão própria muito interessante), ou alguém que busca terapia para lidar com seu divórcio e encontra uma terapeuta atravessando um complicado processo de separação.

Falando sobre o contrato, o primeiro ponto que o Marcus Vinícius levanta é sobre a dispensabilidade do contrato por escrito, pois o que se busca construir na relação terapêutica é uma ética de confiança, então não se faz necessária a existência de um documento por escrito que firme esse contrato, o acordo verbal entre as partes será suficiente para isso. Nele, de acordo com o Marcus Vinícius, define-se os horários do atendimento (e foram feitas algumas considerações sobre a frequência desse atendimento, visto o autor estar situado em um contexto que era regra o atendimento psicanalítico ser feito todos os dias da semana); se explicita que o horário definido é reservado ao paciente, então que mesmo no caso de falta o paciente deve pagar a sessão; sobre remanejamento e remarcações, o Marcus Vinícius estabelece que são possíveis quando feitos com 48 horas úteis de antecedência, mas que isso pode ser flexibilizado ou enrijecido de acordo com a relação com o paciente; férias são definidas também no contrato, e a prática do Marcus Vinícius é que o paciente não pague as férias do terapeuta, e que no caso das férias do paciente não coincidirem com as do terapeuta, ele oferece duas opções, ou o paciente se assegura que aquele horário continua sendo dele e paga por isso, ou então não paga esse período de férias mas quando voltar pode acontecer do seu horário costumeiro esteja ocupado; sobre alta e interrupção, o autor afirma que estão apenas na mão do paciente, enquanto que o Marcus Vinícius discorda disso e acredita que a interrupção é direito do paciente mas também do terapeuta, sempre em diálogo, e isso também se aplica à alta, mas com implicações mais profundas em relação a essa necessidade de avaliação conjunta de paciente e terapeuta, e essa se define quando o paciente chega a um nível de autonomia que lhe permita trabalhar as suas próprias questões, quando está tendo um bom números de insights sobre si mesmo e está conseguindo lidar com isso, quando suas defesas estão flexibilizadas. Nesse ponto sobre a alta o Marcus Vinícius trouxe algo que eu acho muito interessante, que é o caráter pedagógico do processo analítico, pois o paciente estando implicado no processo e este se desenvolvendo, vai ir aprendendo como a análise funciona, e conforme for evoluindo em seu processo, flexibilizando as suas couraças, conseguirá dar conta de algumas das suas questões por conta própria – é o processo de autoanálise. Alguns autores e terapeutas vão discordar de qualquer caracterização pedagógica do processo terapêutico, chegando mesmo a renunciar como não analítica qualquer relação que seja pedagógica, renunciando qualquer possibilidade de autoanálise (pois a análise seria algo, nessa visão, somente possível na construção de uma relação entre analista e analisando) – o que levanta a interessantíssimas questões sobre as implicações para a teoria psicanalítica do seu surgimento a partir da autoanálise de Freud.

Depois de encerrada a fase de avaliação, o Marcus Vinícius convida o paciente a deitar-se no divã (o que, segundo ele, já configura elemento evidenciador da mudança de etapa no processo) e enuncia a regra básica/fundamental, que ele adaptou de Freud para incluir a questão corporal: “Você deve dizer ou expressar corporalmente tudo o que lhe venha, com o mínimo de censura possível, e eu não estou aqui para julgá-lo, inocentá-lo ou condená-lo. Tudo o que você expressar ficará somente entre nós – eu garanto o sigilo de tudo o que você trouxer. Evitarei dizer como você deve se comportar. Não emitirei juízo de valor, as decisões são suas – mas colocaremos em análise tudo o que você comunicar ao longo das sessões”. Depois de dito isso ele fez considerações sobre a ideia “com o mínimo de censura possível”, dizendo que coloca dessa forma pois sabe que é impossível exigir do paciente que diga e expresse tudo aquilo que lhe ocorrer sem censura alguma, então é importante ter esse cuidado de não fazer uma exigência impossível, mas como é importante frisar para o paciente da importância dessa expressão ser, efetivamente, com o mínimo de censura possível, que mesmo coisas que ele pense em não dizer ou fazer pois “é uma bobeira”, “não é relevante” ou outras valorações semelhantes, mesmo essas devem ser expressadas (talvez sobretudo essas), pois somente trazendo para o processo analítico é que elas poderão ser trabalhadas.

Uma diferença entre o autor e Freud é que Szasz discorda que o sonho seja “o caminho real para conhecer inconsciente”; o Marcus Vinícius concorda com o autor e disse que para alguns pacientes o trabalho com os sonhos será efetivamente o melhor caminho para trabalhar o inconsciente do paciente, mas para outros serão suas poesias, suas fotografias, outros elementos. Gosto desse pensamento, de entender que o caminho terapêutico será descoberto na construção da relação e não baseando-se em um modelo preestabelecido que pretenda dar conta de toda e qualquer relação. Outro ponto, talvez menor, que o Marcus Vinícius disse concordar com o autor é em relação à troca de presentes entre paciente e terapeuta: “em via de regra, não”; faz uma ressalva sobre algo que possa ser visto como “lembrança”, o paciente numa viagem trouxe um chaveiro, algo assim, e diz que isso já pode virar elemento terapêutico, aceitando a lembrancinha e perguntando “mas como foi estar em viagem e lembrar de mim?”.

Outro ponto que o Marcus Vinícius ressaltou foi que, em sua opinião, analista não está ali para responder às perguntas e demandas da paciente, mas sim para analisar os conteúdos que surgem na relação analítica. Eu não sei o quão literal ele é na aplicação dessa regra, mas na minha prática clínica eu já percebi que isso não pode ser levado na literalidade, vai depender de cada relação que se constrói; por vezes é necessário informar sim coisas à paciente, para que ela entenda as causas, motivos, razões ou circunstâncias do que você está fazendo ou das perguntas que faz ou comportamentos que mantém, assim como em outras o processo só vai andar se você efetivamente responder a uma pergunta da paciente. Certamente eu concordo com essa ideia de não responder perguntas como um princípio norteador, que nos auxilie a pensar a construção da relação e na necessidade de um raciocínio rápido seja sempre a primeira medida a se tomar, mas é sempre importante perceber como a relação se constrói e que cada relação terá as suas necessidades e os seus caminhos. Depois, respondendo a uma pergunta de outra pessoa, o Marcus Vinícius mostra que compreende assim como eu esse ponto, e traz duas considerações/imagens que eu achei muito interessantes. A primeira relaciona a terapia com arte e através dissoconclui sobre responder algumas demandas se a situação analítica assim pedir:

a terapia ela é fundamentada numa ciência ou num corpo de conhecimento teórico acadêmico, como vocês queiram nomear isso, mas ao mesmo tempo ela é uma arte, a arte de ser terapeuta. Por quê? Porque depende muito da tua própria avaliação, dos teus sentidos, da tua intuição, do que fazer com aquele paciente, tem muito disso também. Então é a arte da terapia mesmo, e que você vai aprendendo, é só praticando… quanto mais você praticar, melhor, em princípio pelo menos. Se você praticar bem focado, comprometido com seus pacientes, com a supervisão, pelo menos mais fortemente no início, depois ela pode ser até mais espaçada… quanto mais você fizer isso, mais você está se munindo de uma condição, de uma capacidade de atender bem, mas tem muito a ver também com a tua condição de percepção, de sensação, de intuição sobre o paciente, às vezes a gente também tem que fugir dessa condição de não responder nenhuma demanda – não, às vezes a gente vai responder.

A segunda fala sobre aspectos fundamentais do processo analítico, sobre o que ele significa:

…é com a ideia pedagógica, digamos assim, de fazê-lo compreender o que é uma análise, que é a tua capacidade de pensar sobre você mesmo. Menos de dar resposta e mais de começar a pensar sobre você mesmo – é isso que está em jogo. A posição do Szasz não é muito aquela das psicoterapias humanistas e existencialistas que acham que a resposta está dentro de si – não. É a capacidade de pensar sobre as coisas, nisso ele acredita. Não é que a resposta, a uma questão que você levantou, uma questão que o paciente levantou, está dentro dele não – é que está dentro dele a capacidade de pensar sobre ele, e de ampliar um pensar sobre você mesmo, de não ficar ali oralmente, com a boca aberta, querendo absorver só indicações que vem do mundo, mas é de fuçar, é de descobrir, é de pesquisar, é de se esfregar de certo lugar para se aventurar em outro, e que a gente pode estar paralisado e não estar conseguindo fazer isso, mas a gente tem essa capacidade de ir ao encontro de uma autoanálise, a gente tem essa capacidade intrínseca muito mais do que as respostas em si.

Gostei muito dessas duas falas, acho que elas trazem bastante conteúdo para pensarmos o processo analítico, do que ele significa, de como ele se constrói. Não tenho uma visão mística do mundo (ou, ao menos, gosto de pensar que não), então intuição para mim nada tem que ver com sextos sentidos, energias, auras ou dragões em garagens; chamo de intuição o resultado do que acredito serem interações entre processos mentais (somato-psíquicos, se preferirem), que nos permitem ter acesso a informações que não entendemos bem como acessamos – e realmente acredito que essa ferramenta é importante em um processo analítico, e que dar atenção e refletir sobre pode nos ajuda a apurar a nossa perícia com ela. A utilidade de uma ferramenta nunca poderá ser maior do que o nível de perícia que se tem com ela; usar uma ferramenta com a qual não se tem perícia alguma pode ser pior do que não utilizar ferramenta alguma. Também gosto muito da ideia de que o objetivo do processo analítico é a autonomia do indivíduo, inclusive em relação à resolução de seus conflitos (sejam eles intrapsíquicos ou não), então as considerações sobre a função pedagógica e o papel da autoanálise no processo terapêutico fizeram eco com coisas que venho nutrindo e refletindo sobre.

Partindo para o final do texto, o Marcus Vinícius foi abordando os pontos que o autor levanta no epílogo do livro, que são como conselhos para o aprendizado da prática psicanalítica. Uma primeira questão é não tomar como necessário que fazer terapia com um bom terapeuta faz de alguém um bom terapeuta; aqui foi outro ponto que eu imaginei que deve ter sido relevante no contexto do autor mas não consigo ver como seria relevante agora, pois mesmo me esforçando não consigo imaginar alguém coerentemente acreditando nisso, que apenas o fato de fazer terapia com um bom terapeuta o chancela como bom terapeuta – infelizmente tenho sempre que me lembrar que situações onde eu acho pouco provável que algo aconteça e a coisa acontece não são raras em minha vida… Outro ponto é que o terapeuta entenda que lida com a complexidade humana, então um bom terapeuta não se fará apenas com o conhecimento técnico sobre psicanálise, mas sim uma imersão nessa complexidade, ler outros assuntos, participar de trabalhos comunitários, manter boas relações sociais, ter atividades de lazer; aqui, ao contrário de achar pouco provável que alguém se “tranque nos estudos de psicanálise”, vejo que acontece justamente o contrário, e as pessoas cada vez estudam menos e se autorizam cada vez mais (talvez isso se relacione com o efeito Dunning-Kruger). Um ponto que eu gostaria de termos desenvolvido mais, onde o Marcus Vinícius concorda com o autor, é na regra de não tomar notas durante a sessão analítica; embora eu consiga perceber os ganhos que uma regra como essa enseja, achei que os motivos apresentados pelo autor não foram plenamente convincentes (ele compara a relação terapêutica à relação que temos com mães, esposas ou amigas [e usa todas no feminino, o que por si já renderia uma reflexão interessante], salientando o quanto seria estranho se tomássemos notas nessas relações). A conclusão desse ponto, para o autor, é pensar que “aquilo que vale para o paciente vale para você” – outra coisa que eu não estou plenamente convencido de que é verdadeira, pois soa como aquela ideia de senso-comum que é um péssimo conselho ético de “só faça aos outros o que gostaria de fosse feito a você”. Muitas pessoas adotam isso como uma máxima de boa conduta sem perceber que ela, na verdade, é uma diretiva que pode levar a relações desastrosas; imaginemos coisas simples, como alguém que gosta de ser acordada cedo convivendo com alguém que não gosta de ser acordada cedo – acredito que o problema aqui é evidente. Acho que supor essa regra para a relação terapêutica coloca uma falsa impressão de que os papéis não possuem distinção nessa relação; certamente o campo das psicoterapias poderia se beneficiar bastante de um movimento desierarquizante, mas não acredito que ele possa se fazer por um apagamento das diferenças que existem nos papéis de analista e analisando – a suposição de que papéis diferentes implicam relações hierárquicas é uma ficção que a nossa sociedade autoritária gosta de manter. Mas papéis específicos possuem responsabilidades específicas, e fingir que essas marcações não existem pode ser igualmente autoritário.