15 de novembro de 2020 – quarta aula de Reich e Conexões Contemporâneas

Continuamos o esquema de ler os capítulos do livro “Reich, Grupos e Sociedade”, e nessa aula trabalhamos o capítulo 4 “Sujeito, Produção de Subjetividade e Processos de Singularização”. Conforme as pessoas entravam, como estávamos em um dia de eleições municipais, o professor foi falando sobre a situação eleitoral no Rio de Janeiro, apresentando que acredita na estratégia do voto “menos pior”, e eu apresentei que a solução tem que passar pela nutrição da autonomia, do fortalecimento da autogestão e das relações horizontais, e apontei que isso inclusive se relacionava com a temática do capítulo que iríamos discutir na aula presente. Acabou que ficou num clima de “não vale a pena discutir isso”, obviamente com o professor apresentando mais longamente a sua visão, e não se aprofundou a questão; penso que perdemos com isso, não só por não discutir essa questão nesse momento, mas por enquanto sociedade não amadurecermos essa discussão, fortalecer as instâncias horizontais, aumentar os espaços de maximização de liberdade.

Uma coisa que me chamou a atenção nessa aula, e que já falei em outros relatos aqui do blog, é como as aulas da formação não são efetivamente pensadas com a dedicação que se esperaria de um curso que acontece uma vez por mês; nesse curso, por exemplo, estamos seguindo o livro escrito pelo próprio professor, e ele está utilizando a abordagem de trabalhar um capítulo por aula – só que o livro possui sete capítulos, e o curso apenas seis aulas. Quando apresentei esse ponto nessa aula, o professor obviamente não tinha pensado nisso, teve que pegar o livro para conferir que haviam sete capítulos, e aí disse apenas que poderíamos juntar o sexto e sétimo na última aula – essa não é, por si, uma resposta ruim, pois o sétimo capítulo realmente é pequeno e vem à guiza de finalização, de arremate das ideias trazidas até ali. A questão é que ficou explícito que essa não foi uma resposta pensada e planejada, foi apenas uma forma de endereçar o meu questionamento; se ele dedicasse ao menos uma hora semanal para preparar essa aula, certamente teria notado essa questão.

Como tenho feito nos últimos relatos, acho que uma boa forma de introduzir é apresentar o pequeno texto que ele sempre traz como introdução de cada capítulo; nesse, considerei importante também trazer a epígrafe (na abertura de cada capítulo ele também traz sempre uma pequena citação de alguém do campo):

Na verdade, o que não suportamos é a estridência desses sons inarticulados. É o ‘nada mais daquilo tudo’. O que não suportamos é que somos um pouco Penélopes, um pouco Ulisses, um pouco máquinas celibatárias, um pouco replicantes… e um pouco nada mais daquilo tudo.

E, no entanto, nos momentos em que, desavisados, conseguimos suportá-lo, descobrimos com certo alívio que, dessa convivência, destila-se já uma nova suavidade…”

(Suely Rolnik)

Este capítulo objetiva a investigação sobre o sujeito, a produção de subjetividades, os processos de singularização e seus desdobramentos, através do estudo destes temas nas cinco principais correntes institucionalistas: Escola Argentina (Psicologia Institucional), Sócio-análise, Esquizoanálise, Sociopsicanálise e Psicossociologia.

Os Estudos Reichianos, implicados diretamente com estas questões, também serão considerados visando alcançar aquele propósito. Desta maneira, optou-se por um caminho dialógico entre estes saberes, que indo de um autor a outro alternadamente, vai configurando uma espiral teórica.

Ao final serão assinaladas algumas conclusões, bem como possíveis digressões que esta investigação pretende eliciar.

Ele iniciou a falar do capítulo citando que a divisão e comparações que ele faz são especificidades suas, que partem de uma leitura e classificação que ele faz e sobre as quais outras pessoas podem ou não concordar. Iniciamos com a Escola Argentina de Análise Institucional, sobre a qual ele trouxe como principais autores o José Bleger e Pichon-Rivière. Essa escola se constitui no seio da ditadura militar argentina nos anos 1970, surgindo como uma forma de resistência a essa ditadura – citou, novamente, o livro “Questionamos: a psicanálise e suas instituições”, o que só faz crescer a minha vontade de ter contato com essa obra. A ideia de utilizar técnicas analíticas para atender grupos vem justamente da observação dessa realidade opressiva e brutal, onde os atendimentos individuais não davam conta de ser uma forma de combate ao regime político autoritário estabelecido; o objetivo era criar bem estar psicológico dentro das instituições, grupos e coletivos.

Bleger, se situando no que se poderia considerar uma esquerda da Psicanálise, busca fazer uma ligação das teorias freudianas com o marxismo (caminho também percorrido por Reich), buscando justamente encontrar através dessa união possibilidades de transformação social. Havia a necessidade de se criar uma técnica para atender a essa demanda, e é nesse ponto que surge Pichon-Rivière, que cria a técnica do grupo operativo, funcional e utilizada até hoje. A ideia não era substituir a análise das representações, mas compreender que essas representações estão relacionadas, entre outras coisas, com a realidade social em que o indivíduo está inserido – disse o professor que aqui foi importante a frase de Freud “às vezes um cachimbo é só um cachimbo”, que buscava se opor a uma crescente concepção hiper-simbólica que via todo e qualquer objeto pontiagudo como um símbolo fálico.

Segundo Bleger, a proposta da Escola Argentina era institucional mas a técnica era grupal. Para ele, ao uma instituição solicitar a intervenção analítica, a sua queixa inicial não seria o problema, mas seria o sintoma; assim, seria papel do terapeuta observar e proceder uma indagação operativa (que faria, a partir desse questionamento, o grupo agir sobre as questões). Ele fala ainda de uma “distância instrumental necessária”, que seria a ideia de que o terapeuta não deveria se envolver diretamente com o grupo, no sentido de não ter relações dentro dessa organização, não levar elementos da sua vida pessoal para o grupo. Destaca a importância do sigilo, de que aquilo que é discutido no grupo permaneça dentro do grupo. O grau de insights que o grupo teria seria uma ferramenta que permitiria acompanhar o grau de avanço do trabalho analítico. Para ele esse trabalho deveria ser feito pelo psicólogo, pois a sua formação é que daria possibilidade dele fazer esse trabalho. Esse psicólogo é um interventor e observador privilegiado, mas ele não executa tarefas dentro do grupo.

A ideia de grupo operativo de Pichon-Rivière se estrutura em cima de alguns pontos fundamentais; talvez o mais importante seja que o grupo operativo se centra na tarefa, que seria pensar e agir sobre as questões do grupo, assim como tornar explícito aquilo que até então era implícito. O processo para que isso aconteça passa por três fases ou três etapas: pré tarefa – confusão grupal, ECROs individuais (Esquemas Conceituais Referenciais Operativos), onde ninguém sabe quem é quem, um estado de imobilização e de defesa à mudança; tarefa – com a análise do tema emergente no grupo o ECRO grupal vai tomando forma; projeto – o grupo parte para a ação comunitária. Uma pessoa da turma trouxe uma relato de que, trabalhando em uma grande empresa nacional, viveu uma experiência de um grupo operativo e de como isso foi negativo pois, segundo ela, com o grupo começaram a surgir as insatisfações com a empresa, ritmo e condições de trabalho, só que aquele grupo não possuía agência para mudar essas coisas, então a experiência acabou sendo negativa na visão dessa pessoa. O que eu percebo disso não é que a experiência ou o trabalho não produzem um bom resultado mas, pelo contrário, o resultado foi extremamente positivo: as pessoas identificaram que o problema era a empresa em si, o seu modo de funcionamento, seus valores, sua estrutura e suas prerrogativas; a questão é que não havia como mudar essas coisas. Aqui se encontra um limite claro, para mim, do trabalho psicoterapêutico: ele não pode funcionar ou pretender funcionar como uma ferramenta de adaptação dos indivíduos à situação que os faz doentes. A psicoterapia deve ser um tempo-espaço que permita às pessoas perceber o seu problema e sua cercanias, e a partir da relação que ali se estabelece conseguir se estruturar para resolver os seus conflitos, seja compreendendo aqueles elementos da realidade que não podem ser mudados, seja produzindo alterações naquilo que as aceita. Durante esse cenário de pandemia alguma pessoas, seja por e-mail ou telefone, me disseram que estavam muito mal e o quanto se incomodavam com isso; certamente com especificidades de cada caso, para todas eu disse que por pior que fosse ouvir isso, algo em mim se felicitava que elas estivessem mal, porque estar bem nesse cenário que estávamos (e ainda estamos) vivendo seria uma péssima notícia.

Seguindo esse assunto uma outra pessoa fez uma fala sobre como desconfia que esse modelo seja possível dentro da sociedade em que vivemos hoje, e nessa fala trouxe como exemplo as empresas do Vale do Silício que, segundo ela, “trazem a ideia de autogestão, de autonomia para os funcionários”, por conta desse discurso de “faça sue próprio horário”, empresas modernosas com salas de videogame e escorregadores no lugar de escadas e toda essa mítica que se criou em cima dessas grandes empresas de tecnologia; segundo essa pessoa, mesmo adotando esses conceitos a empresa ainda continuava a explorar os funcionários e se algo como um grupo operativo se desse num espaço desse as pessoas ainda teriam dificuldades de expressar o que realmente pensam e sentem por conta de ameaças de demissão e outras represálias. O professor deu uma resposta muito inteligente, dizendo que existe algo que se pode usar como ferramenta de análise nesses cenários para verificar se existe, efetivamente, autogestão nessas empresas: é só “seguir o fluxo do dinheiro”, pois esse fluxo vai mostrar que não existe efetivamente um processo autogestivo implantado ali – se uns ganham muito sem fazer nada, outros ganham muito fazendo muito, outros ganham pouco fazendo muito e outros ganham pouco fazendo pouco, não há realmente um processo autogerido nessa empresa. Depois uma outra pessoa falou reforçando a ideia de que em uma empresa onde o funcionário não tem poder de agência um processo desse realmente não poderá resultar em nada, e novamente o professor deu uma resposta muito boa, trazendo exemplos onde pessoas percebendo que efetivamente não havia espaço em uma empresa para o estabelecimento de relações horizontais, saem dessas empresas e abrem seus próprios empreendimentos onde trabalham de forma autogerida (ou mais próxima disso). Depois dessa fala dele eu pedi a fala para relembrar o livro “Autogestão: uma mudança radical” que eu já havia indicado em aulas anteriores (https://we.riseup.net/assets/671019/Autogestao+Uma+Mudanca+Radical.pdf), pois a primeira coisa que os autores fazem é, justamente, definir o que é participação (nos lucros), co-gestão, controle operário e cooperativa, para que essas categorias, embora possam representar avanços em realidades específicos, não sejam confundidos com autogestão. Outra pessoa depois fez mais uma pergunta nesse sentido, dessa vez perguntando como não confundir uma proposta de construção de autonomia individual com essa proposta liberal de responsabilização do indivíduo; eu realmente me espanto com em um curso como esse ainda existe a possibilidade de dúvidas como essa – não é que as pessoas não possam ter essa dúvida, mas o que me espanta é que a pessoa passe por toda uma educação superior e não conseguir perceber a diferença entre duas coisas tão distantes. A partir de uma outra pergunta, dessa vez sobre a questão da redução de tudo ao desejo, o professor falou algo que eu achei interessante: “o próprio Reich às vezes ele é redutor (…) tem uma frase do Reich que eu não vou saber exatamente localizar aonde está (…) na Função do Orgasmo, mas eu não sei dizer pra vocês exatamente onde, em que ele diz assim (…) ‘orgasmo nada mais é que…’ – fudeu. Ou não fudeu, porque, enfim, você vai dizer assim [interrupção] ele vai falar de uma coisa bem bioquímica, ‘orgasmo nada mais é que’ aí ele vem com uma coisa bem bioquímica”. Eu penso que falta essa compreensão a muitas pessoas dentro da formação, mesmo à coordenação, que ficam compreendendo Reich como portador de todas as verdades e de todas as respostas. Ainda depois disso vieram duas falas sobre essas questões cercando o mundo do trabalho e as possibilidades de autogestão. Uma diretamente trazendo aquele discurso “não sei se é bem assim”, que se arroga a falar “eu sei como é a realidade e isso aí é tudo fantasia”, não porque efetivamente saiba de alguma coisa, mas porque acha que sabe pois jogou o jogo do capitalismo direitinho e como tem gente em volta concordando, não pensa em como pode estar errado; em outra aula eu cheguei a citar o documentário sobre a fábrica ocupada Flaskô, assim como os exemplos que o próprio professor deu nessa aula, que mostram justamente como é possível existir uma esquema que vá na outra mão do que o capitalismo dita que é o certo e o unívoco. Quando apresento coisas assim, não é incomum as pessoas virem com qualquer discurso do tipo “mas isso é exceção” e mimimis desse tipo, e vale frisar que qualquer uma que efetivamente acredite que “a exceção confirma a regra” obviamente não compreendeu o conceito de regra; o problema que muitas vezes falta a essas pessoas também a compreensão de contexto, pois qualquer empresa que se alinhe com o sistema capitalista tem toda a sociedade atual funcionando a seu favor (e é importante notar que mesmo assim o número de empresas que não dão certo é esmagadoramente maior do que o número daquelas que florescem – questão de regra [é, eu não resisti]), mas aquelas que desafiam a estrutura terão que lidar com vários outros problemas que estão para além da ação-fim do empreendimento. A outra fala veio de uma incompreensão de algo semelhante, pois estando imbuídas de uma ética nociva como essa que o capitalismo sopra em nossos ouvidos desde que nascemos, ter dificuldades com a adoção de outra visão não é acidental, é esperado; esperar que uma pessoa que viveu, sei lá, 20, 25, 30 anos dentro desse modo de funcionar cruel, bestializante e opressivo possa passar a atuar em outro modelo com um “virar de chaves” é ou não entender os processos envolvidos ou acreditar em milagres – por mais boa-intenção que haja nisso, é uma posição profundamente equivocada.

Depois disso, mais um ponto surge que demonstra dificuldades que eu sempre me deparo nos espaços e não sei como lidar com elas; o professor anteriormente tinha falado da teoria do Marx de que a revolução comunista surgiria nos países onde o capitalismo estivesse mais desenvolvido, pois seria justamente o desenvolvimento deste que permitiria a consolidação da classe proletária, sujeito histórico destinado a destruir seu próprio genitor (olha uma semelhança entre as teorias marxianas e freudianas aí: dentro de um certo messianismo ahistórico, pode-se ler essa ideia de Marx através do Complexo de Édipo freudiano). Pedi a palavra então para lembrar que essa previsão de Marx se mostrou desalinhada com a realidade pois o primeiro (e, de certos pontos de vista, o único) país a levar adiante uma revolução como ele postulava foi a Rússia, um país agrário e feudal. Aí a resposta do professor foi “é verdade Marcus (…) mas isso não nega aquilo que o Marx previa também”; como lidar com isso? Porque, percebam, se o Marx dizia que a revolução socialista se instauraria em países onde o capitalismo estivesse mais avançado, porque essa era condição de desenvolvimento da classe proletária e seria essa a única capaz de fazer a revolução, e se dizer isso não foi uma tentativa de previsão mas o resultado necessário das suas teorizações e análises, como ele errar não nega o que ele previu? Eu, efetivamente, não sei como lidar com uma ideia assim; talvez como isso não tenha sido o foco da aula, a fala do professor foi apenas apressada e incompleta, pode ser que ele estivesse fazendo consideração sobre outras questões, mas eu, realmente, não vejo como uma frase do tipo “ele errar não nega que ele acertou” pode ter lugar em um caso como esse.

Depois disso, falando sobre análise institucional, falou-se muito sobre crise, o papel da crise em grupos; uma passagem do livro é bem ilustrativa a esse respeito: “A partir de uma encomenda organizacional, a análise institucional movimenta dialeticamente, segundo Lourau, a relação entre dirigentes e dirigidos, instituído e instituinte e instaura uma crise na organização. Esta crise é, sobretudo, uma crise-análise. Esta perturbação do sistema organizacional, por parte do analista, é respondida com uma transferência da organização em relação ao analista, seguida de contra-transferências que podem se realizar de várias formas?, que aqui não é necessário descrever”. Sempre que se fala em crise (e se tem utilizado muito essa palavra ultimamente) eu penso na banda de punk/hardcore “Crise”, que eu vi tocar só uma ou duas vezes; era composta de quatro pessoas, duas que eu já conhecia, e vieram de SP fazer alguns shows aqui no RJ, acabando por compartilharmos momentos no pré e pós show. Lembro de gostar bastante da sonoridade da banda (tocavam um “estilo” conhecido como d-beat, por conta da banda Discharge, que o popularizou), mas o que sempre me faz lembrar era uma frase que utilizavam como slogan, algo como “uma crise é sempre boa pra pensar”. Aqui nesse contexto de uma análise institucional de grupo, esse conceito é completamente relevante, pois como vimos, para Lorau, a crise é parte necessária do processo de análise, pois é justamente a partir dela que se poderá pensar nas relações que se estabelecem dentro de uma organização. Por vezes, se tivermos bons encontros pela vida e nos mantivermos despertos e atentos, podemos conseguir perceber conexões mesmo entre o punk e a psico análise.

Depois da análise institucional, entramos na parte do livro que fala sobre Esquizoanálise, proposta criada por Deleuze e Guattari no livro “O Anti-Édipo”; o professor começou definindo que “o nome já lembra esquizofrenia, né, esquizo – esquizo quer dizer divisão, né, só que não tem nada a ver com patologia. Ou melhor, o que teria a ver com patologia é a capacidade de criar cortes, fendas, divisões, onde antes não tinha, ou seja, rupturas, fragmentos, e de delirar, no melhor sentido da palavra, de produzir coisas novas, de inventar coisas, de produzir caminhos novos, de inventar veredas, de inventar trilhas. Então, assim, esquizoanálise é você fazer cortes que te possibilitem caminhos novos, análises que te possibilitem caminhos novos”. Trouxe que o “ponto zero” da esquizoanálise seria a ideia de fluxo, que tudo se move, que mesmo naquilo aparentemente parado há movimento, tudo é passagem. Falou da ideia de Corpo Sem Órgãos, conceito que os autores criam a partir de uma ideia de Antonin Artaud, de que os órgãos são aquilo que aprisiona o corpo, por lhe fornecerem uma única configuração possível. Falou da importância do conceito de desejo para a esquizoanálise, um desejo que constitui o inconsciente para esses autores, um inconsciente que não é feito de representações mas sim que é uma usina de produção. Trouxe o conceito de agenciamento coletivo de enunciação, e o foi definindo pelos termos “agenciamento no sentido de articulação, agenciar algo é articular algo, agenciamento, articular, A com B, agenciar é levar A ao encontro de B, articulação, agenciamento; coletivo porque é um engendramento coletivo, uma ação coletiva; de enunciação, não é só de enunciar do verbal, é de expressão, de expressar tudo que pode. Então isso é quase que um processo esquizofrenizante, se você tirar a patologia da esquizofrenia, do processo esquizofrenizante. É você poder viver um pouco os seus delírios, aquilo que você imaginou, aquilo que você desejou ser, sem a pecha de ser doente ou não, psicologicamente, porque você e diferente. É ter espaço de criar e de produção do diferente”. “Então a esquizoanálise ela não busca a cura, porque não tem normal e patológico, ela arrebenta com essa divisão normal e patológico, né. O que que ela faz? Ela faz viver os processos, ao invés de buscar a cura, ela faz viver o processo, a caminhada (…) a desterritorialização, o que eles propõem é a desterritorialização, ou seja, acabar com os territórios, com as marcas, com os contornos, com as fronteiras rígidas, ‘esse é o meu território’ – não tem essa. Isso aqui é normal e isso aqui é patológico – não. Todo mundo dito normal tem um pouco de louco, e todo louco tem um pouco de normal, então não tem onde começa uma coisa onde termina outra, sequer é desejável essa nomenclatura de normal e patológico”.

Depois falamos brevemente sobre a sociopsicanálise, que o professor já iniciou falando que é uma corrente de menor importância (embora não tenha explicitado os motivos), que também faz uma intersecção entre a psicanálise e o materialismo histórico, que também trabalha com os conceitos de potência, autogestão e a busca de que os pequenos grupos se unam aos grupos maiores (partidos, sindicatos, movimentos sociais) para que possam processar mudanças na sociedade.

Por fim, falou sobre a psicossociologia, que recupera a importância do sujeito, da produção de subjetividade, na intervenção com grupos; para essa corrente, “o que a gente tem que abrir são possibilidades de se fazerem presentes as fragmentações, as diferenças – ou seja, eles dão força para os grupos minoritários” . Para esses autores, a homogeneidade é apenas aparente – o que há é a diferença. Achei essa ideia interessante pois me fez lembrar uma discussão que tive certa vez, lá pelos idos de 2013, no curso “Democracia e Liberdades”, onde dei uma aula (na verdade um pedaço de aula) sobre o texto “A Sociedade Contra o Estado”, do antropólogo Pierre Clastres, e a partir do texto trouxe a ideia de consenso (que não é discutida diretamente na obra). Algumas pessoas trouxeram a ideia que é importante “construir o dissenso”, e falaram de um texto sobre o qual eu já tinha ouvido falar, que surgiu na ocupação que existiu na praça da cinelândia (inspirada pelo movimento ocuppy Wallstreet), que se chamava, justamente, “construindo o dissenso na acampada” (ou algo que o valha). Tivemos algumas discordância conceituais e operativas, mas o que me espantava no ponto que essas pessoas traziam é como elas não conseguiam perceber que não há algo como “construir o dissenso” – ele já está dado, ele é um dado concreto da realidade, é dele que se parte, pois somos tão múltiplas e tão cortadas por diversas forças e elementos que o fato de concordamos com alguma coisa, concordar plenamente, não é algo que simplesmente aconteça – é fruto de muito esforço, de atividade. Para dar um exemplo, nada impede que os ventos soprem de tal forma que “espontaneamente” surja um castelo de areia na praia; mas esse é um evento que, me parece, ninguém está disposta a aguardar acontecer, então quem quer ver um castelo de areia sabe que é muito mais produtivo pegar seu baldinho e sua pazinha e ir construir um. A ideia na psicossociologia é que os grupos sejam o menos burocráticos possíveis, para que as expressões possam ser o quanto livres puderem, sem obstáculos artificiais, para que as pessoas possam dizer o que pensam e desejam, para que as discordâncias possam acontecer.