14 de novembro de 2020 – quarta aula de Orgonomia

No início da aula, novamente o fenômeno das pessoas chegando atrasadas ocorreu, e eu aproveitei para perguntar sobre a experiência do Nicolau enquanto assisti do Roberto Freire, criador da Somaterapia. Ele disse que viveu experiências interessantes nesse período, no bom e no mal sentido; que o trabalho do Roberto Freire adveio da experiência deste com o teatro e com a Gestalt-terapia; que a Somaterapia não era um trabalho clínico, se aproximava muito mais de um “coach que te ensina a se soltar”, o que, segundo ele, foi muito bom para algumas pessoas mas desastroso para outras que tinham sofrimento psíquico que não poderiam se resolver dessa forma. Disse ele então que aprendeu com o Roberto Freire muito do que não se fazer na clínica, e que foi então procurar algo efetivamente reichiano; falou de como certa vez fizeram uma reunião de horas para discutir se o Roberto Freire colocava a palavra “liberdade” em um dos seus livros, visto aquela ser a época da ditadura militar no Brasil e isso poder soar provocativo; falou, através de um exemplo, da paranoia que havia nessa época.

Disso perguntei de como surge o interesse dele por Reich, e ele disse que entrou na faculdade de Psicologia por conta de praticar Aikido, e percebia como a prática dessa arte marcial tinha sobre ele um efeito positivo, por vezes indo para o treino não se sentindo bem (imagino que se referia a um mal-estar psíquico) e saía dele se sentindo muito melhor; disse que o Aikido é “muito orgonômico”, falou que o seu criador teve uma experiência na guerra de ver “pontos luminosos” vindo em sua direção e que se desviava deles, para meio segundo depois ver passar por ali uma bala, e dessa experiência posteriormente criou as bases do Aikido, que se baseia em movimentos elípticos que, ainda segundo o criador, seriam os movimentos do universo, e o Nicolau disse também que há uma certa de prática de meditação envolvida. Disso entrou na ideia da orgonomia de que, assim como nas artes marciais é importante que você “entre no ritmo do seu adversário”, na clínica é possível que o terapeuta se sintonize com o paciente (certamente através da noção de energia orgone) e assim possa descobrir coisas sobre o paciente não através do que este fala ou faz, mas sim através de coisas que vão ocorrer ao terapeuta.

Ainda nesse início de aula ele trouxe uma frase que se conecta muito com uma citação que já fiz em outros relatos do livro “Afeto e Representação” de Antonio Imbasciati. Disse ele: “Tudo isso acontece porque o Reich resolveu… resolveu não, teve o brilhantismo de tratar o conceito de libido, e a energia das pulsões (tratar no sentido de investigar) sendo um construto verbal, uma hipótese de trabalho, não substâncial, ou se havia alguma realidade física por detrás disso. A citação do livro a que me referi é essa: Paradoxalmente, o único autor que acreditou inteiramente na pulsão, entendida no sentido freudiano, foi Wilhelm Reich, com os resultados que já conhecemos; todavia ele estava certo ao procurar o orgônio porque só a descoberta de uma energia física teria efetivamente confirmado a hipótese de Freud. Nos últimos anos de sua vida, o grande mestre foi sabiamente mais cauteloso em relação à questão, deixando, porém, em situação embaraçosa os seus seguidores, colocados diante do dilema de recusar a teoria do mestre ou, ao contrário, confirmá-la, correndo o risco de ter o triste fim de Reich. Ou então ir à deriva em várias distinções, como fez a maioria por muitos lustros”.

Continuando esse raciocínio ele disse que Reich em algum momento disse “Eu fiz uma única descoberta: as funções das convulsões orgásticas”; segundo o Nicolau, essa ideia é de que todo o corpo teórico que Reich construiu advém dessa “descoberta”; ele fez questão de ressaltar que não se tratava “da descoberta das convulsões orgásticas”, mas sim das funções dessas convulsões. Assim, disse ele que “as funções das convulsões orgásticas, elas servem, elas são a síntese, elas são aquele elemento nuclear da ideia de pulsação da convulsão, da ideia de antítese complementar sobre psiquê, e assim em diantes. Tudo isso deriva da observação das convulsões orgásticas”. Disso ele fez uma síntese, iniciando na metapsicologia freudiana, dos vetores tópico (consciente/inconsciente), dinâmico (catexia, vinculação afetiva a certas ideias) e econômico (a questão da energia); o econômico vai tratar daquilo que é força motriz das pulsões: “força motriz sou eu que estou dizendo, isso está implícito nos textos freudianos, principalmente na primeira tópica, na segunda tópica não; na segunda tópica isso vira valor. Na primeira tópica a dimensão econômica é até definida utilizando o referencial da física, na conceituação, libido é aquilo que leva o aparelho psíquico a trabalhar. Então, até mesmo quando há uma conceituação do tipo ‘isso é gentialidade’, ‘isso é pré-genitalidade’, as fixações, analidade, oralidade, a dimensão econômica está presente, está presente não só como um nome, mas como um entendimento de que há ali uma força atuando, ou seja, a pessoa que estaria tendo um impulso por algo anal, tendo uma característica anal ou oral ela assim faria não é só porque ela tem um funcionamento que gira como peão cego, mas porque há uma força derivando, apontando pra isso. A definição de libido pro Freud é, me repetindo, alguma coisa que está ali na interface do somático com o psíquico. O Freud valoriza, e os freudianos, valoriza a dimensão tópica e o objetivo do trabalho passa a ser tornar consciente o inconsciente, o que estaria recalcado (por sua vez). Num segundo momento, ao invés de fazer isso diretamente trabalha-se as resistências. O Reich psicanalista ainda, ele se coloca a seguinte questão partindo dos pressupostos freudianos (…) qual deve ser o objetivo da análise – tornar consciente o inconsciente ou mudar a estrutura libidinal? O que que seria mudar a estrutura libidinal: eliminar as fixações pré-genitais (…) e ele chega à conclusão de que é a segunda – por que? Porque a primeira não leva automaticamente, num se traduz automaticamente em produção de alteração na dimensão libidinal. Como é que se sabe disso? No tal seminário de Viena, mobilizado pelo próprio Reich, aonde os analistas levam os seus casos de fracasso (…) então o Reich chega à conclusão de que ele tem que prestar atenção no todo, do caráter – o caráter contém a questão consciente-inconsciente, por isso tópica, mas é mais abrangente; ele deixa de lado uma abordagem focal, vamos colocar assim, e adota uma perspectiva global ou sistêmica”.

Fala que a partir desse abordagem, começa a perceber que a análise do caráter é narcisicamente ofensiva aos pacientes, pois os mobiliza muito afetivamente; também percebe que, de um lado, quando aborda o caráter há insights sobre a história da constituição do traço de caráter, e também que começam a surgir reações neurovegetativas e movimentações musculares involuntárias. Esse não era um fenômeno inédito na experiência clínica, mas sempre foi entendido como acting out, como um mecanismo de defesa em que ao invés do sistema ter um insight ou uma elaboração (no plano psíquico) isso seria jogado para o corpo e expresso de forma motora – a descarga motora seria apenas uma defesa, fruto da incapacidade de elaborar. Reich se detém nesses fenômenos, deixa as movimentações involuntárias se desenvolverem nos pacientes, e com isso observa em alguns pacientes o surgimento de uma experiência de angústia extrema e em pacientes “menos encouraçados” isso tomava o corpo todo ganhando a característica ondulatória do movimento orgástico. Para Reich, isso é a prova de que a teoria freudiana da etiologia sexual das neuroses está correta, pois aquilo seria uma expressão sexual; na medida que o caráter é trabalhado, se desprendem quantidades de energia vinculadas aos traços pré-genitais e se dirigem na direção da genitalidade.

A partir de uma pergunta, falou da questão da filiação de Reich ao materialismo-histórico; disse “o Reich estava extremamente envolvido com o pensamento marxista, mas mais do que estar envolvido com o pensamento marxista no sentido sócio-político, ele estava envolvido com a lógica do pensamento marxista, que a teorização que Engels faz da teoria do Hegel. O Hegel na filosofia de um pensamento ocidental, que formula a ideia, né, da dialética; e ele formula isso, o Hegel… deixa, eu vou rapidinho, depois eu volto, depois eu volto, ó… então o Reich adota, inicialmente, ele adota o pensamento do Engels, materialismo-histórico, posteriormente ele abandona o materialismo-histórico, a dialética do materialismo-histórico, e no meu entender, ele não disse em lugar nenhum, no meu entender ele retorna a Hegel quando ele adota o energeticismo, aí ele volta ao pensamento hegeliano, porque ele se dá conta de que as teorizações que existiam a respeito da definição do que é matéria, matéria como um constituinte básico do universo, não são suficientes nessas conceituações para dar conta dos fenômenos, então ele adota como elemento principal na visão reichiana, a substância, vamos colocar assim, mais básica do universo, que constitui o universo, não é a matéria, matéria é um derivado, desse energeticismo. Ele não é o único a fazer isso, mas ele é o único a fazer isso no campo da Psicologia, da Psicanálise. Tem uma coisa, o Hegel, e mesmo o pensamento do Engels, que é muito importante na clínica, e que joga na lata do lixo, uma quantidade gigantesca que nós temos na filosofia da mente, mesmo na Psicanálise, a respeito da nossa possibilidade de conhecer o outro; porque um pressuposto na filosofia da mente, se fala do outro como possuindo uma experiência de primeira pessoa, que é mais ou menos a mesma coisa que dizer que só o outro pode saber dele mesmo, nós não podemos. Na própria Psicanálise você depende da comunicação, né, verbal ou não-verbal do paciente para você saber dele. Muito bem. O Hegel coloca uma coisa diferente a esse respeito que é importante pra gente, por isso que eu disse que o Reich adotou o pensamento hegeliano no trabalho; o Hegel surge pra criticar o pensamento kantiano, principalmente na formulação de que nós só temos acesso às aparências do fenômeno, ou seja, nós não temos acesso à coisa em si – que é uma coisa universalmente adota, esse suposto. (…) O Hegel vai colocar diferente, ele vai colocar que esse é um a priori absolutamente arbitrário, que o outro ele existe na sua relação complementar a mim e vice-versa, então o outro não seria inacessível a minha pessoa, a minha pessoa pode acessar o outro justamente a partir da nossa identidade dialógica antitética complementar. Isso quer dizer que no trabalho clínico (…) nós podemos ter acesso ao paciente a partir de nós mesmos, aquilo que o Reich, repetindo, vai chamar de ‘sensação de órgão’, por similitude ou identidade do que se passa com o outro – isso é uma transformação absolutamente radical”.

Afirmando que iria fazer outra simplificação para explicar uma ideia, o Nicolau disse que “inicialmente, pro Freud, angústia é libido convertida (…) a libido fica lá estagnada, no processo de estase, e ela se transformaria num outro treco chamado ansiedade. Isso não está de todo errado, o próprio Reich vai colocar; mas o Reich percebe uma outra coisa – ele percebe a relação que existe entre a experiência de prazer e experiência de ansiedade e um funcionamento do sistema nervoso autônomo, simpático e parassimpático, onde numa experiência de prazer predomina uma estimulação parassimpática e na experiência de aflição predomina a estimulação do ramo do sistema nervoso autônomo simpático. E qual é conceituação que o Reich faz disso? A conceituação é: na experiência do prazer existe um movimento do centro em direção à periferia, e na experiência de ansiedade existe um movimento da periferia em direção ao centro (…) isso é tão interessante porque até a localização das ramificações do sistema nervoso simpático e parassimpático no corpo se adéquam a essa forma. As raízes do sistema nervoso parassimpático, estão na base do crânio e na região caudal, são os dois extremos, na base do crânio e na região caudal, as raízes do sistema nervoso parassimpático, periferia; as raízes do sistema nervoso autônomo estão no centro. Então até a materialização do sistema nervoso, na forma da sua existência, reproduz essa fórmula ou esse entendimento”. Esse ponto sobre o sistema nervoso autônomo é um que por vezes eu gostaria de estudar mais, pois o pouco que já li entra em conflito com algumas coisas que são ditas na formação; por exemplo, a ideia geral que se apresenta é que nessa fórmula “contração-expansão” que o Reich apresenta o prazer está ligado com a expansão e o desprazer está ligado à contração – é como o Nicolau falou, prazer é centro periferia, angústia é periferia → centro. Mas embora dos sistemas simpático e parassimpático realmente se diga que um é mais ligado às reações de “luta ou fuga” e outro mais ao “descanso e digestão”, respectivamente, eles não trabalham com essa regra de expansão e contração. Por exemplo, em relação á beixga urinária, o sistema parassimpático é responsável pelo relaxamento do esfíncter e o simpático pela contração dele; mas em relação aos pulmões, a lógica se inverte, sendo o parassimpático responsável pela contração dos bronquíolos e o simpática pela sua dilatação. Isso tem que ver com a ideia da função de cada sistema (em uma situação de luta ou fuga, certamente é benéfico que você retenha a vontade de urinar e aumente a capacidade pulmonar, enquanto que em uma situação de relaxamento o contrário é que faz mais sentido), mas não condiz com a fórmula contração-angústia/expansão-prazer.

Seguindo a aula o Nicolau trouxe uma citação do Merleau-Ponty, dizendo o seguinte “sublinhei aqui um texto do Merleau-Ponty, filosofia da percepção, que ele… não sei se ele leu o Reich mas se ele não leu ele entendeu direitinho. É o Merleau-Ponty falando sobre psicanálise, o que é a psicanálise, qual é a contribuição da psicanálise – o Merleau-Ponty entendeu a psicanálise melhor que o próprio Freud, em um certo sentido. Ele diz assim: ‘as investigações psicanalíticas resultam de fato não em explicar o homem pela infra-estrutura sexual, mas em reencontrar na sexualidade as relações e as atitudes que anteriormente passavam por relações e atitudes de consciência, e a significação da psicanálise não é tanto a de tornar biológica a psicologia quanto a de descobrir um movimento dialético em funções que se acreditavam puramente corporais’ – mais reichiano que isso impossível”. O nome do livro é Fenomenologia da Percepção, e esse trecho está no capítulo “O corpo como ser sexuado”. Insistiu com isso no ponto que “o Reich utilizava a análise do caráter, muito pouco, mesmo no período da orgonoterapia, só que os reichianos não utilizam mais. Ó, quando eu digo ‘análise do caráter’ e quando eu digo ‘os reichianos não utilizam mais’, generalizando, não é só no Brasil, é no mundo inteiro. É no entendimento que análise do caráter não é esclarecimento, análise do caráter não é apontar pro paciente ‘você tem um traço obssessivo’, ‘você tem um traço oral’, ‘isso aí que você faz, isso que você é levado a querer e a sentir é porque você tem uma oralidade…’ não, isso é esclarecimento, isso não muda nada. A análise do caráter é trabalhar com o paciente onde ele experiencia coisas a partir da sua intervenção e principalmente a partir da relação com você. Isso quer dizer que é muito diferente você apontar o traço de caráter, como resistente, e você a partir de um entendimento de que você tem, no concreto, na materialidade da relação, como o paciente está agindo com você, se relacionando com você, de uma forma obssessiva-compulsiva, poder trabalhar isso com os afetos e com a experiência própria do acontecimento; é nesse sentido. Isso o Reich fazia, análise do caráter – basta vocês lerem os estudos de caso que ele faz, para vocês verem como as narrativas são cheias de expressões de relato das experiências transferenciais dos pacientes – ou seja, não era mero esclarecimento”.

Depois desse ponto repetiu o que já havia trazido em outras aulas sobre a postulação de Reich sobre os bions, bacilos T, a relação disso com a câncer, considerações conspiratórias sobre a história da ciência, metabolismo celular, a importância disso para o trabalho clínico. Quando ele levanta a questão da abiogênese, por exemplo, eu penso que esse seria um assunto que renderia todo um curso; porque acho muito complicado, leviano até, apenas jogar ideias como “Pasteur estava errado, ele mesmo defende a abiogênese no final da sua vida, sua defesa da biogênese só vingou porque era uma visão interessante para a Igreja Católica”. Para exemplificar isso de maneira mais sólida, acredito que pensando em um curso de seis aulas como são os da formação, poderia ser feito o seguinte esquema:

  1. Primeira aula: Sobre a origem da vida. Histórico dos estudos hegemônicos dentro desse assunto; apresentação e discussão dos protocolos utilizados e da sua história; conceituações sobre a vida.

  2. Segunda aula: Epistemologia. O que é o conhecimento; diferença entre opinião e fato, hipótese e teoria; metodologia de pesquisa; critério de demarcação; testes de hipótese; Thomas Kuhn, Karl Popper, Paul Feyerabend; divulgação e educação científica.

  3. Terceira aula: Reich e a abiogênese. A função do orgasmo. libido, bioeletricidade, orgone; bions, bacilo T; o experimento de oranur; a biopatia do câncer.

  4. Quarta aula: Os protocolos de Reich. Apresentação e escrutínio dos protocolos sobre a questão dos bions e abiogênese; o que se fez depois de Reich.

  5. Quinta aula: Estudos de caso. O que temos hoje em relação a essa questão dentro do campo reichiano; tecnologias produzidas a partir do conceito de abiogênese, bions e seus derivados; o campo reichiano e sua relação com a pesquisa e a academia.

  6. Sexta aula: Questões. Levantamentos, dúvidas, expansões.

Essa proposta construída sem muito rigor, apenas pegando ideias gerais e pensando alguma divisão que faça sentido; por exemplo, cheguei a pensar que a primeira e segunda aulas deveria trocar de lugar, mas pensei um pouco e me pareceu que não, da forma que está faz mais sentido, pois introduz as pessoas no assunto através da história da temática e depois possibilita a reflexão sobre como se produz aquelas coisas. De forma geral, a ideia seria duas aulas sobre o que se tem na “ciência hegemônica” sobre o assunto, duas aulas sobre as ideias de Reich nesse campo, e duas aulas mais dialógicas, onde as pessoas fossem não só convidadas, mas estimuladas a produzir em cima do tema. Não tenho a mínima dúvida de que essa é uma proposta insuficiente, mas se algo desse tipo não dá conta, muito menos o pode dar frases e ideias ditas dentro de uma aula. Por essa falta de discussão aprofundada no curso que as aulas me parecem sempre um compilado de “você tem que acreditar pra fazer sentido”.

Continuando sobre a aula, em um momento o Nicolau trouxe o seguinte: “algumas definições, algumas conceituações a respeito do pensamento funcional, ou do método funcional de investigação, às vezes o Reich alternava entre uma forma e outra, alguns elementos conceituais que compõe esse cenário. Número um: a energia tem status mais fundamental que a matéria. Ou seja, que o exame das propriedades da matéria, por si só, não revelaria propriedades que tornariam possíveis examinar certo grupo de fenômenos (…) por isso que o Reich ele abandona o materialismo dialético-histórico, o próprio nome diz ‘materialismo’, para adotar o viés energeticista. Então, o energeticismo como costura – não estou falando das coisas esotéricas, acupuntura e assim por diante, mas do pensamento ocidental – ele tem vida recente, 60 – 70 anos, a partir da termodinâmica. Nisso o Reich é anterior também. Uma outra coisa que eu vou tentar enxugar pra vocês o mais possível, ó: a função tem uma característica simultaneamente complementar e antitética. Então, tem um bate-cabeça gigantesco a respeito do termo ‘função’ e do termo ‘funcionalismo’ – o que que o Reich quer dizer com isso? A princípio o Reich não é claro, só quando ele diz que a energia tem um status mais fundamental que a matéria que o que ele chama de ‘função’ fica mais claro. O que ele chama de função é tudo o que tem (e eu vou usar essa expressão entre aspas) vida própria na natureza, tem autonomia; basicamente os fenômenos energéticos da orgonomia, ou na orgonomia. E a partir do que (e isso é fundamental o que eu vou colocar)? Depois dos bions, os bions o Reich define como vesículas de energia biológica; mas ele encontra posteriormente, já na fase do acumulador e assim por diante, expressões energéticas livres de massa, ou seja, que não se manifestam diretamente como funcionamento material. Essas funções energéticas ele encontra primeiramente os fenômenos luminosos no acumulador e depois na atmosfera. Então, esses fenômenos luminosos eles tem uma característica específica; eles 1) se deslocam no espaço, ou seja eles se movem2) eles tem uma forma própria, essa forma [inaudível] ele se desloca no espaço, faz uma curva, dobra sobre si mesma e caminha, dobra sobre si mesma e caminha. Há duas formulações essenciais que surgem disso. Como o Reich acredita que o orgone ivre de massa manifesta o elemento mais essencial da composição da realidade, mas principalmente, mais essencial dos fenômenos vivos, ele vai postular que deste momento em que a energia sozinha por conta própria (ela não caminha em linha reta simplesmente, ela dobra sobre si mesma, caminha) tem uma forma ovóide, que não é um ovo, uma forma ovóide perfeita, mas ela dá origem a tudo que é embrionário no que é vivo – a forma do feto, a forma da semente do feijão e assim por diante. Então ele vai postular também que no momento que a energia se dobra sobre si mesmo é o momento em que há uma espécie de desaceleração da energia e é nesse momento que matéria é criada, ou surge. Então, ele diz que as galáxias espirais [faz gestos] por isso que ele escreveu o livro ‘Superposição Cósmica’, né, ele diz que do encontro de duas correntes de energia ela se imantam, não é bem imantar, elas se estimulam e elas se curvam sobre elas mesmas e aqui estaria tendo origem matéria. Ora na cosmologia moderna o centro das galáxias você tem buracos negros e não matéria, e aí tem uma longa discussão a respeito disso, mas na teoria reichiana é isso que acontece. Mas uma coisa mais importante, mais importante, a definição de energia na física é indireta, quer dizer, você constata a ação da energia, você afirma que há manifestação energética. E você constata como? Porque a energia em ação produz trabalho. E produzir trabalho essencialmente, no seu limiar mais primeiro, é deslocar massa no espaço. Na concepção clássica a gente tem massa, de um lado, e tem algo que empurra a massa; a própria ideia de energia advinda da experiência humana de empurrar alguma coisa e ela se mover, a experiência cotidiana, primitiva. O que o Reich coloca é algo totalmente diferente, o que ele coloca é: a energia é automovente, não tem nada que move, não tem nada que empurra a energia, ela se move. Isso é completamente diferente de toda a concepção da Física e na Física que a gente tem a respeito de energia, da postulação de energia. Vou passar rapidamente sobre isso; quando o Reich constrói o motor de orgone, ele não revelou exatamente como ele faz para ligar, tem uma… ele chama de ‘fómula Y’ seria algo que ele faria para colocar o movimento, o motor em ação. Uma vez o motor em ação ele não precisaria de fonte de energia, ou melhor dizendo, ele usaria a própria energia da atmosfera ou do cosmo para se alimentar, seria motocontínuo. Agora esse motocontínuo que o Reich descreveu é muito interessante, que o motor girando ele estaria livre da condição de inércia – o que eu quero dizer: ele para de imediato e se move de imediato, sem tranco. Ou seja, haveria na movimentação da energia orgone um processo intrínseco antigravitacional, que o Reich postulou que seria esse o princípio utilizado pelos discos voadores para fazer os movimentos que muitas vezes são observados fora da condição da inércia”.

Acredito que há pouca necessidade de se comentar o trecho que transcrevi acima; a teoria reichiana, como eu já disse várias vezes nos relatos, não altera apenas um ou outro ponto da nossa compreensão atua da realidade, ela afirma coisas sobre as quais não traz subsídios e que são impossíveis de acordo com o que conhecemos até então. Vale sempre lembrar a natureza fragmentária, incompleta e errante do conhecimento que temos até então; ou seja, de forma alguma eu penso que já sabemos tudo sobre o que quer que seja. Se um fenômeno novo se apresenta que não conseguimos explicar com as teorias que temos até então, não se trata de torcer o fenômeno observado até que ele caiba em nossos esquemas conceituais, mas sim de trabalhar as nossas teorias, dispensando aquilo que se mostrou inadequado e tentando conciliar aquilo que temos de teoria até então com a nova observação. Então é possível que existam discos voadores? Certamente, essa me parece uma possibilidade. Mas não temos nada de substancial até hoje nesse sentido, apenas relatos no mínimo confusos, imagens desfocadas, muita conspiração e “a verdade está lá fora”; novamente, nada disso significa que a ideia está errada – mas significa, isso sim, que é muito difícil que possamos levá-la a sério. Coisas que hoje temos como óbvias e evidentes já foram difíceis de serem levadas a sério, sei disso, então é importante entendermos que todo conhecimento é produzido dentro de um contexto e que a sua recepção sempre dependerá deste. Mas o que as pessoas que defendem ideias fantásticas ou muito improváveis parecem esquecer, ou fazem questão de ignorar, é que quem produz essas ideias e teorias também está nesse contexto e não pode ser considerada como uma pessoa fora dele – então como poderia ela ter acesso a coisas que mais ninguém tem? Como é possível que OVNIs só sejam descritos em relatórios de missões confidenciais ou apareçam em vídeos borrados, ainda mais em uma época com onipresença das câmeras de alta qualidade – um celular hoje filme com muito mais qualidade do que câmeras profissionais de 50 anos atrás. Nesse sentido, até arrisco uma previsão: com o crescimento e desenvolvimento das tecnologias de edição de vídeo e manipulação de imagem, pode ser que vejamos um ressurgimento dos vídeos de OVNIs, criaturas fantásticas e outros mistérios, algo que ao menos na minha experiência era mais comum de ver quando a qualidade das câmeras parecia justificar as imagens que nada ajudavam a concluir. E em um tema tão controverso e do qual não temos nenhuma prova que a teoria se sustenta, ao menos um pouco – complicado.

Em um momento ele pediu para a turma dizer qual seria o segmento corporal implicado no caso de um trabalho com a ideia de contato; como o tempo todo na formação é apresentada essa ideia de contato relacionada ao segmento ocular, foi isso que as pessoas trouxeram, falando sobre “entrar em relação”, “estar em plenitude”, “sustentar a tensão energética” e coisas parecidas. O Nicolau então falou que essa ideia de contato como um “alcançar o outro”, mas que disso fica de fora “aquilo que é idêntico, que é identitário, que é comum ao eu e ao outro. Na análise reichiana, de fato, contato não tem nada a ver com o outro – ou melhor dizendo, com alcançar o outro – tem muito pouco a ver com segmento ocular, paradoxalmente, porque a gente associa contato com ver. Contato pro Reich é mais perto da plenitude; mas se eu fosse usar um gestual pra descrever a diferença.. vaŕias descrições apontaram… vou usar um gestual… pra contato com algo, pra lá ou entre eu e alguém, alguém e entre eu. Na concepção reichiana, contato essencialmente é eu e eu mesmo”. Não tenho nenhum estudo profundo sobre isso, mas me parece fazer sentido; o capítulo que Reich vai trabalhar com essa ideia de contato no livro Análise do Caráter chama-se “Contato e Correntes Vegetativas”, ele então está falando de contato como algo que nos permite perceber as nossas correntes vegetativas, do quanto somos capazes de viver e sentir.