11 de maio de 2019 – primeira aula de Vegetoterapia I

Nesse curso iremos estudar conceitos que trabalham com a parte corporal da teoria reichiana, mas o enfoque das aulas será prático, fazendo trabalhos e embasando-os com a teoria. A bibliografia do curso será: os três últimos capítulos do livro “A Função do Orgasmo” de Reich (A Irrupção no Campo Biológico; O Reflexo do Orgasmo e a Técnica da Vegetoterapia da Análise do Caráter; Da Psicanálise à Biogênese) e um artigo do próprio professor chamado “Massagem Reichiana”, disponível no site do IFP.

O professor iniciou o conteúdo definindo neurose: “o conflito entre a pulsão e a nossa repressão. Para Freud, esse conflito era apenas psíquico, mas para Reich ele vai ter um ancoramento fisiológico. Disso surge a ideia de couraça biofísica: o somático tem uma influência no psíquico, mas o psíquico também tem uma influência no somático – ambos estão funcionalmente entrelaçados, quando algo acontece em um campo existe um reflexo no outro”. Ainda segundo o professor, há um entendimento equivocado desse fenômeno por algumas interpretações da psicossomática; a ideia de que, por exemplo, uma gripe foi causada por uma tristeza, é um exemplo dessa relação equivocada, como uma causa e efeito direta. Segundo ele, na concepção reichiana o que faria sentido seria um funcionamento: um organismo deprimido ou triste se encolhe e, com isso, tem um funcionamento mais lento do pulsar, fazendo decair também as defesas do organismo, deixando-o mais suscetível a vírus e bactérias, o que pode propiciar uma gripe. “Não existe emoção sem base fisiológica, mas não se pode reduzir a emoção ao fisiológico”; um exemplo que o professor dá é a ereção masculina, que embora esteja vinculada diretamente à excitação sexual, pode ocorrer completamente desvinculada dessa excitação como, por exemplo, no caso da ereção matinal que ocorre por conta da contenção da urina; outro exemplo é a dilatação da pupila, que ocorre em situações de medo mas pode ocorrer apenas por pouca iluminação. Acho interessante ver que existe esse tipo de preocupação entre os reichianos; no entanto, me parece que isso faz pouco eco no dia-a-dia, no fazer da clínica ou, mais especificamente no que posso observar, no processo da formação – o que é especialmente danoso, pois vai passando essas ideias adiante. É como o reichiano que entende o machismo por trás da categorização do caráter histérico como exclusivamente feminino, que fala claramente que hoje existe uma produção facilmente observável de caracteres histéricos em homens, mas mesmo assim sempre usa exemplos de caráter histérico no feminino, enquanto em todos os outros o “plural no masculino” prevalece.

Segundo o professor, a “pedra angular” do trabalho reichiano é a compreensão da inseparabilidade entre corpo e mente; nessa esteira, trouxe a ideia de que “uma certa quantidade determina uma qualidade” e reforçou isso, indicando, talvez, que seja um conceito muito importante também. Deu como exemplo uma panela de pressão, que ao ir acumulando pressão (quantidade) chega a um determinado ponto aonde começa a apitar (qualidade); penso que o exemplo da água e calor é mais simples de entender: temos gelo, e ao aumentar o calor (quantidade) mudamos para água (qualidade), continuando o processo de aumento de calor temos a mudança para vapor. Ou seja, são dois conceitos que, para mim, fazem muito sentido; sinto que ainda há muita reatividade entre os professores do IFP com a neurociência, como se quem quisesse estudar o cérebro estivesse automaticamente buscando ou sugerindo uma separação entre corpo e mente – e a analogia do “efeito mola” cabe muito bem aqui. Digo isso pois essa inseparabilidade não pode ser absoluta e a importância central do cérebro no funcionamento psíquico não pode ser negada; Ken Robinson faz uma piada na sua famosa palestra no TED que ilustra bem um posicionamento aparentemente mais adequado (o tanto quanto se pode perceber em uma palestra): ele brinca que parece que professores universitários encaram seus corpos como apenas uma forma de levar a cabeça às palestras; mas, na mesma fala, Robinson faz referências a estudos de neurociência quando diz coisas como “progressivamente vamos educando nossas crianças focando em suas cabeças, e levemente para um lado” (a coisa das áreas do cérebro e sua relação com múltiplas inteligências).

Como parte da resposta de uma pergunta que foi feita, o professor disse que quando falamos em “bloqueio de energia” o que está sendo bloqueado é o pulsar; lembrando das aulas de outro professor (agora não sei ao certo se foi em uma disciplina, Clínica Reichiana, que fiz algumas aulas de ouvinte com ele em uma universidade ou se também na Oficina do Corpo IV), a energia circula pelo corpo, descendo pela parte posterior e subindo pela parte anterior, e faz dois movimentos, o de pulsação e o de corrente. Ainda dentro do diálogo iniciado pela pergunta, o professor fez uma diferenciação entre conversão e somatização: a primeira seria um significado psíquico que se coloca no corpo de maneira muito direta (por exemplo, a paralisia do braço de uma paciente que ocorre como bloqueio ao desejo de segurar o pênis do pai), enquanto a somatização seria um processo indireto dessa relação do psíquico com o corpo (o exemplo anterior do organismo que se enfraquece por conta de um processo depressivo e, com isso, fica vulnerável a doenças ilustra bem o conceito); foi interessante que uma pessoa trouxe a febre como um exemplo (não sei exatamente se de somatização ou de conversão), mas o professor respondeu que “a febre é uma reação mesmo, de aumento de temperatura, de aumento de atividade de todo o organismo pra combater o negócio” – ainda existe esperança de fugirmos do psicologismo.

Talvez nesses relatos isso pareça uma implicância minha, talvez até seja, mas só estando lá na formação pra entender o quanto esse ar psicologizante efetivamente existe, quase tudo que as pessoas falam tem alguém trocando olhares, nos exercícios então as interpretações vão a níveis absurdos, as palavras sempre repetidas e muito particulares; acho que já relatei aqui, por exemplo, como antes de uma pessoa descrever como foi o seu exercício eu já sabia que ela ia falar que sentiu algo ruim “e ao mesmo tempo um prazer” – e não errei, não por eu ser superentendido ou nada do tipo, realmente não sou, mas é que certos padrões são fáceis de notar até pra mim, então alguém que sempre apresenta o mesmo discurso por três vezes seguidas não exige muito para supormos que repetirá uma quarta vez. Acho que os processos de formação, tanto do IFP quanto dos cursos de psicologia em geral (pois a maioria das pessoas lá são formadas ou estão cursando psicologia), deveriam dar mais ênfase na ideia de que “às vezes um cachimbo é só um cachimbo”.

Mais uma vez nos foi apresentada a “fórmula da vida” para Reich: tensao – carga – descarga – relaxamento; essa fórmula é o que gera o pulsar. Segundo o professor, “nós temos isso em todos os organismos de várias formas e em vários ritmos: a gente tem a respiração no pulmão, a circulação no coração, a peristalse nos intestinos, os hormônios, que é uma pulsação mais lenta mas é uma pulsação, os neurônios, a troca na bainha de mielina de carga positiva e negativa para fazer as mensagens é uma pulsação, e o próprio cérebro pulsa, isso é uma coisa muito interessante que o Reich fala (…) a bomba de sódio e potássio, também é uma bomba, é um pulsar, então tudo no nosso organismo é um pulsar, um grande pulsar”. Então uma pessoa fez uma intervenção, dizendo que o mesmo acontece com o mar, a maré, que faz o movimento de expandir e contrair; nisso o professor continuo “Sim, o universo tem esse pulsar. Apesar da gente dizer que o universo está expandindo, mas eu fico pensando: ‘vai se expandir eternamente?’ (…) não, a gente vai se expandir e depois se contrair, mesmo sendo lento, é um pulsar. Uma estrela também, quando ela nasce tem aquela energia queimando o diabo-a-quatro, mas ela vai esfriando e o pulsar dela vai diminuindo (…) a morte é um pulsar da vida, não existe vida sem morte e não existe morte sem vida”. Nesse momento me ocorreu uma questão e fiz a pergunta “se a fórmula da vida é o pulsar, e tudo pulsa, o que separa a vida da não-vida?”, ao que o professor respondeu de pronto “o não pulsar”; mil exemplos povoaram a minha mente naquele momento, todos girando em torno de ideias como “então você está dizendo que uma estrela é viva? Que o mar é vivo? Que o universo é vivo”, mas apenas acenei com a cabeça pois percebi que seria inútil com o tempo e objetivo que tínhamos tentar construir esse tipo de discussão se partimos de paradigmas tão diferentes quanto eu, um cético turrão com toques de cinismo, e ele, um reichiano acupunturista que acredita ser possível materializar uma flor do nada. Mas o fato era que a resposta que ele deu não chegava nem perto de responder a questão, acredito que ele percebeu isso e, então, continuou sua explanação, dizendo que a matéria inorgânica também pulsa, mas é um outro tipo de pulsar – por qualquer processo de lógica simples, então, fica evidente que, se o inorgânico e o orgânico pulsam, a fórmula da vida não pode ser o pulsar. E com isso eu não quero dizer que as afirmações estão certas ou erradas em seus conteúdos, apenas que há na formulação, encadeamento e concatenação dessas informações um erro. Pode realmente ser que tudo pulse, que tudo orgânico pulse de um jeito, tudo inorgânico pulse de outro e que Reich tenha descoberto isso e registrado tudo. Mas acho que é fundamental, especialmente se estamos buscando apresentar um suposto conhecimento que rompe com muito do consensual em nossa sociedade, organizarmos bem as nossas informações. A minha pergunta, por exemplo, não foi unicamente motivada por um cinismo ou algo do tipo, teve um quê de dúvida sincera mesmo – não preciso concordar com uma premissa para acompanhá-la logicamente.

Depois o professor falou dos dois movimentos do pulsar, a expansão e a contração, e disse que intrínseco a esses dois movimentos há um terceiro, que Reich clinicamente dizia que era o ódio, enquanto ele, professor, prefere chamar de agressividade, e que corresponderia ao próprio movimento, à motilidade. No desdobramento dessas informações surgiram algumas falas sobre as redes sociais e a instantaneidade das relações na contemporaneidade, iniciadas por uma intervenção de alguém que disse algo como “fico pensando, quando você traz isso, em como que hoje em dia a instantaneidade das redes sociais, dos whatapps, meio que dificulta as pessoas a digerirem essas emoções, porque é muito comum pessoas brigarem, pessoas terminarem relacionamentos e se excluírem ali, não preciso lidar com isso”; o professor interrompeu essa fala perguntando “posso ser chato?”, e fez uma comparação de como lhe enviaram uma foto de todas as pessoas no metrô olhando para seus celulares, mas que há anos a cena se repetia com jornais de papel, e terminou dizendo “o problema não é a tecnologia, é como você se relaciona com a tecnologia”, e surgiram algumas falas concordando com ele e dando exemplos que reforçariam essa ideia. Eu acho essa visão não somente ingênua, mas de uma ingenuidade perigosa; certamente que a tecnologia é uma ferramenta e seu uso depende de como nos relacionamos com ela, mas acreditar que elas são neutras, de que não há um direcionamento no seu uso, principalmente nos dias atuais com a expansão da capacidade de captação de dados, armazenamento e de processamento – ou seja, celulares e outros dispositivos coletam uma enormidade de dados de seus usuários (localização geográfica, velocidade de deslocamento, horários, com quem se relaciona e como se relaciona, dados médicos, imagens etc.), armazenam tudo (pois o armazenamento é barato ao ponto de valer a pena armazenar coisas que nem se sabe se poderão ser utilizadas) e conseguem cruzar dados para obter informações que num passado próximo seriam impossíveis (o famoso caso, já ultrapassado, da rede de supermercados que descobriu que uma cliente estava grávida pelo seu padrão de compras é um ótimo exemplo disso [https://www.researchgate.net/publication/263564125_How_Target_Figured_Out_a_Teen_Girl_Was_Pregnant_before_Her_Father_Did] – e já estamos muitos passos à frente da tecnologia empregada para isso). Fora que as novas tecnologias tem a característica de atualização e modificação instantânea, ninguém mais é dona de nada; por mais manipulador que fosse um jornal, ele ainda era impresso e assim permanecia; hoje, o conteúdo se molda ao perfil dos usuários, criando bolhas de interesses e informações que não conseguimos furar.

Na parte prática da aula, fizemos apenas um exercício de respiração em duplas, uma pessoa deitava e respirava enquanto a outra ficava observando essa respiração; depois de um tempo, o professor indicava para que quem estivesse respirando fizesse a exalação com a boca aberta; fizemos a troca de funções nas duplas e depois fizemos uma roda de impressões. Como eram 18 pessoas, 9 duplas, não houve tempo para que todas as duplas se expressassem, além do hábito que pessoas que fazem esse tipo de trabalho falarem um tanto quanto demais. Fora mais exemplos de como as pessoas que procuram essa formação tem o forte hábito de procurar encaixar as pessoas nas caixinhas de “qual o caráter dessa pessoa”, uma coisa muito interessante nesse exercício foi que, mais uma vez, pude observar a coisa da expiração prolongada com vocalização. Dessa vez, no entanto, foi interessante pois não houve uma indicação do professor para fazermos a respiração em 4 etapas, então não houve o pedido explícito de que a expiração fosse mais rápida que a inspiração; apesar disso, na roda de impressões houve uma pessoa que falou sobre essa vocalização, de que ela mesma acabou fazendo uma vocalização “por osmose”, o fato de estar no ambiente com outras pessoas fazendo lhe levou a fazer o mesmo.