10 de Novembro de 2018 – Primeira aula de Introdução ao Pensamento Reichiano

A primeira aula que fiz no IFP foi do curso Introdução ao Pensamento Reichiano, o que me pareceu bem adequado; essa não é necessariamente a trajetória de todas as pessoas que entram na formação, pois podemos pensá-la como um conjunto circular de 5 módulos, cada um de seis meses e contendo dois cursos, o que pode fazer com que esse curso esteja no final da formação de alguém, possibilitando inclusive que nele aconteça a “última primeira aula” de alguém na formação do IFP, caso o curso seja oferecido no horário da tarde. Não me parece que existe um grande problema em ser dessa forma, mas fico feliz de ter iniciado dessa forma mais “na ordem”.

A ideia do curso é trazer uma noção geral da obra de Wilhelm Reich, entendendo que essa obra é multifacetada, abordando vários campos de interesse. Na parte do trabalho clínico, apresentar a técnica da análise do caráter, a vegetoterapia e a orgonomia clínica; no nível social, falar da relação entre a sociedade e a criação das couraças, a prevenção das neuroses, análise do fascismo e a passagem da leitura marxista da sociedade para a democracia do trabalho; no nível energético, apresentar a noção de bioenergia presente nos processos clínicos até a postulação da energia orgônica cósmica e as práticas que disso decorrem: as tecnologias orgônicas (dispositivos acumuladores e cloudbuster), a relação com as biopatias e o clima. O objetivo é relacionar os vários momentos do pensamento de Reich com a conjuntura social e dados biográficos.

Na primeira aula foi trabalhada uma biografia geral de Reich contextualizada com a sua época; como material de estudo, o professor nos passou três textos de sua autoria: um chamado “Introdução ao Pensamento Reichiano parte 1” onde ele vai trazer um resumo da biografia de Reich, focando na sua construção teórica da análise do caráter; outro, uma grande tabela, com um apanhado geral de fatos importantes anteriores e contemporâneos a Reich, como guerras, descobertas científicas e publicações; e um outro, chamado “Nos Tempos de Reich”, que vai fazer um aprofundamento do cenário da revolução industrial, unificação alemã e primeira guerra mundial, mostrando o impacto desses eventos na sociedade e, consequentemente, no pensamento reichiano.

O professor apontou que o melhor livro biográfico sobre Reich é o “Nos Caminhos de Reich”, do autor David Boadella. A aula foi acompanhando mais ou menos o texto “Introdução ao Pensamento Reichiano” que ele nos enviou, com algum nível de detalhamento maior em pontos específicos. Algumas coisas foram fundamentais para o meu entendimento, sendo com certeza a principal delas saber que a análise do caráter não é uma coisa outra em relação à psicanálise, mas antes uma correção de pontos que Reich discordava e/ou encontrou problemas nessa técnica, a partir da sua experiência clínica e estudos teóricos. Eu tinha forte essa impressão pois em uma conversa com um terapeuta que afirmava ser reichiano ele deixou bem claro que não trabalhava com psicanálise, mas com análise do caráter – se não me engano ele afirmou algo como “não sou psicanalista, sou analista do caráter”. Obviamente essa fala dessa pessoa não me permite automaticamente entender o que entendi, mas teve também todo um tom de rejeição da ideia de ser psicanalista e, obviamente, os meus problemas com os essencialismos freudianos. Nesse sentido, o professor deixou anotado no quadro que as divergências de Reich com Freud são três: interpretação na ordem da estratificação; prevenção; pulsão de morte (masoquismo primário).

Pelo que entendi, a primeira tem relação com o postulado de Freud de que as coisas deveriam ser analisadas na ordem que a pessoa trazia, enquanto para Reich haveria uma ordem específica nessa interpretação, basicamente devendo o analista primeiro buscar dissolver as resistências. A questão da prevenção toca nas divergências políticas entre Freud e Reich, pois este afirmava que era seu objetivo atacar as neuroses do ponto de vista da prevenção e que, para isso, haveria de se mudar toda a sociedade. E a questão da pulsão de morte é uma grande discordância, teórico e política, entre os dois; ela surge em Freud como uma forma de explicar o masoquismo, mas Reich aponta como esse não é um conceito necessário para isso em seu artigo “O Caráter Masoquista”, que Freud tenta impedir de ser publicado na Revista Internacional Psicanalítica, mas acaba permitindo (pois era editor da revista), colocando na mesma edição o artigo “A Discussão Comunista da Psicanálise”, de Siegfried Bernfeld, um texto demeritório de Reich mas que não toca na discussão sobre o conceito de pulsão de morte.

Um momento muito interessante para mim foi quando estava sendo discutido o momento de início da formação do caráter, que o professor trazia como sendo ainda no útero, então uma outra aluna que é neuropsicóloga trouxe uma questão sobre como esses postulados reichianos se relacionam com as novas descobertas na área da neuropsicologia (ela falou especificamente no conceito de “poda neural”); eu achei essa pergunta extremamente relevante, pois tendo um olhar recortado pela epistemologia, me é muito cara esse tipo de reflexão, que é justamente o que vai impedir que uma área do conhecimento se torne pseudociência – obviamente existem conhecimentos que não são científicos, pois partem de postulados que não são falseáveis (como a noção de aparelho psíquico de Freud), mas uma pseudociência é aquele campo que afirma usar conhecimentos científicos, traveste-se de uma linguagem científica, mas não se realiza através de uma metodologia científica – o caso mais evidente disso são todas as baboseiras que são ditas utilizando o termo “quântico” para justificar coisas absurdas. Pareceu-me que as pessoas não entenderam muito bem a pergunta que ela fez, pois vieram com respostas que não dialogavam com isso, e depois de algumas falas eu levantei a minha mão e tentei resumir o que eu imaginava que era uma dúvida compartilhada com a pessoa que fez a pergunta inicial dizendo “onde estão os reichianos nos laboratórios hoje fazendo essas pesquisas?” – a pessoa que fez a pergunta inicial me olhou com uma satisfação e verbalizou “é isso, exatamente isso”. Certamente tenho que estudar mais sobre epistemologia para ir fazendo essas relações com os conhecimentos que for apreendendo nas aulas do IFP.

Alguns pontos importantes que anotei:

– Durante toda a aula o professor fazia questão de marcar que na análise reichiana o “como” das coisas é fundamental: uma mesma experiência pode ser narrada em tom monótono ou choroso e isso fará toda a diferença no processo analítico;
– Jung pressupunha a dessexualização da libido, e essa é sua grande divergência com Freud
– Para Reich há satisfação do desejo, mesmo que temporária; para os lacanianos sempre há a falta
– A predominância da psicanálise no RJ é lacaniana
– “Quando o emocional e racional se separam, há uma neurose” // “Neurose é uma disfuncionalidade”
– Noção de terapia breve: aonde se foca em um problema específico do indivíduo
– “O caráter começa a se definir na barriga da mãe. O útero contraído ou não, oxigenado mais ou menos etc., influencia. Corpo e mente são uma coisa só, o psicossoma, então a formação do caráter inicia cedo”
– Duas formas de trabalho corporal: seduzindo o organismo para que ele funcione corretamente ou pressionando o organismo para que ele ache uma saída
– Energia psíquica = libido
– “O extremo da impulsividade é a psicopatia, o extremo da contração é a morte”
– Ao trabalhar um paciente psicótico você vai neurotizá-lo
– No livro “A Função do Orgasmo” (Psicopatologia e Sociologia da Vida Sexual) Reich define pela primeira vez, de forma clara, o conceito de potência orgástica
– O Caráter Masoquista (1932). “Existe um transferência negativa latente em todos os clientes que chegam”
– Angústia do Prazer: quando no fim da terapia há um recrudescimento, por conta da recusa à potência recém descoberta

4 thoughts on “10 de Novembro de 2018 – Primeira aula de Introdução ao Pensamento Reichiano

  1. Olá Adriano, muito obrigada por ler e deixar um comentário.

    Você está se referindo à frase “O extremo da impulsividade é a psicopatia, o extremo da contração é a morte”, certo? Posso tentar explicar mais um pouco; mas, devo dizer, depois de mais de um ano de formação e leituras, eu não concordo com ela – vale frisar, ela foi dita por um professor na minha primeira aula no Instituto.
    A primeira coisa que acredito que pode ajudar a entender é que ela é uma frase mal estruturada; talvez fizesse mais sentido no contexto, mas eu não gravei essa aula então não posso afirmar. Ela parece fazer uma oposição entre impulsividade e contração, o que não é exato. Para Reich, tudo que é vivo pulsa, e esse pulsar é resultado de dois movimentos: expansão e contração. Embora os dois movimentos sejam necessários, a expansão está mais ligada aos sentimentos bons e a contração aos sentimentos ruins.
    Dizer que “o extremo da impulsividade é a psicopatia” leva ao entendimento de que a psicopatia se define pela impulsividade, o que não é preciso. No meta estudo “Psicopatia: o construto e sua avaliação” (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-04712009000300006) são apresentadas 4 dimensões da psicopatia, e em somente uma a impulsividade é listada.
    Dizer que o extremo da contração é a morte vem da ideia de que a morte seria o fim do movimento que caracteriza a vida, o pulsar. Se os dois movimentos, expansão e contração, são necessários para a vida, então o extremo dos dois deveria ser não-vida, acredito. Mas, como eu disse, a expansão é relacionada com os sentimentos bons e a contração com os sentimentos ruins; fica um pouco mais palatável, então, pensar que “a morte é resultado do extremo dos sentimentos ruins”, embora ainda não faça completo sentido. Mas, quebrando um galho pra frase, podemos pensar que seria mais fácil caracterizar de psicopata alguém extremamente impulsivo do que alguém extremamente sereno, assim como é mais fácil caracterizar de morte um estado de extrema contração (pense fisicamente mesmo, alguém completamente encolhido e imóvel. Ou então no termo rigor mortis, que descreve o endurecimento que ocorre com cadáveres) do que um estado de extrema expansão (imagine alguém pulando, se agitando, correndo ou fazendo qualquer coisa expansiva).
    Então acho que a ideia por trás da frase é algo como “os extremos são ruins”, pois a teoria reichiana sempre vai falar de equilíbrio nas coisas. Medo demais te paralisa, mas medo nenhum te faz ignorar os perigos. Eu não estou dizendo que a frase quis dizer isso, ela disse o que disse e não tenho como analisar as intenções, só a concretude do discurso, e acho essa frase ruim e com equívocos, como procurei mostrar. Mas acho que a ideia de “extremos são ruins” é que a movimenta, e isso faz sentido.
    Acredita que consegui explicar um pouco melhor?

  2. Eu ate entendi a parte do “O extremo da impulsividade é a psicopatia…”…Mas não consegui captar a segunda parte

  3. Olá,

    Obrigada, mainha, por todo o suporte, apoio e dedicação que me permitiram chegar até aqui. Também estou nessa torcida por esse benefícios das aulas, e já consigo até sentir alguns – o prazer de voltar a estudar é maravilhoso, por exemplo, e é muito diferente de quando lemos algo para nós, ter um objetivo, a discussão em grupo, tudo isso é muito bom. Coisas só possíveis por contar com você nessa jornada – até vem no blog, lê as postagens e ainda deixa comentários, olha que delícia!

    Beijoca,
    =]

  4. Torço para que, cada dia mais, as aulas se tornem produtivas e isso venha a lhe trazer benefícios presentes e futuros e seja realmente o que tanto almejou.
    Sucesso!

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