10 de Novembro de 2018 – primeira aula de Análise do Caráter I

A segunda aula que tive na formação foi do curso Análise do Caráter I; haverão três cursos sobre análise do caráter, objetivando mergulhar profundamente nessa técnica especificamente reichiana através do livro Análise do Caráter, que é justamente dividido pelo autor em três partes (I – A Técnica; II – Teoria da Formação do Caŕater; III – Da Psicanálise à Biofísica Orgônica). Como primeira leitura nos foram pedidos os três prefácios da obra.

No prefácio à primeira edição, escrito em 1933, Reich inicia explicando que os estudos psicanalíticos do livro são frutos dos problemas que detectou na Clínica Psicanalítica de Viena e da sua participação no Seminário de Terapia Psicanalítica dessa mesma clínica, apresenta que o tempo não lhe permitiu a escrita de um livro completo sobre a técnica, então limitou-se “à descrição e à comprovação dos princípios da técnica que derivam na análise do caráter”, segue demonstrando como o trabalho na clínica pode e deve contribuir para a prevenção das neuroses em larga escala, estabelece relações entre a estrutura social e a formação do caráter e termina fazendo uma evocação à necessidade de se construir a psicanálise como campo científico: “a ciência psicanalítica, todavia, não pode exigir ser reconhecida, prática e teoricamente, em escala social, se ela própria não controlar os domínios a ela pertencentes e nos quais pode provar que não quer ficar de fora dos grandes acontecimentos históricos de nosso século”. Bem, se alguém precisa de alguma base em Reich para, frente ao conhecimento novo que é constantemente gerado, buscar falsear as hipóteses de mais de oitenta anos atrás, aqui está. Não é que um conhecimento seja mais ou menos válido por seu tempo de existência, mas sim que as hipóteses devem sempre estar sendo submetidas a testes, tantos quantos forem possíveis, pois só assim podemos fazer verdadeira ciência, sempre buscando minimizar a nossa margem de erro.

No prefácio à segunda edição, escrito em 1944, Reich aponta como nos anos que separam uma edição da outra a análise do caráter se desenvolveu em vegetoterapia – isso é importante para o entendimento do fluxo do pensamento reichiano: a vegetoterapia é um desenvolvimento da análise do caráter ou, antes, a análise do caráter se desenvolve em vegetoterapia. Será que isso significa, então, que para Reich uma não faz sentido sem a outra? Esse fraseamento específico dá esse entender, mas como na formação sempre é salientado que a tradução do material reichiano é problemática, talvez essa seja uma questão para levar na próxima aula. Mas ainda falando do segundo prefácio, Reich também salienta a importância para a análise do caráter das suas pesquisas com bioenergia, além de apontar a existência nessa edição do apêndice “Contato Psíquico e Corrente Vegetativa”, onde vai desenvolver o seu importante conceito de contato.

O prefácio à terceira edição, escrito em 1948, marca bem a virada de Reich em direção à orgonomia e orgonoterapia; embora não sejam teorias e técnicas contraditórias, certamente apontam para prioridades e focos diferentes de atenção, reflexão e trabalho; assim, Reich deixa entender que a importância de uma nova edição inalterada de Análise do Caráter se dá pelo registro histórico da construção de um campo científico: “não se encontra facilmente o caminho para a compreensão da orgonomia e da orgonoterapia médica sem se estar bem-familiarizado com o seu desenvolvimento a partir de estudos sobre patologia emocional humana realizados há vinte ou vinte e cinco anos”; também nessa terceira edição foram acrescentados capítulos: “A Peste Emocional” e “A Linguagem Expressiva da Vida”.

A aula foi centrada na leitura dos prefácios, tendo sido feita uma apresentação geral do curso pelo professor antes. Foi nessa apresentação que ele indicou que nesse curso será trabalhada a parte I do livro Análise do Caráter, e como essa parte é composta exatamente por seis capítulos, será aproximadamente um para cada encontro – aproximadamente pois no primeiro trabalhamos os prefácios e no segundo trabalharemos os capítulos 1 e 2. Trouxe também que a pergunta “o que diferenciaria a análise do caráter de psicanálise?” vai nos acompanhar durante todo o curso; isso se fez muito presente, ao menos para mim, pois em vários momentos foram sendo feitas referências a conceitos psicanalíticos, o que me colocou no mapa a necessidade de estudar um dicionário psicanalítico atrás desses termos para ir me familiarizando, além claro de ter que buscar alguns textos básicos do Freud.

Coisas que eu anotei durante a minha leitura dos prefácios e foram ponto de discussão em aula:

– “mesmo então era possível supor que uma teoria genético-dinâmica do caráter (…) e um exame fundamentado da diferenciação genética dos tipos de caráter”
→ Qual a acepção de “genética” utilizada? Há a afirmação ou postulado de que o caráter teria traços ligados aos genes/genoma?
→ Segundo o professor, genética nesse trecho foi usada no sentido de origem. Fiquei curioso de buscar outras traduções, talvez até o original em alemão (hahaha), para buscar entender melhor isso.

– “tendo em vista a atual falta de interesse em tais assuntos, terá algum sentido publicar material pormenorizado sobre técnicas analíticas individuais, relações entre diversas estruturas psíquicas, dinâmicas de caráter e assuntos semelhantes”
→ Na minha leitura ficou a impressão de que essa frase era uma pergunta, não uma afirmação (principalmente pelo contexto aonde se insere e pelas duas sentenças que seguem). A pessoa que lia o trecho também o fez em tom de pergunta e quando indaguei o professor, que estava com a versão em espanhol nas mãos, ele disse que realmente deveria ser uma pergunta

E coisas que eu anotei durante a aula:

– “Reich inicia como psicanalista e termina sua vida quase exclusivamente fazendo trabalho corporal”
– “Não existe postulado freudiano que possa prescindir de outros postulados em sua definição”
– Dicionário de psicanálise: pulsão, defesa, resistência, desejo, libido
– “O âmago da clínica é aquilo que a pessoa que está em análise experiencia” [várias vezes durante a aula o professor reforçou essa ideia]
– O erro de Freud foi não perceber a existência da transferência negativa latente
– “A pessoa em análise transfere e projeta; ela revive com a pessoa do analista as frustrações libidinais da infância. Retirar a frustração significa um ataque – que pode ser declarado ou latente”
– Escrito no quadro: “As massas não querem a verdade, querem a ilusão e não vivem sem ela” – Freud
– Economia sexual: energético \ quantitativo (tópico, dinâmico, econômico) [preciso dar um jeito de anotar algumas coisas mais explicadamente]
– Função do orgasmo: na etiologia das neuroses de Freud há forte fundamentação na sexualidade – há uma relação entre sensações \ satisfações prazerosas e funcionamento do aparelho psíquico. O desenvolvimento da pessoa passa por certas etapas, até atingir a maturidade. Para Reich, os movimentos “serpenteantes” dos pacientes em trabalho exclusivamente verbal apontavam uma correção da teoria de Freud
– Para Reich é expressão do orgasmo saudável a ligação\conexão com a pessoa companheira, e no momento do clímax há uma convulsão no organismo todo e uma pequena perda da consciência (a experiência orgástica toma o ego). Os franceses chama o orgasmo de “a pequena morte” (la petit mort)
– A análise do caráter nasce do esforço de Reich de analisar “casos que deram errado” no Seminário Psicanalítico de Viena e procurar estabelecer um “quando”, um “onde” e um “como” intervir, em oposição ao método freudiano de interferir na ordem e momento em que as coisas aparecem ou acontecem
– Reich não é o primeiro a falar em caráter; mas é o primeiro a sistematizar e falar da flexibilidade do caráter
– A análise do caráter obriga a pessoa a prestar atenção nela mesma o tempo todo através de você [terapeuta]