17 de abril de 2021 – Terceira aula de Processos Clínicos

Iniciando essa aula, o Marcus Vinícius disse que dividiria a aula em dois momentos: no primeiro, nos concentraríamos no texto indicado para essa aula, o capítulo 10, intitulado “Tipos de Intervenção Verbal”, do livro Teoria e Técnica de Psicoterapias de Hector Juan Fiorini; no segundo, que ele chamou de “intervenções corporais indiretas”, que seria possibilidades de apontar, sinalizar questões corporais no paciente e trazer isso para a análise. A primeira coisa feita pela autor, então, é definir o que são intervenções terapêuticas: “Uma teoria das técnicas de psicoterapia requer uma conceituação de seus instrumentos, que está intimamente ligada a uma concepção do processo terapêutico. As intervenções dos terapeutas são instrumentos essenciais desse processo. Assim sendo, é importante deter-se na discussão teórica dos fundamentos e alcances de cada um destes recursos técnicos. É importante, sobretudo, clarificar o sentido do emprego de cada uma destas intervenções e seu valor como agente de modificação”. Embora o autor liste diferentes formas de intervenção, é importante perceber que muitas delas se aproximam ou se complementam, e por isso não é o caso de entendê-las como coisas estanques.
A primeira intervenção que o autor apresentar é o interrogar, que serve para aprofundar uma questão; tem como efeito importante, também, colocar a terapeuta fora (um pouco) do lugar de suposto saber sobre a outra, demonstrando que existem questões que estão para além do entendimento da terapeuta. É um recurso abundantemente utilizado no início do processo terapêutico, pois embora as perguntas acompanhem toda a relação, é no início desta que a terapeuta menos conhece a paciente, e assim é esperado que muitas perguntas sejam feitas. Por exemplo, a paciente conta uma história, mas omite ou deixa pouco explícito o quando isso aconteceu; a terapeuta, então, intervém perguntando algo como “mas quando exatamente isso aconteceu?”. Detalhes que são relevantes mas que foram deixados de fora, também é importante que a terapeuta pergunte sobre eles. Por vezes coisas que parecem óbvias podem ser aprofundadas e trazer elementos importantes para a análise. Por exemplo, a paciente reclama de “ter estudado pouco” – mas o quanto é pouco para ela? Talvez tenha estudado apenas o primeiro ciclo do ensino fundamental, mas também pode ser de ter feito uma graduação porém advém de uma família onde todas possuem doutorado; assim, é importante que o terapeuta interrogue, pergunte “o que significa ‘estudar pouco’ para você?”; a pergunta, aqui, vem no sentido de precisar as informações. Ou pode ser uma questão emocional também, por exemplo, a paciente pode estar relatando algo e dizer “… e me senti muito triste com isso”, coisa que na vida cotidiana damos por entendido e não vemos necessidade de entrar em detalhes; mas numa relação terapêutica é importante que seja perguntado “o que é tristeza para você?”, “como foi essa tristeza?”, “você poderia descrever esse sentimento com outras palavras?”.
A segunda intervenção é o informar, que o Marcus Vinícius fez questão de logo informar-nos que entende de forma diferente do Fiorini; acabou que ele não precisou explicitamente qual seria essa diferença mas, pelo que entendi, se concentrava numa questão do quando informar – em alguns exemplos que o autor trazia, o Marcus Vinícius apontava que aquela lhe parecia uma oportnidade mais para colocar a questão em análise do que para informar. Segundo o autor, é papel também do terapeuta funcionar como “docente, dentro de uma perspectiva mais profunda e abrangente de certos fatos humanos”; assim, caso a paciente esteja agindo com base em uma informação equivocada, é importante que a terapeuta aponte isso e traga a informação correta para a paciente. Alguém que defende uma posição racista, por exemplo, acreditando na existência de uma superioridade de uma raça; cabe ao terapeuta, então, trazer dados, informação objetiva, que mostre que o conceito de raça não é um dado biológico. Ou uma paciente mulher que traz na sessão uma fala onde diz “eu tenho muita dificuldade de atingir o orgasmo”; é interessante que a terapeuta informe que a paciente não está sozinha nisto e que essa é uma realidade muitas outras mulheres (se tiver algum artigo, alguma fonte confiável de informação, melhor – mas a experiência clínica, se apontar para isso, é um recurso valioso). Ou uma paciente que se apresenta como estando em condição de viciada (em drogas, em trabalho, em telas…), mas a situação apresentada não condiz com a condição de vício; cabe à terapeuta, então, informar à paciente que a sua condição não é uma de vício.
A terceira intervenção é nomeada pelo autor de confirmar ou retificar enunciados do paciente. Embora seja contrário à visão estereotipada que tradicionalmente se tem de uma psicanalista (aquela que, sentada numa cadeira enquanto a paciente esta deitada em um divã apenas diz “fale-me mais sobre isso”), uma intervenção retificadora é fundamental em um momento da análise, por exemplo, onde a paciente está trazendo um discurso confuso, “embaralhado”, e também porque pode ajudar a mostrar que a percepção da paciente possui limites. Aqui me vem à mente a importância que outros estudos possuem dentro da formação (contínua) de uma analista, pois nesse exemplo anterior, para entender os limites da percepção de uma paciente, é fundamental que compreendamos como essa percepção se processa, e quanto mais soubermos sobre esses mecanismos, mais precisas poderão ser as nossas impressões. Um bom exemplo ocorre com a questão da memória, que tradicional e comumente é vista como um “depósito de impressões”, uma espécie de “arquivo de lembranças”, mas que cada vez com menos dúvida é apontada por estudos de neurociência como outra coisa, como uma inteligência associativa, como uma capacidade reconstrutora e não armazenadora; saber disso e até mesmo, em um momento oportuno, informar isso a uma paciente pode ser fundamental em um processo de análise, para a compreensão de que uma lembrança pode não corresponder à verdade dos fatos não por um “desejo de mentir”, uma “preferência por fantasiar” ou qualquer coisa desse tipo, mas pelo próprio funcionamento da memória como tal – para quem se interessa por esse tema da memória, há um trecho do livro A Fábrica de Cretinos Digitais de Michel Desmurget que resume a compreensão atual sobre o funcionamento da memória, trazendo vária referências para quem desejar aprofundar seus estudos nesse campo. Já a confirmação, enquanto intervenção, se torna importante para reafirmar o ego da paciente, especialmente em momento onde essa paciente está passando por um momento em sua vida ou na relação analítica de fragilidade do ego. É importante entender que esses dois momentos constituem uma relação analítica, ou seja, uma análise que esteja única ou majoritariamente constituída de confirmações ou de ratificações provavelmente está padecendo de algum equívoco – obviamente existem momentos, mais ou menos extensos, dentro dessa relação onde uma outra intervenção se fará mais presente. Pode ser inclusive um elemento de análise da contratransferência para a analista trabalhar (em sua supervisão, em sua análise e em seu processo de auto-análise): “estou confirmando quase tudo que essa paciente me traz; será que ela efetivamente está se posicionando de uma forma positiva perante os fatos, ou será que eu estou apenas vendo esses elementos? Ou, ainda, por que estou deixando de perceber momentos onde seu discurso precisaria ser retificado? Se a paciente está conseguindo se posicionar tão positivamente frente as vicissitudes da vida, não seria o momento de conversar sobre alta?”.
O quarto tipo de intervenção apontado por Fiorini é clarificar. Por vezes o discurso da paciente está confuso, “misturado”, então é importante que a analista intervenha para dar destaque a certos elementos, ou então para apontar que existem diferentes elementos de duas ou mais situações sendo apresentados como se fossem de uma só. Uma forma comum dessa intervenção é que a analista faça uma “reformulação sintética do relato [da paciente]”; um exemplo pode ser que a analista, depois de ouvir por vários minutos a fala da paciente, lhe diga: “Então você está dizendo que estava sentindo uma grande angústia que não sabia identificar a origem, até que um acidente mudou muitas coisas na vida, e somente depois de um ano você conseguiu, segundo suas palavras, ‘colocar tudo nos eixos’, sendo que a única diferença perceptível foi a sua mudança de emprego, e que agora a sensação de angústia não lhe ocorre mais”.
A quinta forma de intervenção verbal apontada pelo autor é o recapitular. Fazer um resumo da situação analítica é uma boa forma de fazer com que a paciente perceba que está modificando seu comportamento ao longo do processo – ou então o contrário, pode servir justamente para explicitar que há um padrão que se repete, que pode ser de origem neurótica. Ambas as ações são fundamentais dentro do processo analítico, pois os dois cenários são comuns, a pessoa que se queixa em análise da ineficiência do processo, com frases como “não mudei em nada”, “continuo fazendo as mesmas coisas”, “estou repetindo o mesmo comportamento” etc. Se a analista percebe modificações no comportamento da paciente, fazer uma recapitulação da situação e perguntar algo como “se você diz que não mudou em nada, como interpreta essa situação que acabei de lhe apresentar?” pode ser uma boa forma de trabalhar a questão. Uma paciente que tenha chegado ao consultório com a queixa de se envolver em relações abusivas constantemente, por exemplo, depois de um perído de análise pode chegar em uma sessão entristecida por ter terminado a sua relação atual há poucos dias, dizendo que percebeu que novamente estava se colocando em uma relação abusiva e que, por isso, não estava mudando em nada, continuava a repetir os mesmos comportamentos; a terapeuta pode dizer algo como “Quando você veio para a análise, estava em uma relação que entendi abusiva e da qual não conseguia sair, passaram alguns meses de análise para que você chegasse aqui dizendo que tinha conseguido sair dessa relação. Hoje você diz que percebeu que estava em uma relação novamente abusiva, mas dessa vez conseguiu terminar antes da situação escalar. Se você me diz que não mudou em nada, a que atribui essa diferença?”. Ou, no outro ponto, uma paciente pode ter uma postura muito submissa frente a figuras de autoridade, mas não conseguir perceber isso; a terapeuta pode deixar essa questão explícita através de uma recapitulação, como por exemplo “Você relatou aqui que mesmo se achando com razão, não defendeu seu ponto de vista em uma discussão no trabalho; mas também disse, há algum tempo, que sempre é a pessoa que tem que ceder quando há um conflito na sua relação amorosa; em mais de uma vez falou dos problemas que tem com sua mãe, e sempre diz que não se sente capaz de discordar dela, mesmo quando acha que ela está errada. Você consegue perceber como há um padrão que se repete nessas situações?”. A diferença entre recapitular e informar alguma coisa está no fato de que as informações usadas na recapitulação advém da própria paciente, daquilo que ela traz para análise na relação; e difere da interpretação pois, ao recapitular, a terapeuta não está dizendo o que aquilo significa ou pode significar, apenas resumindo uma série de eventos cuja implicação a paciente está perdendo de vista.
A sexta forma de intervenção verbal aponta pelo autor é assinalar (que também podemos entender como pontuar); não há nada intrincado aqui, a coisa é bem auto-evidente: a terapeuta aponta algo no discurso (ou na relação) que deseja destacar. Esse tipo de intervenção pode se dar tanto por uma construção frasal (“preste atenção nisso”, “perceba isso”) quanto por uma modulação da voz (o Marcus Vinícius aproveitou isso para assinalar que é importante que a terapeuta não tenha uma “voz monocórdia”). É importante compreender que um assinalamento não é uma interpretação; a terapeuta não vai dizer o que pensa que significa aquilo para o que ela está chamando atenção, apenas ressaltar aquilo que já foi colocado, chamando atenção para um ponto específico. Aqui é importante notar que isso, por si, tem um valor terapêutico; deixar a paciente pensando sobre algo pode ser mais interessante do que oferecer uma interpretação – e aqui, para mim, é sempre importante lembrar que uma interpretação analítica deve ser oferecida, como uma possibilidade, não como uma certeza ou uma descoberta; se a paciente não reconhece aquela interpretação oferecida como parte de suas ações e motivações, a terapeuta não deve insistir nela. Se houverem bons motivos para acreditar que aquela interpretação está correta, certamente ocorrerão outros momentos na análise onde ela poderá ser recuperada. Um exemplo comum onde o assinalamento pode ser utilizado são aqueles casos onde nos últimos minutos de uma sessão a paciente traz uma informação muito relevante, geralmente tendo passado todo o resto da sessão falando de platitudes; se isso acontecer, apontar que isso aconteceu (“essa coisa muito relevante aconteceu com você nessa semana e você só me contou nos momentos finais da nossa sessão, quando não temos mais tempo para tratar disso”) é uma ferramenta muito válida no processo analítico.
A sétima forma de intervenção verbal é o principal instrumento da relação analítica, o interpretar. Achei excelente que logo ao iniciar a fala sobre isso o Marcus Vinícius disse o seguinte: “contudo, é bom a gente sempre ficar lembrando que a interpretação é uma hipótese, sempre, ainda que a gente tenha muita certeza daquilo ela é uma hipótese; ou seja, você pode estar equivocado na sua interpretação, por isso a gente deve tomar muito cuidado quando a gente interpreta. E por isso raramente ela deve ser feita (e agora já estou falando sobre o ponto de vista da análise reichiana) no início da terapia, enquanto estamos trabalhando as defesas do paciente”. Um exemplo de interpretação que o Marcus Vinícius trouxe foi “Parece que você está com dificuldades de elaborar o seu Trabalho de Conclusão de Curso, porque isso significa avançar para um outro patamar, para o qual você ainda se sente insegura”; é importante notar que a própria formulação da frase, iniciando com um “parece que…”, coloca a condição de hipótese da interpretação; mas essa hipótese é uma hipótese afirmativa, de qualquer forma. Particularmente, tendo a acreditar que mesmo que seja feita de uma forma afirmativa, ainda que hipotética, toda interpretação é ou contém no fundo uma pergunta: “você concorda com isso?”. A interpretação também pode ser utilizada para apresentar consequências possíveis de um curso de ação da paciente. Com o avançar do processo analítico, a interpretação pode ser utilizada para explicitar situações transferenciais; é fundamental ter a consciência que isso só deve ser feito quando houve um vínculo substancial, consistente, com a paciente – algo que é muitíssimo improvável de acontecer no início do processo terapêutico. Um exemplo de interpretação fornecido na aula foi “acho que você acabou de fazer aqui comigo o que faz geralmente em sua vida, tentando me encantar com um modo sedutor de me olhar”. Essa necessidade de cuidado com as interpretações não tem que ver com uma ideia de “só faça quando você tiver segurança da correção dessa interpretação”; não, essa necessidade relaciona-se com a própria técnica caractero-analítica, a ideia de que o psiquismo vai se construir por camadas e que, então, fornecer uma interpretação, ainda que correta, sobre uma camada que a paciente ainda não pode acessar não terá efeito e, pelo contrário, pode torná-la resistente a essa interpretação.
A oitava forma de intervenção verbal apresentada por Fiorini é a sugestão; o Marcus Vinícius, de início, já explicitou que no seu entendimento da prática reichiana essa forma de intervenção é pouquíssimo utilizada, apenas em situações excepcionais. Isso porque “quando você sugere, você cria uma condição de dependência do paciente em relação a você. Ainda que não seja uma diretiva, você está sugerindo, ‘que tal se você fizesse isso?’ – é você que está dizendo, ainda que seja uma sugestão, o caminho a ser seguido. Isso é contraproducente de um modo geral, pela própria condição do paciente ganhando sua autonomia, sua independência”. Ela poderia ser usada com um paciente que está com uma fragilidade egóica muito acentuada, portanto não teria condições de agir em determinada situação – ainda assim, a sugestão é sempre em caráter de proposição, nunca imperativo, e deve-se ter muito cuidado com isso. Outra situação possível de uso da sugestão é no caso de uma paciente que esteja em crise muito aguda, onde uma sugestão de curso de ação poderia ser fundamental para retirar-lhe desse cenário. Exemplos de sugestão: ao perceber um certo padrão em uma paciente que sempre busca o diálogo em situações inoportunas, a analista poderia sugerir “E se você fosse conversar com sua esposa em um momento onde ela esteja mais calma e disponível?”; “eu percebo que você está desorganizado com as suas tarefas, buscando fazer tudo ao mesmo tempo; talvez valha a pena você buscar priorizar algumas, criar uma hierarquia de prioridades para lhe ajudar a dar conta das suas atividades”.
A nona forma de intervenção verbal apresentada pelo autor é o direcionamento; essa, mais ainda do que a anterior, é incomum na clínica analítica. Essa característica marca bastante a (ou é marcada pela) especificidade de um processo analítico em oposição a outras formas de terapia (eu sou da opinião de que a análise é um forma de terapia, embora algumas autoras pensem diferente): ao direcionar a pessoa por um caminho, a fazer uma escolha ou deixar de fazer outra, não estamos efetivamente analisando nada. Nos casos muitíssimo excepcionais em que um direcionamento seja necessário dentro da relação analítica, ele o será única e exclusivamente em benefício direto da paciente. Achei interessante como o Marcus Vinícius, ao apresentar situações onde o direcionamento seria indicado a análise, disse “… dependendo da situação específica, ela traz um saldo interno de aprendizagem, o paciente aprende alguma coisa que se não fosse pelas diretivas talvez não viesse a aprender. Depois porque aquilo pode produzir novos insights no paciente”; o interessante para mim, aqui, é o destaque para a função pedagógica da análise – frase que deixaria muitas analistas incomodadas. Mas não vejo encarar a análise de outra forma que não uma teoria da aprendizagem: é um processo através do qual aprendemos sobre nossas emoções e como funcionamos a partir delas.
A décima forma de intervenção verbal que o livro traz é enquadrar as sessões; muitas vezes isso significa recordar o contrato. Pode acontecer de os horários do paciente mudarem, caso no qual será importante alterar o combinado das sessões; ou então, devido ao desenvolver da análise, pode ser que surja a necessidade de mais, ou menos, sessões por semana. Achei interessante como o Marcus Vinícius frisou que nós, enquanto terapeutas, “temos que ser o mais respeitador do contrato que a gente fez, temos que tentar não romper o contrato de jeito nenhum. Porque isso garante a autoridade de cobrança do contrato quando o nosso paciente rompe com o contrato – e eventualmente a gente precisa expor isso, a gente precisa voltar, restaurar o contrato”; essa fala me interessou por dois motivos. Primeiro, porque uma colega da formação estava atendendo uma pessoa que eu conheço, e essa pessoa disse que a terapeuta em uma sessão e disse “vamos ter que alterar o horário/dia das nossas sessões”; eu compreendo que coisas acontecem que simplesmente fogem ao nosso controle e não estou de forma alguma sugerindo que a nossa adesão ao contrato estabelecido deva ser algo inalterável – o que me incomoda nessa situação é a forma da abordagem. Para além de qualquer outra consideração possível sobre organização e comunicação, acredito que numa situação onde a terapeuta não tenha outra escolha a não ser informar assim, de uma sessão para outra, que precisará descumprir o contrato, a forma de se comunicar isso não deveria ser com um “vamos ter que”; ainda que não entrando em detalhes sobre a sua vida pessoal (e o quanto esse “preservar” é realmente necessário configura uma outra discussão importante), penso que o correto é apresentar a situação, não dizendo o que tem que acontecer, mas sim informando que coisas aconteceram a impedem a continuidade do acordo combinado, existindo assim a necessidade de reformulá-lo (deixando, inclusive, aberta a possibilidade de encerramento da relação analítica caso os novos termos não sejam interessantes para a paciente). Isso é um exemplo prático e direto, para mim, do quanto as terapeutas se colocam em uma posição hierárquica dentro da relação para além do exigido pelo fazer analítico – basta pensarmos como seria se os papéis estivessem invertido, e fosse a paciente que chegasse como um “vamos ter que”. O segundo motivo pelo qual a colocação do Marcus Vinícius me chamou a atenção foi o motivo dele dizer que precisamos buscar cumprir o contrato que fazemos com a paciente – o motivo, também, é uma manutenção de hierarquia, mas dessa vez com um sabor moralista: eu posso cobrar porque eu respeitei o contrato. Eu penso que a importância de respeitarmos contratos que aceitamos de boa fé e plenamente informadas vem de uma concepção ética sobre como desejamos conduzir as nossas relações, não porque poderemos cobrar X ou Y no futuro por conta disso.
A décima primeira forma de intervenção verbal é a meta-intervenção, quando a terapeuta faz uma intervenção retomando ou lembrando uma intervenção já feita. Um exemplo comum seria quando o terapeuta pergunta “sabe por que estou lhe perguntando isso?”; ou seja, é uma forma de se referir a uma intervenção já feita, mas a própria pergunta feita é uma forma de intervenção, pois busca apontar, destacar, algo para a paciente. Outra forma de meta-intervenção seria a terapeuta explicitar que mudou de opinião sobre alguma coisa: “lembra que há alguns meses eu disse que você guardava dinheiro com medo de saborear a vida? Agora vejo que você guarda dinheiro para se diferenciar do seu cônjuge, que não guarda dinheiro nenhum para a velhice, então você sente essa necessidade de se prevenir em relação a isso”.
A partir desse ponto, esgotadas as formas de intervenção trazidas pelo autor do livro, o Marcus Vinícius começou a listar algumas forma de intervenção que ele usa em sua clínica, destacando novamente que sempre há um certo nível de superposição de intervenções. A primeira que ele trouxe foi “explorar associações a partir de habilidades literárias ou artísticas do paciente”; a ideia é usar obras do paciente (contos, poemas, pinturas, fotos etc.) para lhe questionar sobre que tipos de coisas lhe ocorrem ao entrar em contato com essa obra, ao relembrar a sua confecção, ao conectá-la com coisas em sua vida. Outra intervenção que ele trouxe foi “trabalhar a polaridade”: “você disse que ficou muito triste com essa situação – o que lhe faria alegre?”, “você disse que engoliu a raiva naquele momento – o que seria necessário para que você conseguisse colocar para fora essa raiva?”. Outra foi o “projetar sobre uma cadeira vazia”, que é bem evidente: colocando uma cadeira vazia na frente da paciente, pede-se que ela projete ali uma situação que está vivendo, ou uma pessoa com a qual está vivendo essa situação, e aja como agiria nessa situação. Outra foi a “inversão de papéis”, muito depositária da técnica do psicodrama; a analista faz o papel de uma pessoa que esteja central na situação problemática que a paciente estiver vivendo, enquanto a paciente fala como ela mesma; depois, os papéis se invertem, com a terapeuta imitando a paciente enquanto ela interpreta a pessoa em questão. Nessa última intervenção já está inserida, de certa forma, a intervenção da dramatização; no entanto é importante estar atenta que as duas intervenções não são idênticas e uma pode caber num cenário enquanto a outra não. O fantasiar é uma outra possibilidade de intervenção: “o paciente traz alguma coisa e em cima do que ele trouxe você pede para ele fantasiar o que seria o desenvolvimento daquela situação”. Outra possibilidade de intervenção é mudar a estrutura da linguagem; por exemplo, a paciente diz uma frase e você pede para que ela repita a frase mudando o tempo do verbo (trocar um “gostaria de fazer isso” por um “eu quero fazer isso), alterando o pronome (“os homens são agressivos” por “eu sou agressivo”), acentuando frases (“a vida é apenas dor” por “a vida é apenas dor?”). Outra forma de intervir pode ser graduar os extremos, o que pode ser muito útil com pacientes que tendem a ficar em extremos, “ah, mas se eu me movimentar tudo ficará acelerado demais”, “mas como que posso sair dessa tristeza profunda para uma felicidade plena?”. Outra possibilidade é utilizar de metáforas e histórias, e ele tem uma, que eu inclusive já utilizei em minha prática clínica, que é comparar o processo analítico a um barquinho descendo por rio, onde a paciente é quem possui os remos, ela que está conduzindo o barquinho, enquanto que a analista está junto com ela no barquinho, mas não pode remar, apenas apontar coisas, lembrar pontos por onde já passamos, chamar a atenção para um detalhe que passou despercebido; um bom uso das metáforas é quando a informação direta pode ser forte demais para a paciente, pode recrudescer as suas defesas. Essa se liga a uma outra forma de intervenção que ele listou, que seria provocar associações; a frase “o que vem junto?” é paradigmática nessa intervenção – a analista pode simplesmente perguntar de forma aberta e deixar a paciente explicitar isso, ou pode direcionar, perguntando por algo específico (imagens, memórias, cheiros, sentimentos, desejos) que “venha junto”. Uma outra intervenção, essa central na prática reichiana, é o trabalhar o como; para Reich, o “por quê?” vem no bojo do “como” – e, tratando-se de um processo analítico onde as motivações inconscientes são fundamentais, de pouco ou nada adianta perguntar o “por quê?” (ao menos até que as defesas da paciente estejam muitíssimo bem trabalhadas). Por fim, nas intervenção verbais, falou em análise dos sonhos, embora o próprio Reich não tenha uma técnica específica de análise do sonho.
Uma coisa que ele destacou enquanto falava sobre essas técnicas, é da importância de que a analista não se torne uma refém delas, mas sim que possa utilizá-las para melhor conduzir o processo terapêutico, observando quais se adequam à relação analítica específica que está sendo desenvolvida ali e quais não. Reich também fala algo nesse sentido, de que a técnica de cada caso emergirá do próprio caso – ou seja, ela não pode ser desenhada a priori.
Depois de falar sobre essas intervenções verbais, o Marcus Vinícius trouxe algumas intervenções corporais indiretas que podem ser utilizadas no processo clínico. A primeira e mais básica seria ampliar a consciência corporal da paciente, perguntando como ela sente e percebe o próprio corpo em uma situação específica (silêncio, raiva, chateação, alegria, medo…). Outra seria assinalar o tom de voz – não aquilo que a paciente está dizendo, mas sim o tom com o qual fala sobre determinado tópico. Apontar o estilo de comunicação, como alguém que sempre se comunica em tom professoral, ou é muito imperativo. Marcar o modo de olhar, se olha sempre “por baixo”, se pisca muito. Observar as posturas, como se senta ou deita, peito para fora ou para dentro, queixo arqueado etc. Observar os gestos, aquilo que Lowen chama de a graça do corpo. Imitar a paciente; essa é uma intervenção que deve ser feita com cuidado, pois a paciente pode encarar isso como um deboche e isso seria prejudicial para a relação. Trabalho corporal com o sonho, usando essas intervenções anteriormente descritas dentro do processo de análise do sonho, enquanto a paciente relata seus sonhos.