14 de março de 2020 – quinta aula de Análise do Caráter III

Seguindo esquema geral desse curso, nessa aula trabalhamos mais um capítulo do livro Análise do Caráter, dessa vez o mais extenso da terceira parte, o capítulo XV A Cisão Esquizofrênica. O Pedro iniciou então a aula fazendo uma definição da psicose (a esquizofrenia seria uma forma de psicose), e foi buscar a origem etimológica da palavra no grego: psyché seria algo como “sopro de vida” e a terminação ose designa doença – assim, a psicose seria “a doença do sopro de vida”. Dando uma definição mais estrita (e, segundo ele, mais “grosseira”), o Pedro caracterizou a psicose como “qualquer doença mental caracterizada pela distorção da percepção do real pelo indivíduo”; seguindo a isso, ele lê em suas anotações que “Freud, em 1924, escreve um texto chamado ‘A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose’ (…) [citando Freud] ‘uma das características que diferenciam uma neurose de uma psicose é o fato de que em uma neurose do Eu, em sua dependência da realidade, suprime um fragmento do Isso, ou seja da vida instintual. Ao passo que em uma psicose esse mesmo Eu, a serviço do Isso, se afasta de um fragmento da realidade. Assim, para a neurose, o fator decisivo seria a predominância da influência da realidade, enquanto para a psicose esse fator seria a predominância do Isso. Então o que vamos ter é que na psicose nos vamos ter um transbordamento desse núcleo instintual, pulsional – para ser mais preciso”. O termo “esquizofrenia” é criado por Eugene Bleuler, e significa “mente dividida”, anteriormente chamada de demência precoce; enquanto Freud a chamava de parafrenia.

No quadro, o Pedro fez uma divisão tipológica, onde apresentou cinco tipos de psicose (esquizofrenia, psicose maníaco-depressiva, transtorno esquizo afetivo, psicose induzida por drogas, psicose orgânica) e quatro tipos de esquizofrenia (catatônica, hebefrênica, paranoide, simples). Segundo ele, em uma leitura reichiana desses quadros esquizofrênicos, poderíamos defini-los como: “catatônico: total afastamento da realidade que constrói um encouraçamento muscular, daí a paralisia e os movimentos estereotipados (quer dizer, você deduz o encouraçamento muscular pelos efeitos sintomáticos que o sujeito tem); hebefrênico: é uma lenta deterioração apática da função biofísica, então é uma deterioração orgonótica do organismo, ele vai se desfazendo, vai se dissolvendo na sua funcionalidade primeiro, podendo chegar até a morte; a esquizofrenia paranoide: ideias bizarras, experiências místicas, ideias de perseguição, alucinações, perda da capacidade de associação racional, perda do significado das palavras, basicamente pela perda do funcionamento unitário do organismo que, por vezes, é projetado fora (porque esse negócio persecutório, na verdade a gente vai entender daqui há pouco como fazendo parte de uma camda intermediária nossa, que vem à tona e como a pessoa não sabe lidar com isso ela consegue projetar, para poder lidar com aquilo projetar fora, como se viesse de fora e não de si próprio.

Também no quadro o Pedro fez um desenho, uma espécie de diagrama de círculos concêntricos, que pelo que entendi buscava representar os estratos ou camadas energéticas de uma pessoa. Assim, de dentro para fora, tínhamos: Núcleo Biofísico (“é a camada mais profunda da gente”); Camada Intermediária (“aí estão as perversões, aí estão as distorções desses impulsos naturais normais, espontâneos”); Expressão do Caráter (“como o sujeito se apresenta); Pele (“é a delimitação do sujeito – para além disso você tem o Campo Orgonótico”); Campo Orgonótico (“ou a aura da pessoa). Explicando a ideia de Campo Orgonótico, o Pedro trouxe como exemplo aquela simpatia ou antipatia “automática” que temos por uma pessoa logo ao conhecê-la ou ao entrar no mesmo ambiente que ela – o tal “o santo não bateu”. Aí uma pessoa perguntou como isso se processava, se tinha relação com a semelhança ou diferença do seu Campo Orgonótico com o da pessoa, ao que o Pedro disse que não era uma questão de semelhança e diferença, mas sim que “a sua leitura inconsciente orgonótica percebe algo de positivo ou negativo naquela pessoa”, ao que uma pessoa o interrompeu com uma consideração que gerou um pequeno diálogo que eu gostaria de reproduzir aqui.

Pessoa 01: “Mas não pode ser reduzido a isso, não pode ser reduzido a Campo Orgonótico a simpatia ou antipatia

Pedro: “Eu não diria reduzir – ampliar. Porque Campo Orgonótico é tudo, a matéria é orgon; nós somos orgon

Pessoa 01: “Mas o que você acabou de falar, por exemplo, sobre reduzir ao aspecto econômico, né, também não é possível, colocar tudo sob o aspecto econômico – obviamente tem isso influenciando, mas tem outras coisas. Da mesma forma que o psiquismo, o fenômeno psíquico, não pode ser… o social não pode ser reduzido a fenômenos psíquicos coletivos…

Pedro: “Você vai encontrar pra fazer uma entrevista de trabalho e você percebe o cara que vai te entrevistar, você detestou o cara – você não vai chegar e dizer ‘olha, detesto você’…

Pessoa 01: “É mas, por exemplo, às vezes você tem isso com uma pessoa que você vê na TV [falas se interrompendo] Às vezes eu tenho isso com uma pessoa que eu vejo na TV – então eu estou no Campo Orgonótico dela?

Pedro: “Está. Está porque o Campo Orgonótico também é o sexto sentido, então tem coisas visualmente que você percebe… Eu tenho uma pessoa que eu não gosto, pública, que é a… aquele menina bonita, como que é? Que agora está até em Portugal… Ela é muito bonita, fisicamente

Pessoa 02: “Luana Piovani?

Pedro: “Luana Piovani. Eu detesto ela, acho ela uma figura…

Pessoa 01: “Ela fala merda pra caramba…

Pedro: “Sim. Depois que eu detestei, eu comecei a ouvir as merdas, né, mas eu detestei antes de ela abrir a boca, tá? Eu já não gostei dela energeticamente, a figura dela… eu nunca estive pessoalmente com ela, a figura dela me passa uma coisa ruim

Pessoa 01: “Mas, então, aí é que está: eu não tive… eu posso – é minha interpretação. Eu não tive interação com o campo energético dela…

Pedro: “Teve

Pessoa 01: “Tá, minha interpretação. Mas só que existe uma correlação entre a energia da pessoa, o Campo Orgonótico da pessoa, e expressões faciais, expressões corporais, a sua couraça – é isso, né…

Pedro: “Existe uma coisa na física…

Pessoa 01: “… então quando eu olho pra uma pessoa, inconscientemente está tendo uma relação daquelas expressões, daquela estrutura de caráter, com a energia que eu estou acostumado a ter quando tem aquelas expressões – mas não é o contato com o campo

Pedro: “Aí temos que questionar o que é energia. Hoje na física quântica, quando duas moléculas se encontram e interagem por um certo tempo e depois são afastadas, quando o spin de uma das moléculas roda pra um lado, a outra à distância roda pro outro e não há nada entre uma e outra, não há o que a gente chama de energia, não há um raio, não há… e isso é energia. Energia hoje tem um conceito misto, né, é um conceito de conhecimento, de informação…”

Pessoa 03: “Isso que eu ia falar, energia é informação

Pedro: “… energia é informação e energia; algumas vezes ela age como informação e algumas vezes ela age como energia. Entendeu? E isso é complicado, até pra nossa mente. Então quando eu vejo a Luana Piovani lá na tela da TV e eu nunc tive pessoalmente, o que está me gerando é uma energia de informação. Então é Campo Orgonótico. Volto a dizer: não estou reduzindo, é Campo Orgonótico. É uma sensação orgonótica que te traz mal estar – eu não preciso estar pessoalmente com ela. Uma coisa pra pensar; uma leitura, complicada (vou ser sincero, não é uma coisa simples), mas é uma coisa que os físicos estão pensando, né, ‘o que que é energia?’”

Pessoa 01: “Mas não todos os físicos. Porque, assim, a física quântica ela surge quando a física, a mecânica clássica, ela não dá mais conta de explicar a realidade, quando a percepção e a investigação da matéria está muito aprofundada e muito direcionada, em nível mais que microscópico, né, e ali não funciona mais a mecânica clássica. Mas, assim, antes desse olhar, está funcionando a mecânica quântica [acredito que aqui ela quis dizer “clássica” e se equivocou], então acho que existem fenômenos que podem ser explicados dessa forma econômica e você vai ter um olhar diferenciado, aprofundado, e vai funcionar um outro tipo de explicação… Mas assim, o choque entre carros não é um fenômeno quântico…

Pedro: “Também

Pessoa 01: “… ali não está acontecendo…

Pedro: “Também”

Pessoa 01: “…é física clássica, tipo…

Pedro: “Não, não, não… Está acontecendo as duas físicas – as duas físicas estão acontecendo. Porque na verdade a física é uma leitura…

Pessoa 01: “Não, não é… não há modificação da estrutura atômica

Pedro: “Olha lá, pode haver… Vai depender do tipo de choque, vai depender… pode haver, né

Por que eu achei importante reproduzir esse diálogo aqui? Primeiro, porque novamente expõe os problemas de se fazer uma apropriação de conceitos de uma área científica para justificar hipóteses, postulados e afirmações que não são científicas, que não utilizam do método científico em sua construção; mas eu deixaria esse exemplo passar direto se fosse só por isso, pois acho que nos relatos das aulas do Pedro eu já tratei muito desse tema. Nesse diálogo, no entanto, fica evidente o quão descabida é a proposta de “energia orgônica” e seus derivados que o Pedro apresenta, porque vai para esse lado do “tudo é energia”, que não explica nada e, para além disso, cria essa falsa justificação para argumentos completamente furados. É interessante perceber nesse diálogo como a Pessoa 01 não está questionando em momento algum os conceitos de orgon, campo orgonótico e seus derivados; ela está apenas questionando que atribuir um fenômeno específico a apenas uma causa é reduzí-lo, e que sendo a energia e o campo energético de alguém algo mensurável, não faz sentido considerar que entramos em contato com esse campo mesmo estando distante da pessoa. Mesmo discordando e vendo vários problemas com as explicações que o Pedro dá usando o termo “física quântica”, não precisamos entrar nessa crítica para entender o problema da abordagem que ele propõe, sendo possível, inclusive, usar as suas próprias argumentações para mostrar que há uma falha aí, algo que ou só é considerado quando convém ou que não foi plenamente compreendido; na primeira aula de Vegetoterapia I (em 11 de maio de 2019), ele trouxe uma ideia e uma analogia que achei muito interessante e reproduzi no relato, de que “uma certa quantidade determina uma qualidade”, comparando com como o aumento de temperatura em uma panela de pressão produz a alteração da qualidade do estado físico da água de líquido para gasoso produzindo o “apito” da válvula. Para compreender o que estuda a mecânica quântica temos que ter um raciocínio semelhante, pois a mudança de escala implica uma mudança da aplicabilidade das regras físicas; a mecânica clássica possui equações capazes de descrever as ondas geradas em um lago ao se jogar uma pedra nele, mas é incapaz de explicar, por suas regras, as órbitas estáveis do elétron; já a mecânica quântica conseguiu fornecer um modelo explicativo para as órbitas estáveis do elétron, mas você falharia miseravelmente se usasse esse modelo explicativo para criar um sistema de transmissão de energia elétrica a longas distâncias, por exemplo. Ou seja, as leis que usamos para entender a relação entre partículas subatômicas não servem de nada para compreender a relação entre a pedra e o lago no qual ela foi atirada; da mesma forma, as equações que temos para descrever a trajetória da pedra e as ondas que produzirá no lago não podem descrever a interação entre o elétron e o núcleo de um átomo. Isso é tão fundamental no estudo da física hoje que existe inclusive uma constante, a Constante de Planck, que grosso modo podemos dizer que determina quando a mecânica quântica é necessária para descrever um fenômeno ou não. Assim, também grosso modo, não podemos dizer coisas como “ah, o emaranhamento quântico já foi testado com sucesso em partículas sub-atômicas, logo justifica a nossa hipótese que ele aconteça entre pessoas também”.

Esse tema do diálogo não terminou aonde eu encerrei a transcrição, mas foi continuando através de outras falas e atravessamentos, mas claramente a Pessoa 01 não quis continuar a debater quando a questão chegou no ponto em que encerrei. Nessa continuidade do assunto, o tema acabou entrando em psicopatia, e daí outra situação que achei muito interessante ocorreu – para ilustrá-la, novamente, recorro a uma transcrição do diálogo.

Pedro: “… então o psicopata ele não vai ter essa culpa, ele não vai ter essa colocação no lugar do outro, ele não consegue se colocar no lugar do outro. Então nessas situações gerais, por exemplo, um cara normal, ele vai assumir perversões que não assumiria normalmente, o psicopata ele só vai achar a situação propícia, porque ele vai ter ações que não vão ser mais punidas, então ele vai fazer mais, só isso. Quando voltar a punição, ele vai, na encolha, só tentando não ser pego – a diferença é essa, entre o neurótico… no caso aí é o neurótico e o psicopata

Pessoa 04: “O que não ficou claro pra mim é se o psicopata ele é uma estrutura distinta da psicose

Pedro: “É, é diferente da psicose porque ele não tem alucinação, ele tem uma percepção do real aguçada, porque ele usa essa percepção inclusive para o seu bem, para aquilo que ele deseja, ele não alucina, não há uma quebra de percepção, a percepção do real continua perfeita e é usada inclusive em prol dos desejos dele, daquilo que ele quer alcançar

Eu: “E são também conceitos de referenciais diferentes, né. A psicose, a neurose e a perversão são conceitos da metapsicologia, e a psicopatia é da psiquiatria, né. Psicopatia é detectável com exame de imagem, com médico fazendo um exame de ressonância ele consegue dizer se aquele paciente é psicopata ou não

Pedro: “Eu não acredito nisso

Eu: “Isso é porque eu já estudei profundamente psicopatia…

Pedro: “Não, sim… existe…

Pessoa 01: “Isso segundo a neurobiologia, pressuposto neurobiológico da…

Pedro: “Não existe isso

Pessoa 01: “… da correlação entre comportamento e cérebro

Pedro: “Não existe isso

Pessoa 01: “Mas segundo a psicologia isso não é… é um pensamento redutivista do comportamento humano, dizer que o comportamento humano está reduzido ao cérebro e às áreas cerebrais ativas

Eu: “Perceba, eu não acho que é essa a questão porque ele não está falando assim ‘é só isso que entra na equação’, mas é o caso que o próprio Pedro trouxe do Phineas Gage por exemplo, não tem como negar que uma questão física promoveu uma mudança de comportamento. A psicopatia é um fenômeno da falta de uma área, se eu não me engano é o giro hipocampal mas eu posso estar equivocado [e estava: na verdade, os estudos apontam diversas diferenças, mas geralmente todos apontam diminuição de atividade na área pré-frontal], que provoca a incapacidade da empatia. Não é dizer que todo comportamento é gerado pelo cérebro, é que a… os estudos de correlação, eles são muito próximos do 100% – a pessoa não tem essa área cerebral, ela apresenta a psicopatia. Óbvio que a gente pode discordar, mas assim, isso não tem discussão na comunidade científica, nem entre psicólogos e neurobiólogos

Pedro: “Eu não sei disso, porque existia uma coisa da psi… em relação à psicose, né, que eles determinavam cerebralmente o que era um psicótico. E era o aumento, né, das cavidades entre a massa cinzenta, um aumento. O problema é que todo psicótico ele passa a ter um enrijecimento cerebral, ele é contraído cerebralmente; quando você contrai cerebralmente você aumenta os espaços vazios, né. Então isso é uma consequência, né, daquilo que criou a psicose, não é o que criou a psicose – a leitura errada está aí. Você tem coisas físicas que são determinadas por questões energéticas, pro Reich o básico é energético, o energético se desdobra em psíquico e orgânico, né. Mas a unidade fundamental é energética, é funcional; é o funcionamento do sujeito que cria isso, ele cria inclusive matéria, não é a matéria que cria a coisa. E em alguns casos muito graves, como a psiquê precisa de uma base, física, né, a falta de uma base física de uma forma contundente, Phineas Verb [sic], por exemplo, né, pode gerar uma transformação psíquica, né – aí sim, então nesse momento há uma predominância do orgânico. O psicosoma é exatamente isso, é um aonde que em algum momento o orgânico emerge mais fortemente e em outro momento é o psíquico que emerge mais fortemente

Eu: “O que eu estou colocando, eu acho assim, em algum momento… a não ser que a gente tenha uma pesquisa de origem, né, pode ser uma questão de opinião, ou de pesquisa, mas eu não coloquei em nenhum momento que as pesquisas que eu li apontam a origem da psicopatia – não foi isso que eu falei. O que eu falei é que, com o indivíduo já sendo psicopata, com um exame de imagem se consegue detectar isso. Qual foi a causa, se nasceu de uma questão somática, psíquica, física, sexual, ‘videogamal’, eu não estou colocando em questão. A questão é, um indivíduo sendo psicopata, isso é detectável por exame de imagem

Pedro: “Sim, o problema é saber se existe algum indivíduo sem, é, bulbo, olfatório, sei lá o que, né, se ele é psicopata [imcompreensível] Porque o que aconteceu que várias pessoas tinham esse aprofundamento desses vale, né, dessas lacunas cerebrais, e não eram psicóticos

Eu: “É, sobre a psicose eu realmente não li nada

Pedro: “É, isso foi comprovado; então bastou…

Pessoa 01: “… fazer ressonância, talvez tenha uma ideia de que a pessoa é perversa, psicopata. Mas, então, quer dizer, só as pessoas que tem psicopatia elas vão fazer o exame e aquelas que não apresentam os sintomas de psicopatia, essas características, elas não vão fazer. Mas só que talvez elas tenham essa mesma característica cerebral que os psicopatas

Eu: “Tudo bem, acho que todo exame é assim, então a gente teria que problematizar o exame do Corona Vírus, o exame de AIDS, todo exame é assim

Pessoa 01: “Mas é, isso é problematizado pelos estudiosos da sociologia criminalística, de que, né, existe uma corrente da psiquiatria correlaciona marginalidade e cometimento de crimes, né, pra tentar localizar uma origem biológica desses crimes, né, e uma perversidade já inata…

Eu: “Sim, Lombroso…

Pessoa 01: “… da frenologia, existe toda uma corrente científica que tenta comprovar isso, que tem relação com a desresponsabilização do aparato estatal, social, né, sobre a criminalidade. Então existe toda essa discussão pra invalidar esses estudos

Eu: “Sim, mas novamente, no que eu trouxe eu não coloquei nada disso. O que eu coloquei é isso: em pesquisas feitas em indivíduos psicopatas foram confirmados também por exame de imagem. Se o método foi acurado ou não, não estou num nível de discussão epistemológica pra questionar artigo publicado em revista científica por aí, não tenho esse cacife. Mas o que eu li foi isso, pois foi um tema que me interessou bastante; esse artigo também falava de uma coisa, por exemplo, que vai mais no sentido da energia, reichiano (que é até uma coisa que eu problematizo talvez até em excesso), que na presença de indivíduos psicopatas, alguns indivíduos sentem arrepios e reações que presas sentem na presença de um predador, por exemplo. E esse mesmo estudo tentava tirar essa correlação que, por exemplo, você fez [me referindo à Pessoa 01] entre psicopatia e perversão; tem indivíduos que são psicopatas e não são maus – ele não tem, como o Pedro colocou, ele não tem culpa, mas ele também não precisa ser mau, a culpa não é o único modelo de bom comportamento possível

Antes de fazer considerações sobre as questões que acho relevantes nesse diálogo, acho importante assinalar que cometi alguns erros em minhas falas: logo na minha primeira fala eu faço uma definição de psicopatia equivocada; não é como se a psicopatia pudesse ser detectada por exame de imagem, mas sim que pessoas definidas como psicopatas apresentam similaridades entre si e diferenças com grupos controle (pessoas definidas como não psicopatas) em exames de imagem. A psicopatia não é um fenômeno de uma falta de uma área cerebral, mas há uma correlação em vários estudos feitos entre psicopatia e medidas feitas a partir de exames de imagem. Eu fiz uma confusão entre exame e pesquisa quando falei “todo exame é assim”.

Quando eu fiz a minha primeira fala, eu realmente não imaginava que haveria alguma discussão em torno disso; eu realmente achei que estava trazendo um fato básico, apenas lembrando algo (que o conceito de psicopatia não nasce na psicanálise e não faz parte do trinômio metapsicológico de neurose, psicose e perversão) e trazendo mais uma informação para complementar a resposta para a pergunta da Pessoa 04. Mas as duas respostas que surgiram evidenciam, novamente, graves problemas no conhecimento de epistemologia que temos em nossa sociedade – e, correndo o risco de ser repetitivo, acho importante ressaltar que estamos em uma formação que pressupõe pessoas graduadas ou em vias de.

Quando a Pessoa 01 diz que a correlação entre comportamento e cérebro apontada pela neurobiologia é um pensamento redutivista, ela está cometendo um gravíssimo erro sobre a concepção de construção do conhecimento – um erro que, infelizmente, não só não é sanado como também é alimentado pela forma como nossas instituições de ensino geralmente educam as pessoas. Nós dividimos o conhecimento em áreas não porque a realidade se apresente dividida dessa forma, mas porque nós não conseguimos apreender a realidade em toda a sua complexidade; o problema é que as pessoas absorvem essa divisão não como uma ferramenta didática, mas como uma representação da realidade, e daí erros de consequências desastrosas como esse acontecem. Se estamos analisando um dado da realidade, é fundamental compreendermos que nenhuma área do conhecimento será suficiente para explicar esse fenômeno sozinha; quanto mais complexo esse fenômeno, mais verdadeira essa frase. Assim, algo tão complexo como a psicopatia, que numa breve reflexão já podemos perceber que envolverá considerações de origem psicológica, biológica, histórica, social, jurídica, entre outras, para ser compreendida, não pode ser efetivamente compreendido se adotarmos uma postura de “isso é o que diz essa área, mas nessa outra área se diz outra coisa”. Esse é o erro fundamental dessa ideia, mas a construção frasal da Pessoa 01 apresenta ainda mais dois problemas – um autocontido e outro que se relaciona com uma ideia que ela vai trazer mais à frente. O problema autocontido é o de atribuir à minha fala algo que não estava nela, quando afirma “é um pensamento redutivista do comportamento humano, dizer que o comportamento humano está reduzido ao cérebro e às áreas cerebrais ativas”. Primeiro, desconheço como qualquer argumentação que busque adicionar uma abordagem a um problema pode ser tida como redutivista; pelo contrário, essa deveria ser considerada uma abordagem “expansionista” (ou seja lá qual for o antônimo adequado de “redutivista”) da questão, pois em momento algum eu apontei a exclusão de uma concepção, eu apenas adicionei uma informação que “advinha de outra área” (devido as estudos que conciliam as abordagem até isso deve ser posto em xeque). Segundo, atribui à minha fala a ideia de que “o comportamento humano está reduzido ao cérebro e às áreas cerebrais ativas”, quando claramente não há nada no que eu falei que possa justificar isso; embora diversos motivos possam existir para essa atribuição errônea, acredito que alguma parte dela se deve a esse fenômeno “feudal” das Universidades: cada área do conhecimento é um microcosmo autossuficiente e estanque, que não se relaciona com as outras e, por isso, apenas as suas respostas são corretas.

O Pedro também incorre em equívoco parecido quando em uma fala aponta que a leitura errada é aquela de atribuir uma causa cerebral para um problema psíquico (sua resposta não mantém uma coerência, pois logo após admite que o caso de Phineas Gage aponta uma origem física para um problema psíquico); o equívoco aqui, obviamente, é novamente que apesar da minha fala conter vários erros, um deles não é o de atribuir uma origem à psicopatia – tudo que eu disse é que ela poderia ser detectada por exames de imagem.

Então temos a última fala da Pessoa 01, que além de alguns outros equívocos (equivaler psicopatia a perversão; associar todos os estudos de uma área a uma determinada intencionalidade) possui o problema fundamental de evidenciar um desconhecimento profundo (supondo que não foi um equívoco circunstancial) sobre o método científico ao dizer “só as pessoas que tem psicopatia elas vão fazer o exame e aquelas que não apresentam os sintomas de psicopatia, essas características, elas não vão fazer”. Não haveria comparação possível em testes de hipótese se não houver um grupo controle (mesmo que esse seja a população, como num caso de testes com uma amostra); ou seja, um artigo sobre exames de imagem em psicopatas que não tivesse um grupo controle (exames de imagem feitos em pessoas não psicopatas) não seria publicado em lugar algum – tentei endereçar isso na minha resposta quando falei de “artigo publica em revista científica”. É bastante grave que alguém já formada por uma universidade possa fazer uma acusação tão rasa assim a um argumento, evidenciando não só um não-dialogismo com o que está sendo exposto mas também um desconhecimento básico do método científico. Por mais que eu concorde com a crítica que a Pessoa 01 estava fazendo a grupos e indivíduos que tentam usar de argumentos científicos para justificar posições racistas, temos sempre que lembrar (e isso parece cada vez mais urgente) que os fins não justificam os meios, ou seja, não podemos concordar com um argumento errado apenas porque ele objetiva defender uma boa causa. E precisamos também entender que posturas como o racismo são um problema ético, não epistemológico; mas esse é um assunto extenso que talvez eu aborde em outro momento – para quem não pode ou não deseja esperar essa possibilidade, recomendo a leitura do livro “Ética Prática”, de Peter Singer.

Após esse diálogo (que não encerrou exatamente nesse ponto que transcrevi, mas foi mudando de assunto e se estendeu por mais uns 10 minutos), tivemos um intervalo e na volta o Pedro iniciou a descrição do caso que Reich relata no capítulo “A Cisão Esquizofrênica”; esse capítulo é basicamente uma descrição comentada de um caso de pessoa esquizofrênica que Reich atendeu, sendo esse relato feito quase que sessão por sessão (Reich aglutinou a descrição de algumas). Como o relato dessa aula já ficou bem extenso, vou pará-lo por aqui; o restante da aula foi apenas o Pedro fazendo a leitura de trechos do capítulo e comentando algumas coisas, e acredito que qualquer pessoa interessada no assunto tirará maior proveito da leitura do capítulo do que de qualquer relato que eu pudesse fazer aqui. Para além disso, esse capítulo está sendo material de estudo prometido há três aulas do curso Clínica Psicorporal das Psicose e dos Transtornos Mentais, então como a próxima aula é a última, acredito que trabalharemos ele e haverão comentários aqui no blog sobre “A Cisão Esquizofrênica”.