15 de setembro de 2019 – quinta aula de Técnicas Complementares do Trabalho Reichiano

Iniciamos mais uma aula entrando em definições de conceitos físicos, dessa vez sobre raio, que foi definido como “ativação de elétrons, e o raio inclusive se dá da terra para o céu e não do céu pra terra – a gente tem essa ilusão, mas na verdade o raio se dá da terra pro céu. É uma diferença de potencial que faz com que haja uma mobilização das moléculas num percurso”. Mais uma vez, definições erradas; dessa vez eu não recordo qual era o contexto, imagino que algum assunto sobre energia, pois quando eu liguei o gravador o papo já era esse. Eu entendo muito pouco de meteorologia e de fenômenos elétricos, mas com um pouco de curiosidade e estudo percebe-se que essa afirmação não é exata. Primeiro, pelo pouco que sei, elétrons não podem estar ou não ativos, assim não haveria uma “ativação de elétrons”; mas isso aqui é uma questão menor, podendo ser apenas uma falta de termo mais específico no momento. Mas não é verdade a informação de que “o raio se se dá da terra pro céu”; inicialmente, existem quatro grandes categorias de raios, sendo uns mais comuns do que os outros: intranuvem (dentro de uma mesma nuvem), internuvem (entre duas nuvens), nuvem-solo ou nuvem-ar. Mas mesmo olhando apenas para os raios nuvem-solo, a afirmação de que eles iniciam no solo não pode ser feita, pois os raios iniciam com um canal precursor (a quebra da rigidez dielétrica do ar, ou seja, há tanta carga acumulada que o ar não se comporta mais como um isolante), e esse na maioria das vezes se dá no interior da nuvem, diferindo em formação entre descargas negativas (as mais comuns) e descargas positivas (raras); existem raios solo-nuvem, mas esses são muito raros e, quando acontecem, costumam ter origem em alguma construção alta, como um torre ou edifício. A formação luminosa que vemos de um raio, realmente, se origina “de baixo para cima”, no que se denomina “descarga de retorno”; mas essa só pode acontecer por conta do canal precursor e do fluxo de elétrons (que, no raios nuvem-solo mais comuns, fluem da nuvem para o solo). Podemos observar melhor esse fenômeno na seguinte imagem: https://www.weather.gov/images/safety/Animation/Animation_17a.gif. Trata-se de um raio filmado a 1/50 (cinquenta imagens por segundo), permitindo-nos ver claramente a formação do canal precursor descendente e, quando do contato desse com o canal precursor ascendente, a iluminação do canal ionizado, que acontece de baixo para cima. Uma analogia visual (insuficiente) para esse fenômeno seria uma fila de pessoas esperando uma barreira ser removida (como um portão, por exemplo) para correr para frente: assim que a barreira é removida, as pessoas começam a correr para frente; mas olhando o movimento da fila, ele acontece de frente para trás, do primeiro indivíduo na fila para o último. Ou seja, a pergunta “os raios se formam da nuvem para o solo ou do solo para a nuvem?” pode até ser respondida com “ambos”, mas não com “do solo para a nuvem”.
Talvez as considerações que fiz acima, sobre o primeiro minuto de gravação da aula, possam ser consideradas um preciosismo desnecessário, uma encheção de saco de alguém que só quer ter algo para criticar. Eu não penso assim. Pode até parecer um detalhe bobo ficar discutindo minúcias (que, na verdade, nem são tão minúcias assim – como eu disse, eu sei quase zero de meteorologia, sou incapaz de discutir minúcias desse campo, essas questões que trouxe são conhecimentos gerais do campo e não minúcias) sobre a formação de raios quando o professor apenas trouxe isso como exemplo para alguma coisa, mas eu acho que é justamente esse pensamento de “deixa pra lá” que permite que erros vão acontecendo e se acumulando, e assim coisas que pareciam inicialmente inofensivas vão se tornando grandes problemas com os quais temos que lidar e cujas consequências são graves – sim, homeopatia no SUS, eu estou falando com você. E nesse caso específico, percebe-se que é uma tendência nas aulas do Pedro esse tipo de coisa, certamente sintoma de uma educação deficitária, que possivelmente foi permitida por esse pensamento do “deixa pra lá”; esse equívoco só me chamou a atenção porque em algum momento da minha vida eu tive contato com alguma discussão sobre formação de raios, ou então as discussões e conhecimentos gerais sobre física a que tenho acesso me fizeram desconfiar daquilo. Mas quantas outras informações inexatas ou equivocadas mesmo o Pedro não pode estar passando à frente e que nós apenas absorvemos porque não temos um plano de fundo educativo que nos permita discutir aquela questão? Idealmente um educador, alguém que vai passar adiante algum conhecimento de forma estruturada, deveria ser alguém preocupado com essa função, que fosse atrás de comprovações e elaborações teóricas sobre aquilo que vai falar. Essa é uma coisa que eu acho que aprendi na minha vida, tanto que para falar esse pouquinho aqui sobre meteorologia eu fui atrás de mais conhecimento e passei uns 40 minutos estudando sobre raios (visitando, por exemplo, o site do National Weather Service, do National Severe Storms Laboratory, da revista National Geographic e da Wikipedia, em sua versão em inglês e português) – e olha que isso apenas pra escrever um relato de aula que ninguém vai ler em um blog que ninguém acessa. Não sou muito chegado a auto-elogios não, mas acho que esse eu mereço; não porque eu esteja fazendo algo muito grande ou muito difícil, mas porque estou fazendo algo necessário que muita gente, muita mesmo, nem se importa em ter o trabalho. E isso é um mínimo.
Alguém que tenha lido os outros relatos das aulas do Pedro poderia dizer, a esse respeito, “bom, ao menos ele não falou em física quântica dessa vez”; essa pessoa teria feito um comentário muito válido, exceto pelo fato de que aos 30 segundos da gravação dessa aula ouvimos o seguinte: “e se a gente for pensar em física quântica isso piora ainda”… E, mais uma vez, segue-se a isso uma definição inexata do conceito de entrelaçamento quântico: “se você pegar duas moléculas, botar elas em contato e depois separar elas, mandar… vamos dizer assim, uma molécula lá pra marte, em um foguete, né, quando o spin dessa molécula, de um átomo dessa molécula girar pra um lado, o spin da outra molécula aqui vai virar pro outro… E ninguém entende o porque. E, logicamente, não há uma conexão que a gente possa chamar de raio, de feixe de luz ou qualquer coisa desse gênero, né. Então muitas pessoas chamam de energia de troca de informação, ou de funcionalidade, pegando mais uma coisa reichiana. Então a funcionalidade pode se dar a uma certa distância contanto que haja uma conexão (…) mas isso é ciência, tá gente? Isso é a física, leu… é isso que acontece. Por exemplo, eu já fiz experimentos de mandar mensagem à distância para uma outra pessoa, né, e com certeza essa pessoa recebeu essa mensagem e fez uma ação em função da mensagem – então isso acontece. Eu não vou dizer que meu pensamento sai assim, ou minha alma vai lá, anda pelas ruas até a casa da pessoa, bate láei, ó, eu quero falar isso com você, faz isso’ aí volta”. Mais uma vez é trazido o mote “isso é ciência” sem, no entanto, ter nenhuma preocupação com o método científico; acredito que já desenvolvi em outros relatos considerações suficientes sobre a questão do uso equivocado de conceitos científicos, especialmente da mecânica quântica, mas há também a questão de, se é afirmado com tanta veemência que “isso acontece”, e se há consideração pela construção do conhecimento científico, por que não há a sistematização de experimentos para comprovar isso definitivamente? Afinal, se isso for algo realmente comprovado, mudará toda a nossa compreensão de física e de como as coisas operam no mundo. Existem muitos estudos sobre vieses cognitivos (ver, por exemplo, o artigo “The Evolution of Cognitive Bias”, disponível em http://www.sscnet.ucla.edu/comm/haselton/papers/downloads/handbookevpsych.pdf, para tanto uma discussão sobre o assunto quanto para uma lista de referências bibliográficas sobre o tema. O canal “Veritasium”, do YouTube, tem alguns vídeos interessantes sobre o assunto como, por exemplo, “The Illusion of Truth” [A Ilusão da Verdade – https://www.youtube.com/watch?v=cebFWOlx848] e “Post-Truth: Why Facts Don’t Matter Anymore” [Pós-Verdade: Porque Fatos Não Importam Mais – https://www.youtube.com/watch?v=dvk2PQNcg8w], ambos com legendas em português) que mostram como claramente nos enganamos sobre as coisas a partir da nossa percepção e mesmo de nossas inferências lógicas e conceituais; sabendo disso, deveríamos estar tomando muito mais cuidado antes de fazer afirmações categóricas sobre questões complicadas como “transmissão de pensamento”, “podemos atravessar paredes”, “poder dos astros” e tantas outras coisas que vejo não só ditas banalmente, mas até ditas logo antes ou depois do uso de termos como “científico”, “quântico”, “provado”… Mas, ao invés de estarmos cuidando mais da forma como construímos nosso conhecimento, tenho visto grupos de estudo sobre astrologia se formando dentro de universidades, professores universitários defendendo homeopatia, discussões sobre Terra plana etc. E, percebam, não vejo nada demais em pessoas questionarem aquilo que está estabelecido; pelo contrário, o questionamento deveria ser a base da construção do processo científico, a dúvida como método. Então, se alguém se apresenta duvidando que a Terra é esférica, tem um formato geoide (ainda não pesquisei sobre isso, mas esse termo me parece um pleonasmo: geoide não quer dizer “no formato da Terra”?), eu acho essa uma dúvida válida, e dado o estado precário da nossa educação e o fato de que as nossas observações cotidianas parecem atestar o contrário, essa é uma dúvida pertinente. Alguém desmerecer alguém pelo motivo de apresentar essa dúvida é algo completamente contraproducente, um comportamento de quem efetivamente não se preocupa com a construção do conhecimento em bases científicas. Mas, ao mesmo tempo, acho incongruente que essas pessoas que levantam essa dúvida não busquem falsear essa hipótese; no caso das pessoas que acreditam que a Terra é plana, sempre me pergunto o motivo de elas não comprarem uma câmera com GPS e amarrarem em um conjunto de balões de hélio – através do GPS elas conseguiriam recuperar a câmera e a gravação, o conjunto subiria o suficiente para filmar a curvatura da Terra e a dúvida estaria sanada. Ou, envolvendo um pouco mais de dinheiro, poderiam fretar um voo cuja trajetória só fosse possível caso a Terra seja esférica/geoide; me parece que houve algum adepto da hipótese da Terra plana que lançou um desafio do tipo “faça um mapa de voo que só seja possível com a Terra redonda” e uma pessoa no YouTube conseguiu prová-lo, mas mesmo assim não foi “suficiente”. Quando as pessoas não buscam falsear as suas hipótese ou, pior ainda, quando suas hipóteses são falseadas mas elas se recusam a acreditar, ou então quando alguém que acredita em magia ou homeopatia critica alguém que acredita na hipótese da Terra plana, eu só consigo ver estratégias de acúmulo de poder nisso, a hierarquização do “eu sei algo que você não sabe” tão comum na história da nossa civilização.
A partir disso o Pedro foi concatenando ideias e seguindo sua apresentação, passando pela ideia de que tudo que é vivo pulsa (e o exemplo de que Reich aumentava tanto a magnificação de seus microscópios a ponto de desfocar a imagem, mas lhe permitindo observar a existência de movimento), a ideia de que tudo é conectado, de que há energia nos corpos e entre os corpos. Nesse ponto ele apresentou o trabalho que fizemos nessa aula, que foi um trabalho com escovas (do tipo que os engraxates usam), escovando todo o corpo da pessoas, o que, segundo ele, faria a energia vir para a pele. Ele fez comparação com um ritual indígena aonde, segundo ele, uma vez por ano, os celebrantes se escarificam, “lanhando” todo o corpo como um processo de renovação energética. Fez uma comparação também com a sangria utilizada na acupuntura, aonde é feita a sangria de um ponto aonde há processo inflamatório; esse sangue inicialmente é escuro, e conforme é feita a sangria esse sangue fica claro – segundo o Pedro, esse é um processo energético (sério? Você está tirando sangue de uma região com processo inflamatório, e o fato de, depois de um tempo, esse sangue começar a sair mais claro é um processo energético? Como eu disse, tem questões que forçam um pouco o razoável…).
Antes de iniciarmos o trabalho com as escovas o Pedro sugeriu que fizéssemos um exercício simples: colocar as mãos uma o mais próximo possível da outra, sem encostar, e deixar assim por algum tempo. Durante esse tempo, ele pediu para que prestássemos atenção se havia alguma alteração. Depois de menos de um minuto, pediu que fizéssemos o movimento de afastar e aproximar, repetidamente. Então, nos relatos, tivemos falas sobre formigamento, calor, vibração. O Pedro falou sobre a possibilidade de efeitos que ele atribui à existência de energia serem “subjetivos”, mas afirmou que ele não acredita nisso, que para ele realmente há a energia e o estabelecimento de um campo (ele estava falando no momento sobre a aproximação da mão de um pessoa ao corpo de outra), mesmo que cientificamente seja difícil comprovar isso.
Em um momento de sua exposição o Pedro trouxe o caso de Phineas Gage, um trabalhador da construção de ferrovias que sofreu um acidente de trabalho que fez uma barra de metal atravessar a sua cabeça, destruindo grande parte do lobo frontal esquerdo do seu cérebro, influenciando toda a discussão sobre a relação mente e cérebro, particularmente o debate sobre localização cerebral, pois além de permanecer vivo apesar desse grande dano, Phineas Gage teve uma grande alteração de personalidade ao longo dos seus 12 anos de vida restantes, a ponto de seus amigos declararem que ele não era mais o mesmo. Esse foi talvez o primeiro caso a sugerir o papel do cérebro na determinação da personalidade, e que o dano a partes específicas do cérebro pode induzir mudanças mentais específicas. Esse é, realmente, um caso interessantíssimo para estudo e formulação de hipóteses, mas não faço a mínima ideia do motivo que fez o Pedro trazê-lo nessa aula, pois as posições que ele costuma defender em aula são opostas ao tipo de conclusões que se pode fazer (e que geralmente são feitas) a partir do caso de Phineas Gage.
O trabalho com a escova é bastante simples, é realmente apenas um trabalho de escovar o corpo da pessoa no máximo de superfície possível; segundo o Pedro não há preocupação com o sentido da escovação, pois o objetivo é a superficialização da energia. Fazendo a escovação na parte de trás e na parte da frente do corpo da pessoa, depois o Pedro indicou fazer um trabalho de aproximação das mãos (como no “trabalho da concha”) no corpo da pessoa; segundo ele, o trabalho poderia ser feito no corpo todo da pessoa, mas ele demonstrou em apenas alguns pontos pois não havia necessidade de fazer “completo” para a aula, aonde o objetivo seria apenas “sentir a técnica”.
Depois do trabalho com as escovas e das rodas de impressões, ainda sobrou tempo e, por isso, o Pedro sugeriu um trabalho de alongamento, com todas em pé e formando uma roda; claramente uma atividade que ele pensou ali no momento para ocupar todo o tempo da aula. Embora eu seja parte do time “temos que aproveitar todo o tempo de aula que estamos pagando”, eu sinto que esse tipo de coisa “tapa-buraco” é pior do que liberar a turma mais cedo. A disciplina é sobre técnicas complementares, então esses exercícios de alongamento não serão fortemente aproveitados na clínica e, mesmo que uma vez ou outra se usasse, eu não sinto que esses são exercícios que valha a pena usarmos tempo de aula para fazê-lo. Um outro tipo de exercício, mesmo que fosse mais rápido, mas que trouxesse algum embasamento e se ligasse ao trabalho clínico faria muito mais sentido, mesmo que apenas tangenciasse o trabalho em clínica. Penso, por exemplo, nos exercícios para os olhos do material que recebi no curso de Fitoenergia e Plantas Medicinais que fiz na Agrifom.