24 de janeiro de 2020 – terceira aula de Clínica Psicorporal das Psicoses e dos Transtornos Mentais

Nessa aula o Henrique trouxe a proposta de discutirmos a esquizofrenia e os transtornos mentais. Segundo ele, muitos reichianos afirmam que é complicado trabalhar com a esquizofrenia, pois a teoria reichiana se desenvolveu em cima da neurose, então não haveria muito subsídio teórico para o trabalho corporal com indivíduos esquizofrênicos. Então, uma coisa que achei necessária após a aula foi recorrer aos dicionários e vocabulários de psicanálise para conseguir definições de esquizofrenia, e o que encontrei foi o seguinte:

“Termo cunhado em 1911 por Eugen Bleuler, a partir do grego schizein (fender, clivar) e phrenós (pensamento), para designar uma forma de loucura a que Emil Kraepelin dera o nome de “demência precoce”, e cujos sintomas fundamentais são a incoerência do pensamento, da afetividade e da ação (chamada Spaltung ou clivagem), o ensimesmamento (ou autismo) e uma atividade delirante.
Contornado por Sigmund Freud, que preferia falar de “parafrenias”, o termo impôs-se, entretanto, na psiquiatria e na psicanálise, para caracterizar, ao lado da paranóia e da psicose maníaco-depressiva proveniente da melancolia, um dos três componentes modernos da psicose em geral”
– Dicionário de Psicanálise, Roudinesco e Plon, pg. 189<

“Termo criado por E. Bleuler (1911) para designar um grupo de psi­coses cuja unidade Kraepelin já mostrara, reunindo-as no capítulo “de­mência precoce” e distinguindo nelas três formas, que se tornaram clássicas: a hebefrênica, a catatônica e a paranóide.
Ao introduzir o termo “esquizofrenia” (do grego σχίζειν, fender, clivar, e φρήν, espírito), Bleuler pretende evidenciar aquilo que constitui para ele o sintoma fundamental daquelas psicoses: a Spaltung (“dissociação”). O termo impôs-se em psiquiatria e em psicanálise, independentemente das divergências dos autores sobre aquilo que garante à esquizofrenia a sua especificidade e, portanto, sobre a extensão desse quadro nosográfico.
Clinicamente, a esquizofrenia diversifica-se em formas aparente­mente muito dessemelhantes, em que se distinguem habitualmente as seguintes características: a incoerência do pensamento, da ação e da afetividade (designada pelos termos clássicos discordância, dissociação, desagregação), o afastamento da realidade com um dobrar-se sobre si mesmo e predominância de uma vida interior entregue às produções fantasísticas (autismo), uma atividade delirante mais ou menos acentuada e sempre mal sistematizada. Finalmente, o caráter crô­nico da doença, que evolui segundo os mais diversos ritmos no senti­do de uma “deterioração” intelectual e afetiva, e resulta muitas vezes em estados de feição demencial, é para a maioria dos psiquiatras um traço fundamental, sem o qual nâo se pode diagnosticar esquizofrenia”
– Vocabulário de Psicanálise, Laplanche e Pontalis, pg. 158

“Termo cunhado pelo psiquiatra suíço BLEULER. Até então a esquizofrenia era conhecida como demência precoce. FREUD não gostava de nenhum desses dois nomes – utilizava a terminologia de neurose narcisista – e chegou a propor a denominação de parafrenia para caracterizar essa forma de psicose.
Mais precisamente a partir do Caso Schreber (1911), FREUD considerava que a característica principal dessa psicopatologia psicótica, consistia num desapego da libido do mundo exterior e sua regressão para o ego, diferentemente das neuroses, nas quais a libido é investida em objetos substitutos. FREUD também dedicou-se a estabelecer diferenças entre a esquizofrenia e a paranóia, sempre dentro de uma perspectiva da conflitiva edípica, porém, na verdade, ele nunca se aprofundou no estudo dos transtornos esquizofrênicos.
Ademais, manifestava abertamente sua descrença quanto à indicação do tratamento psicanalítico para esses pacientes, sob a alegação principal de que, se eles retiram a libido do exterior, não se formaria a transferência, e como essa é a condição sine qua non para a análise, essa ficaria impossibilitada.
M. KLEIN, com os seus estudos relativos ao desenvolvimento emocional primitivo do bebê, trouxe uma inestimável contribuição para uma melhor compreensão dos psicóticos, de sorte que alguns importantes psicanalistas, pacientes e seguidores dela, como H. SEGAL, ROSENFELD, BION e, posteriormente MELTZER, praticaram tratamento psicanalítico com pacientes esquizofrênicos, com brilhantes resultados acadêmicos, ainda que com duvidosos resultados terapêuticos.
Comentário. É útil lembrar que a palavra esquizofrenia resulta dos étimos gregos schizos, corte, cisão + phrenes, mente. O último também quer dizer diafragma. A relação entre diafragma e mente decorre do fato de que o poeta Homero observara que ‘quando uma pessoa pensa e se expressa, o seu diafragma sobe e desce’”
– Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise, Zimerman, pg. 129

Ele foi continuando a aula apresentando a conjuntura de desenvolvimento do século XX, aonde o avanço tecnológico foi produzindo mudanças profundas na estrutura social, econômica e política da sociedade (eurocentrada, vale ressaltar); no campo da saúde isso se refletiu como uma promessa de vida saudável, inclusive transportando isso para o campo cultural, o que se percebe nos discursos de legitimação da dominação e colonialismo cultural. A saúde, o ser saudável, então, era representada por uma certa forma de ser e de se comportar em sociedade. A loucura, nesse cenário, surge como categoria de todas aquelas pessoas que não se adequavam ou se encaixavam nesses modelos ditos sãos de comportamento. Mulheres que não se submetiam aos caprichos autoritários de seus maridos, eram trancadas em manicômios com diagnósticos de loucura; pessoas insatisfeitas com o sistema social vigente e que se revoltavam com o mesmo eram classificadas como loucas. Foucault apresente em sua “História da Loucura” como o louco passou de figura bem vista na cidade medieval (recusar comida ao “louco da cidade” que batia à sua porta era um ato impensável) a indivíduo merecedor de isolamento e clausura – claro, com a ascensão do capitalismo o principal valor era o da produtividade, e o louco seria o improdutivo por excelência.

Um grande avanço que a psicanálise instaura nesse cenário é a proposição de que a loucura não precisa ser, ao menos não unicamente, tratada com métodos brutais como internação compulsória, eletrochoques, banhos gelados e tantos outros praticados nessa época. A psicanálise trás a ideia de que os problemas neuróticos como a histeria e a obsessão poderiam ser tratadas através da palavra, da recuperação da história do indivíduo e do diálogo. Inicialmente não tendo sido muito bem recebida, a psicanálise encontra maior recepção após a 1ª Guerra Mundial, devido ao grande número de indivíduos que retornam da guerra com sérias sequelas mentais dos horrores vividos no conflito; indivíduos esses, muitas vezes, que não podiam ser simplesmente classificados como loucas e jogados em um manicômio por sua posição social, econômica ou mesmo militar; além, obviamente, do próprio número inchado de pessoas que voltaram da guerra nessa situação. O capitalismo, claro, foi muito hábil também em transformar essas situações em uma fonte de lucro, e um grande braço disso foi a introdução dos psicofármacos; criando-se síndromes e transtornos, é possível se criar uma terapêutica para eles que dependa de medicações, e isso movimenta uma indústria que foi se agigantando com o tempo, até chegar no cenário que chegamos hoje.

Uma situação que me lembra muito isso é a do medicamento Truvada, que é utilizado no tratamento da AIDS; em uma audiência pública nos Estados Unidos, a congressista Alexandra Ocasio-Cortez perguntou ao CEO da companhia que produz o remédio, Gilead, por que motivo o tratamento mensal com o Truvada custa 1780 doláres, enquanto que na Austrália custa 8 doláres, e a resposta foi que “o Truvada é protegido por patentes nos Estados Unidos, enquanto que na Austrália é um medicamento genérico”. Ou seja, a mesma empresa, produzindo o mesmo remédio, cobra 1772 dólares a mais pelo tratamento mensal apenas por uma questão de patentes! É importante frisar, mesmo que seja óbvio, que a empresa continua buscando e obtendo lucros mesmo com a venda do medicamento na Austrália, por 8 dólares. E a justificativa da empresa para uma discrepância de 1772 dólares no preço entre um e outro país é somente a existência de uma patente sobre o medicamento; não existem custos maiores envolvidos, impostos, leis mais rígidas, nada desse tipo, apenas uma patente. Em outras palavras, eles cobram esse preço porque podem, simplesmente porque podem; não porque devem, não porque precisam, mas porque podem. Como olhar isso e não entender (não é achar) que tem algo fundamentalmente errado com o capitalismo? Aqui cabe perfeitamente uma ótima citação de Reich: “o que se pretende explicar não é por que motivo o esfomeado rouba ou o explorado faz greve, mas por que motivo a maioria dos esfomeados não rouba e a maioria dos explorados não faz greve”. Eu, de verdade, estou aqui disposto e esperando por essa resposta. E como é importante trazer provas daquilo que se afirma, queria deixar aqui algumas fontes sobre isso (infelizmente, a maioria não é em português): https://www.universoaa.com.br/bem-estar/quanto-vale-se-manter-livre-do-hiv-como-aderir-ao-truvada-investindo-menos-de-10-reais-por-dia/, https://www.cuballama.com/blog/ocasio-cortez-cuestiona-precio-de-medicamento-truvada-cuesta-1780-en-eeuu-y-8-en-australia/, https://www.afr.com/world/north-america/americans-pay-us2000-for-drug-costing-aussies-less-than-6-20190517-p51odk, https://www.youtube.com/watch?v=3NJ618TQwk0.

Assim como o Henrique fez questão de frisar na aula, aqui também é relevante deixar claro que nada disso significa que remédios não são necessários – por mais que se faça um escrutínio milimétrico do que eu escrevi, não se poderá achar nada nesse sentido nessas linhas. Em minha construção identitária, uma das minhas identificações é como livre de drogas, pois eu acredito que devemos buscar o fortalecimento e manutenção da consciência, não uma alteração desta; mas, mesmo dentro dessa concepção, eu entendo que drogas, sejas elas quais forem, podem ter um efeito terapêutico e, assim, serem usadas para auxiliar na construção de um quadro de melhora de algo que aflige a pessoa. Eu não acredito em duas frases que são muito presentes no senso comum sobre o trabalho terapêutico: “todo mundo deveria fazer terapia” e “terapia é para a vida toda”. Primeiro, porque eu não acredito em nenhum tipo de panaceia, uma coisa que sirva para curar tudo, assim como não acredito em explicações universais, não tanto por acreditar que elas não existam mas mais pela compreensão de que nós não sabemos o suficiente para identificar uma. Terapia é um processo que eu indicaria para aquelas pessoas que passam por sofrimento psíquico e precisam de ajuda para entender e, com isso, superar esse sofrimento, logo não é para todo mundo; e se todo mundo pode ser encaixado nessa descrição (ou mesmo muita gente), é não um sinal de que todas as pessoas precisam fazer terapia, mas sim (mais) um sinal de que produzimos uma sociedade doente e que precisamos fazer revolução – qualquer semelhança com o pensamento de Patch Adams não é mera coincidência. Eu penso que em vários momentos de nossa vida todas nós precisamos de ajuda e, portanto, isso faz parte da experiência humana (não como ontologia, claro, mas como consequência do processo que nos tornou o que somos); mas uma ajuda que seja perpétua não é mais uma ajuda, acaba por ser tornar o oposto disso, gerando uma necessidade que antes não estava ali – e penso que uma tarefa muito importante nas nossas vidas é reduzir as nossas necessidades; quanto mais coisas pudermos fazer pelo prazer próprio de fazê-las, não porque precisamos, melhor acredito que seriam nossas vidas. Assim, uma terapia que seja perpétua não esta, certamente, cumprindo o seu papel. E exatamente por isso é muito importante que cada terapeuta (cada pessoa, na verdade, mas aqui estamos falando de terapia) entenda que estamos em uma sociedade doente e produtora de doenças, em uma civilização que não tem como dar certo, e então que tratar uma pessoa que vive nesse tipo de sociedade e civilização para aceitá-las e se conformar a elas é enxugar gelo, é assoprar o feijão fervendo na panela no fogo na esperança de que ele esfrie; o objetivo da terapia, ou um de seus objetivos, deve ser possibilitar que a pessoa entenda a merda na qual está inserida e que, com isso, possa ser uma agente de mudança de tudo de errado que lhe cerca. Aqui, vale explicitar, não estou dizendo que isso ou aquilo está errado e que o papel da terapeuta é apontar isso; eu certamente tenho minhas convicções sobre o que é certo e o que é errado, mas não acho que meu papel enquanto terapeuta é comunicá-las às pessoas – meu papel como terapeuta é proporcionar um ambiente aonde a pessoa possa perceber o que lhe adoece, a origem disso, e seu lugar nessa situação. E se estamos certas de que uma parte do ser humano é construída socialmente (pode haver discussão sobre o tamanho dessa parte, mas acho improvável que existam dúvidas sérias a respeito da existência dessa parte), não podemos ter dúvidas de que parte dos seus problemas também o são. Uma fala interessante do Henrique nesse sentido veio muito mais pra frente na aula, mas gostaria de inseri-la aqui pois faz sentido no contexto: “a pessoa perde um pai, ela não tem mais direito a ficar de luto, porque ela está deprimida e tem que tomar remédio – entendeu? Você briga com o seu namorado, você deprime, você tem que tomar remédio, entendeu? Você está com medo, você tem síndrome do pânico, vai tomar remédio”; novamente, a questão aqui não é dizer que remédios não são necessários nem que transtornos mentais não existem, mas simplesmente apontar que o curso de ação que a nossa sociedade toma em relação a isso é mito equivocado; para mim, na verdade, é equivocado pois parto de um outro ponto de vista, mas se pensarmos na lógica social em que estamos inseridas, esse curso de ação faz todo o sentido, pois busca gerar respostas imediatas para um mundo cada vez mais apressado e com o mesmo mesmo movimento que proíbe às pessoas tempo para lidar com as suas questões e, assim, se conhecer melhor e poder utilizar a capacidade de auto organização que todo organismo possui.

Nessa esteira, gostei muito de um momento aonde o Henrique foi desenvolvendo uma ideia e perguntou para a turma “é muito fácil para um psiquiatra oferecer uma série de remédios para neuróticos que não precisavam, né, e é muito mais fácil você ter terapêuticas rápidas do que uma terapêutica longa… Aí você fala ‘poxa, mas e o trabalho corporal, é mais rápido do que a palavra?’ – o que vocês acham?”. Houve algum silêncio e, como ninguém parecia desejar responder, eu disse o seguinte: “Eu acho que não tem um a priori, né? O próprio Reich vai colocar que o trabalho corporal, pelo menos nas descrições de caso que ele dá, não é um a priori, ele nasce da observação, do que ele está vendo da necessidade daquele caso. Eu acho que sempre essa… o que vai ditar a velocidade eu acho que é a qualidade do contato da relação que se estabelece ali”. O Henrique concordou, dizendo “uma coisa básica é: o trabalho corporal, ele não é melhor ou pior, mais rápido ou mais curto do que um trabalho pela palavra. Tudo depende da relação que você constrói e do contato que você tem com o analisado como analisante”. O que fica óbvio com isso é que o trabalho terapêutico analítico é a construção de uma relação, uma específica, que não é de coleguismo, de amizade, de trabalho ou de amor mas, como todas elas, é uma relação que demanda tempo para ser construída. Muito da tônica dessa aula foi em relação à construção dessa relação, da sua importância geral e da necessidade específica que na clínica das psicoses essa relação seja construída com muito cuidado e atenção.

O Henrique trouxe uma citação do Reich sobre esquizofrenia, aonde o autor diz o seguinte “(…) o mundo esquizofrênico é uma mescla de misticismo e inferno emocional humano, de penetração através de uma visão distorcida de Deus e o Diabo, sexualidade pervertida e moral asséptica, de sanidade em seu grau de genialidade mais elevada à demência nos seus abismos mais profundos, tudo fundido em uma só e terrível experiência”. O que me chamou imediatamente a atenção nessa definição foi como ela não contém o elemento de cisão do qual o próprio termo esquizofrenia se origina mas, ao contrário, ela trás exatamente uma ideia de junção, de “tudo fundido”, de extremos que parecem incompatíveis acontecendo ao mesmo tempo. Outra coisa que me chamou a atenção depois, refletindo sobre essa citação, é como ela não se encaixa com alguns poucos relatos que vi recentemente de pessoas esquizofrênicas. Existe um canal muito interessante no YouTube chamado Special Books By Special Kids (Livros Especiais Por Crianças Especiais), onde um rapaz entrevista pessoas de todas as idades com diferentes diagnósticos, de distúrbios mentais a distúrbios genéticos; entre as pessoas entrevistadas existem algumas com diagnóstico de esquizofrenia, alguns inclusive combinados com outros diagnósticos (autismo, síndrome de Tourette, transtorno esquizafetivo). A primeira vez que vi um vídeo de alguém com esquizofrenia foi a fala no TEDx da Cecilia McGough (https://www.youtube.com/watch?v=xbagFzcyNiM – possui legendas em português), e ela também é entrevistada pelo Chris Ulmer do canal Special Books By Special Kids (https://www.youtube.com/watch?v=7csXfSRXmZ0 – também possui legendas em português); os dois vídeos são interessantes de assistir embora a história dela seja a mesma, mas no TEDx ela fala mais sobre sua história, enquanto na entrevista a questão de como ela experiencia a esquizofrenia e de como ela gostaria de ser vista é mais abordada. E é aqui que eu acho que reside a potência do canal SBSK: o objetivo das entrevistas é justamente mostrar como as pessoas vivem com (e apesar de) seus diagnósticos, com suas condições e como gostariam de ser vistas pelas outras pessoas. Como subtexto em todas as entrevistas que eu assisti desse canal está a ideia de que todas essas são experiências constitutivas da condição humana, são coisas que por mais diferentes daquilo que estamos acostumadas a ver conseguimos facilmente nos relacionar e, minimamente que seja, compreender as dificuldades. Outra entrevista que assisti no canal relacionada com a esquizofrenia é a do Daniel, que tem transtorno esquizoafetivo (https://www.youtube.com/watch?v=GU8VmJsX6-s – legendas em português); esse é um ótimo vídeo para mostrar a potência do canal, pois reparem na primeira pergunta que é feita, aquela que abre o vídeo, e o que o entrevista fala como resposta. Outro vídeo muito interessante que toca no mesmo assunto é o “Strange answers to the psychopath test” (respostas estranhas ao teste de psicopatia), uma fala no TED de Jon Ronson (https://www.youtube.com/watch?v=xYemnKEKx0c – novamente, legendas em português disponíveis) aonde ele vai questionar se existe uma linha que divida a sanidade de loucura, em uma apresentação brilhante e muito bonita. Eu conheci o trabalho de Ronson em outro vídeo dele no TED, esse chamado “How one tweet can ruin your life” (Como um tweet pode arruinar a sua vida – https://www.youtube.com/watch?v=wAIP6fI0NAI também com legendas disponíveis em português), aonde ele usa alguns exemplos para discutir comportamento de manada, linchamento e outras coisas – na minha visão, uma fala necessária para todas as pessoas, e que certamente nos ajuda a entender que existe um problema com as redes anti-sociais e não apenas com a forma como nós as usamos, que não existe ferramenta neutra (não acho que seja essa a visão de Ronson, mas eu certamente vejo isso no que ele trás). Fiz questão de indicar nos cinco vídeos que possuem legendas em português como uma tática para que quem quer que esteja lendo essas linhas dê uma chance a esses vídeos e vá assistí-los, pois acredito que todos eles nos colocam no lugar de ouvir as experiências de outras pessoas sem achar que nós já as entendemos, ou ao menos facilitam muito esse movimento. Reich, na citação que o Henrique trouxe, se entende no direito e capacidade de definir a experiência da esquizofrenia mesmo não se entendendo como esquizofrênico; talvez esse comportamento, tão comum em discursos da área de psicologia e psicoterapia que venho lendo e acompanhando, tenha uma origem comum com muitas das coisas que venho criticando com certa frequência nesses relatos. Achar que você tem um “manual do ser humano” é não entender, no mínimo, como o conhecimento confiável se produz, e isso é um grande problema quando você se propõe, justamente, a produzir conhecimento confiável.

A aula foi, em sua maioria, construída a partir de relatos de casos e histórias que o Henrique trouxe sobre a sua prática clínica, focando nos atendimentos de casos de psicose e esquizofrenia. A cada história, a cada caso, ele fazia generalizações e dentro delas ia estabelecendo alguns conceitos práticos e criando exemplificações. Um exemplo que achei interessante trazido pelo Henrique foi o do traficante Elias Maluco, preso em 2002 depois de um cerco policial de 50 horas no Complexo do Alemão que se seguiu ao assassinato do jornalista Tim Lopes, sendo que Elias Maluco já acumulava outros processos e era acusado de responsabilidade por mais de 60 outras mortes. Segundo o Henrique, a “postura de bandidão” de Elias Maluco pode ser vista como indicativo de psicose o que, para ele, se confirma com o fato de Elias Maluco ter sido encontrado embaixo de uma cama e sair de “todo mijado” – para o Henrique, a psicose se caracteriza por um núcleo infantil na personalidade do indivíduo. Em tudo que pude pesquisar por aqui não encontrei nenhuma informação que pudesse endossar isso; realmente Elias Maluco ficou escondido no barraco de dois idosos durante esse cerco policial, algumas reportagens falam em granadas, mas todas apresentam que não houve resistência no momento da prisão. Independente da precisão ou não da informação, acho interessante esse exemplo por mostrar a forma como o Henrique pensa e entende esses fenômenos, o que é uma amostra de como reichianos pensam e entendem esses fenômenos.