21 de dezembro de 2019 – segunda aula de Vegetoterapia II

  A Denise iniciou anunciando que a aula seria sobre os dois primeiros segmentos, o ocular e o oral, e que somados ao cervical foram o grupo de segmentos ligados à vinculação, ao estabelecimento do vínculo. Segundo ela, a principal função do segmento ocular (que, vale lembrar, abrange o topo da cabeça, toda a parte de trás da cabeça até próximo do início do pescoço, o nariz e as orelhas) seria o contato, tanto com o mundo quanto com “o outro”, assim como o seu contrário, a dissociação. Esse é mais um ponto que mostra que faz bastante sentido a indicação de Federico Navarro de que o processo terapêutico na vegetoterapia sempre inicie pelo segmento ocular, pois assim terapeuta e paciente criarão o vínculo terapêutico ao mesmo tempo que se trabalha a dissolução ou afrouxamento da couraça ocular que impediria esse contato. Mais uma vez a Denise insistiu, como fez na aula anterior, na importância do terapeuta estar atento ao paciente a todo momento, aos seus gestos, seus desvios de olhar, suas atitudes. Seguindo com algumas informações e exemplos, ela foi reforçando essa importância da atenção no segmento ocular, e aí disse que deveríamos ter essa atenção mesmo ali, com o olhar das outras pessoas, de nós mesmos… e me usou de exemplo, perguntando o que eu pensava em relação ao meu segmento ocular, eu disse que nunca havia prestado especial atenção a esse segmento e então ela perguntou para a turma o que achavam do meu segmento ocular, e, depois de alguns segundos de silêncio e observação, surgiram algumas coisas como “os olhos dele ficam mais fechados quando ele sorri”, “uma inocência, mas não algo infantil”, “sinto uma curiosidade no olhar dele”, “olhar brilhante, como se os olhos estivessem úmidos”, e enquanto as pessoas falavam e me olhavam, eu lembrei de duas coisas e falei, a primeira foi que eu sempre me espantei em como as pessoas não conseguem “ficar vesgas” sem utilizar o recurso de olhar para o nariz enquanto eu sempre tive essa facilidade, e a segunda é que eu somente consigo piscar o olho esquerdo, não consigo piscar o direito. Imediatamente após eu falar isso várias pessoas ficaram piscando seus olhos e vendo se conseguiam piscar os dois e tentando envesgar sem olhar para o nariz, aí a Denise falou que ela também só conseguia piscar o olho esquerdo, então várias pessoas disseram que nunca tinham prestado atenção nisso e tantas outras disseram que não conseguiam também piscar os dois olhos isoladamente.

  Desenvolvendo sobre o segmento ocular, muitas outras coisas foram sendo trazidas como, por exemplo, que o trabalho terapêutico com o segmento ocular desperta emoções “muito primitivas”, que possui relação com o olhar da mãe para o bebê e mais elementos nesse sentido, até um momento aonde foi falado da interpretação reichiana dos problemas oculares, miopia, hipermetropia e astigmatismo. Como já ouvi nas aulas do IFP algumas vezes, a ideia é que a miopia representa o medo, pois traz a necessidade de ter tudo perto; a hipermetropia seria o caso da pessoa que não suporta a intimidade, que tudo tem que ser afastado; e o astigmatismo representaria a melancolia, “a pessoa que enxerga o mundo entre lágrimas”, segundo Reich. Mesmo que essas ideias sejam apresentadas como “tendências”, acho muito complicadas essas associações automáticas de “isso = aquilo”; não estou dizendo que associações automáticas são erradas, claro que não, a realidade se apresenta tal como é e certas coisas são assim mesmo, A leva a B e pronto. Mas essas conjecturas reichianas são sempre de passos muito largos, de associações simples demais com explicações causais de menos… E isso sempre é potencializado, ao menos no que posso observar, por uma tendência que existe no campo reichiano de as pessoas apreciarem esse tipo de resposta e utilizarem-nas como coisas dadas, mesmo sem proceder a uma investigação minuciosa e comprometida com isso. Como já disse outras vezes, aprecio em Reich a sua preocupação com a construção do conhecimento de forma científica, mas sinto que falta muito aos reichianos essa mesma postura, falta criticidade mesmo, falta duvidar, experimentar, confirmar e falsear. Mesmo alguém que atendeu 100 pacientes miopes e todos apresentavam o medo como um forte sintoma de suas condições não poderá afirmar que a miopia se relaciona com o medo; claro, ela terá um forte indício para aventar essa hipótese, mas a isso deveria se seguir um estudo metódico, buscando fazer uma pesquisa séria e contribuir para a construção do conhecimento na área.

  Já em relação ao segmento oral, as emoções básicas de afeto e de defesa, segundo a Denise, seriam o sugar e o vomitar – isso, claro, entendido em um sentido mais amplo do que o imediatamente apreendido por esses dois termos. Aquilo que você traz para dentro de si, o que você deixa entrar, aquilo que você se esforça para que entre, e aquilo que você rejeita, aquilo que uma vez dentro de você é expulso, é expelido, aquilo que faz mal a ponto da única opção ser o regurgitar; e também, claro, o oposto, como aquilo que você se fecha a receber, aquilo que você se esforça para que não entre, e aquilo que mesmo fazendo mal você não consegue expelir, não consegue vomitar. Algumas outras funções podem ser ligadas ao segmento oral, como o dizer sim ou dizer não, o falar alto ou falar baixo, a relação com o silêncio, a agressão do morder.

  Essa parte expositiva durou aproximadamente metade da aula, então a Denise pediu que uma pessoa se voluntariasse para a demonstração do trabalho prático de intervenção biofísica. Uma característica que eu acho interessante na didática da Denise é que quando ela faz perguntas sobre características corporais de alguém que se voluntariou, algumas vezes (infelizmente não é sempre) ela pede maior detalhamento do que as pessoas falam – por exemplo, nessa aula alguém disse “vejo uma postura de prontidão” e ela devolveu “aonde você vê essa postura de prontidão?”, e assim a pessoa teve que explicar melhor a sua colocação. Eu acho isso positivo pois muitas vezes no terreno da psicoterapia e do trabalho reichiano rola um “tudo vale” – obviamente qualquer pessoa que se situe nessas teorias irá negar isso de pronto, eu mesmo não estou afirmando que isso é exatamente assim (não me coloquei a refletir e fazer testes para confirmar ou negar essa hipótese), mas muitas vezes tenho essa impressão nítida, em pouquíssimas situações desse tipo os professores corrigem as impressões dos alunos (pode ser que as pessoas sempre digam coisas que fazem sentido? Claro que sim; mas dado o contexto e as coisas que são ditas, essa hipótese se fragiliza), e algumas vezes coisas claramente contraditórias são ditas e nada é discutido sobre isso.

  A parte demonstrativa começou com uma observação da pessoa que se voluntariou, com a turma apenas olhando-a deitada, respirando, e então a Denise perguntou as impressões, algumas coisas foram ditas, e nisso ela iniciou algumas intervenções no corpo da pessoa, colocando um pouco de pressão aqui, massageando acolá, fazendo uma curta e intensa sessão de cócegas, pediu que a pessoa vocalizasse durante a respiração… Disso ela entrou em um diálogo analítico, perguntando coisas sobre o passado da pessoa, suas relações com a família e toda essa coisa que psicanalista/reichiano gosta tanto. Em outro momento ela fez intervenções no segmento oral, pedindo que a pessoa tentasse morder a palma da mão dela (que ela colocava aberta sobre a boca da pessoa, de forma que a pessoa nunca conseguisse efetivamente morder), depois colocou dois dedos dentro da boca da pessoa e pediu pra ela morder, depois pedindo para a pessoa morder esses dedos e ficar assim por algum tempo. Algumas pessoas nesse momento perguntaram sobre a possibilidade de machucar, afinal a pessoa poderia morder com muita força e efetivamente machucar a mão dela; isso instantaneamente me fez pensar que, mais uma vez, temos um exemplo do “vale tudo” desses campos pseudocientíficos: se a pessoa morde com essa preocupação de não machucar, haverá uma interpretação no sentido do controle, do medo, do não se entregar, da reticência, enquanto que se a pessoa acaba mordendo mais energicamente e até de forma que machuque haverá também uma interpretação no sentido do sadismo, do descontrole, da raiva contida e todas essas coisas – ganharia muito dinheiro quem apostasse que todas essas interpretações apontariam para a vontade de matar o pai para comer a mãe, o tão querido (e, talvez, delirante) Complexo de Édipo da galera da psicanálise. Ou seja, sempre tudo tem uma explicação conhecida pelo terapeuta e que invariavelmente reforça a sua teoria, mas com as conclusões sempre tiradas a posteriori – se o paciente morde forte a mão do terapeuta, é porque tem uma raiva guardada da sua mãe, que lhe enfiava comida na boca mesmo contra sua vontade; mas se o paciente informa que não teve mãe e que ninguém nunca desempenhou com ele esse papel, pronto, aí está a resposta, pois a raiva que tem é justamente da mãe que lhe faltou e não lhe alimentava. Voltando ao trabalho de intervenção, depois a Denise também fez um trabalho com uma toalhinha, provocando a pessoa a mordê-la enquanto tirava-a de seu alcance, pedindo para a pessoa vocalizar agressivamente, como um rosnado, enquanto fazia isso, e depois trabalhou também com o reflexo do vômito e com bocejos.

  A parte da prática em duplas acabou sendo muito curta e não tão interessante, acredito que pela falta de tempo, pois a exposição e a demonstração prática tomaram a maior parte do tempo, sobrando menos de meia hora para o trabalho em duplas, que consistiu em uma massagem simples visando modificar algum bloqueio que a pessoa que fazia o papel de terapeuta tivesse observado inicialmente na pessoa. Como a turma estava cheia, não havia lugar na sala suficiente para que todas formassem duplas, então alguns poucos trios foram formados (a terceira pessoa ficava observando) e duas pessoas que estavam de ouvintes na aula (no IFP, quando você já fez um curso e ele é oferecido novamente você pode assisti-lo novamente como ouvinte, sem pagar por isso) optaram por não fazer a prática.

2 thoughts on “21 de dezembro de 2019 – segunda aula de Vegetoterapia II

  1. Olá Emerson!
    Muito obrigada pela visita e pelo comentário. Entendo perfeitamente o que você diz sobre a preguiça, realmente é complicado reunir empolgação (ou seja lá qual for o antônimo de preguiça) para visitar ou acompanhar relatos ou coisas ligadas a algo que não é do seu campo de interesses imediatos. Além do mais, dizem que a preguiça é a mãe de todos os pecados, e mãe a gente tem que respeitar.
    Fico muito feliz que tenha visto alguma qualidade no relato e que este até tenha lhe levado a imaginar – já fez muito mais do que eu pensava. Se existe alguma qualidade nesse e em outros textos que produzo, parte dela se deve às pessoas que me cedem gentilmente parte do seu tempo em conversas e reflexões, e você sabe que é uma dessas pessoas – então parte dessa qualidade que você aqui enxergou é devida também a você! Mais uma vez, muito obrigada!

    Beijoca,
    Marcus

  2. Olá, seu lindo. Tem um tempo que penso em visitar esse espaço, mas sabe como é (preguiça). Achei incrível a descrição, viajando em imaginar as paradas. Como cai de paraquedas, ainda estou perdido com os relatos/aula,mas devo procurar mais coisas pra me situar. Mas é isso, parabéns pela escrita.

    bjus
    até

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