10 de agosto de 2019 – quarta aula de Vegetoterapia I

O Pedro iniciou essa aula fazendo uma pequena revisão sobre os segmentos corporais, falando um pouco sobre as localizações, as superposições, as relações dos segmentos com alguns tipos de caráter e a relação dos segmentos uns com os outros (o corpo não é fragmentado; e eu interpreto que mesmo essa divisão em segmentos, que segundo o próprio Pedro não é encontrada no texto reichiano, não pode ser interpretada como algo objetivamente detectável na constituição física, mas mais como uma metáfora do funcionamento da relação soma psiquê). Reforçou a ideia de que as pessoas nascem com um quantum energético que não se altera durante a vida; esse é outro ponto que não consigo entender como as pessoas que trabalham com esse paradigma da energia conseguem manter em relação com outros pressupostos reichianos, e mesmo com o que dizem observar da realidade. Por exemplo, fala-se muito em “descarregar as energias”; nessa concepção de que nascemos com um quatum inalterável de energia, essa ideia se complica – não torna impossível a relação entre as duas ideias, claro, pois poderia ser que ao descarregar uma energia você imediatamente se recarrega de outra. Ou então pode-se postular que o que se está chamando de “quantum de energia” é, na verdade, um “teto”, um limite da quantidade de energia que o organismo pode armazenar e fazer fluir; essa seria uma ideia que faz mais sentido, no meu entender, mas que desarmoniza com o restante da teoria reichiana pois, como o próprio Pedro já falou em outra ocasião, “Reich tem muita fluidez”, e mesmo toda a observação possível do organismo humano em funcionamento aponta para uma constante superação dos limites e da sempre presente possibilidade de expansão das capacidades através do treino. Um indivíduo com bronquite asmática, por exemplo, que tenha dificuldade de respirar em situações de atividade física, pode ter que lidar com essa condição durante toda a vida (alguns casos de bronquite asmática podem ser curados, mas a maioria não); mesmo não se curando da condição, um indivíduo pode aumentar a sua capacidade pulmonar com exercícios e treinamento respiratório a ponto de nunca mais ter o incômodo da falta de ar – não significa que ele não tem mais a condição, ou seja, sua capacidade respiratória ainda é diminuída, mas ele a elevou a tal ponto que não sentiu mais a dificuldade de respirar no seu cotidiano. Por que o mesmo tipo de coisa não poderia ser feito com essa capacidade de armazenamento e fluxo de energia? Como se sabe que, existindo essa energia, o indivíduo nasce com uma certa quantidade dela e não consegue alterar essa quantidade ao longo da vida? Depois o Pedro fez uma fala interessante nesse sentido: “A gente pensa assim: ‘ah, estou vivendo uma tristeza da minha infância’. Mas energeticamente não é a mesma coisa que está acontecendo ali; o que aconteceu na sua infância já se dissipou no mundo, né? Tanto as energia, quanto as mudanças fisiológicas… tudo já se dissipou. É uma renovação… e aí eu acho interessante o Freud, né, porque ele fala de um precipitado, que as emoção são construídas como um precipitado da primeira emoção básica e que a partir daí, quando é estimulado aquele tipo de emoção, esse precipitado, essa estrutura (que seria uma estrutura psíquico orgânica) reproduz uma qualidade emocional. Mas não é ipsis litteris a mesma energia nem o mesmo funcionamento fisiológico”; essa fala dele traz mais dados para pensar essas relações, acredito que corroborando com os questionamentos que fiz.

Em um momento o Pedro pontuou que, no seu entender, o processo terapêutico precisa ser muito cuidadoso – ele usou a palavra “orgânico”. Falou sobre a necessidade de nós, enquanto terapeutas, compreendermos os limites do paciente (criados pelo próprio equilíbrio neurótico) e “ir apenas um passinho à frente”. Aí lembrou do “Processo Fischer-Hoffman”, segundo ele um retiro de um mês aonde o indivíduo se isolava de seus contatos de amizade e família, fazendo vários “trabalhos intensivos” (como escrever cartas às pessoas da família dizendo tudo o que não gostava nelas) de manhã até à noite; segundo o Pedro, depois desse processo aparecer por aqui ele recebeu em sua clínica “muita gente surtada; muita, não foi pouca”, pois esse processo não respeitaria esses limites do indivíduo, não permitindo “que o organismo assimilasse aquela consciência e aquela transformação”. Aí alguém disse “hoje isso é coaching, né”, e o Pedro respondeu “Ah, o coaching não chega nem perto… Porque o coaching é racional, não tem risco – quando você trabalha no racional você não tem risco”.

Achei interessante uma comparação que o Pedro fez: “Existe uma leitura, que é a teoria do caos, que há uns dez anos fez muito sucesso, mas que tem uma formulação que eu acho bem interessante. Na verdade a potência orgástica é o que eles chamam de um ‘atractor’; um atractor é um ponto de referência que está sempre fora do sistema, o sistema todo deve convergir para esse atrator mas nunca chega a ele”. A analogia foi muito boa para pensarmos qual deve ser o objetivo do processo terapêutico e mesmo do nosso processo de vida, mas os conceitos não estão precisamente colocados e definidos. O conceito de atractor não é da teoria do caos, mas sim do campo matemático dos sistemas dinâmicos; é um conjunto de valores numéricos para o qual um sistema tende a evoluir independente do ponto de partida. Um exemplo bem ilustrativo mas um tanto raso é de uma bola em uma rampa: devido à gravidade e ao atrito, o atractor desse sistema é o movimento zero da bola na parte mais baixa da rampa. Esse exemplo mostra também que, em sistemas fechados, objetos isolados chegam sim ao estado descrito pelo atractor. Um atractor pode ser um ponto, uma série finita de pontos, uma curva, uma variedade (um tipo de espaço topológico) ou mesmo um conjunto complicado com estrutura fractal chamado de atractor estranho. Descrever os atratores de sistemas dinâmicos caóticos tem sido uma das conquistas da teoria do caos. Ou seja, novamente: a analogia feita foi muito boa, mas os conceitos não estavam corretamente empregados.

A parte prática da aula foi o acting da medusa: formando duplas, uma pessoa deitava no colchonete, os braços ao longo do corpo e as pernas dobradas (com a planta dos pés no chão/colchonete), enquanto a outra observava. O Pedro ia passando instruções para as pessoas que estavam deitadas, na seguinte ordem, sempre ao exalar (pela boca): mover os dedos das mãos levemente para baixo, buscando abaixar os ombros; jogar a cabeça para trás; forçar a lombar contra o chão; abrir um pouco as pernas. A pessoa que observa então deveria buscar perceber bloqueios no corpo da pessoa durante esses movimentos respiratórios; depois desse momento, a pessoa que estava observando deveria massagear (sem uma técnica específica) os pontos no corpo da pessoa aonde localizou bloqueios. Após essa massagem, a pessoa deveria voltar à respiração com os movimentos do acting, dessa vez sem uma indicação do Pedro, seguindo livremente o que havia aprendido no primeiro momento da atividade; a pessoa que fez a massagem, então, deveria observar novamente para ver se a sua intervenção havia provocado alguma modificação no movimento respiratório da pessoa.

Um detalhe em uma fala do Pedro me chamou a atenção; uma dessas coisas simples mas que deixam avisos importantes quando conseguimos ir juntando os elementos e acumulando as referências. Alguém perguntou o motivo da respiração ter a exalação oral, se era algum trabalho com o segmento, e o Pedro disse que não, que simplesmente era para que a pessoa exalasse mais ar (a boca possibilita uma maior exalação por ser uma abertura maior que as narinas) o que, consequentemente, possibilitaria uma respiração mais ampla e mais “renovada”, pois esvaziar mais os pulmões possibilita a entrada de mais oxigênio, não deixando o ar saturado de CO2 nos pulmões. Então ele reforçou que era apenas uma técnica para aprofundar a respiração, mas que você também poderia utilizar se quisesse perceber algum bloqueio na respiração da pessoa, e citou que teve uma paciente que, ao iniciar o trabalho de respiração com ela recomendou que ela fosse ao médico, pois deveria ter algum tipo de bloqueio no canal respiratório, como um desvio de septo ou algo assim. Esse é o ponto que achei interessante: mais um exemplo aonde um charuto é só um charuto; embora seja plenamente especulativo da minha parte, consigo imaginar muitas das pessoas da formação já construindo altas hipóteses diagnósticas em cima de uma pessoa com dificuldades para respirar, mesmo que essa fosse “simplesmente” causada por um desvio de septo – termos como “bloqueio”, “desintegração”, “angústia de castração” e por aí vai apareceriam interligados com várias construções mirabolantes sobre o caráter da pessoa e seus conflitos infantis.