30 de junho de 2019 – Segunda aula de Técnicas Complementares do Trabalho Reichiano

  Nessa aula, o Pedro trouxe algumas lanternas para fazermos os trabalhos desse encontro em cima dessa técnica; eu estava um pouco curioso para ter contato com isso, pois é uma coisa que ouço muito comentário quando o assunto são as técnicas de vegetoterapia – é “lanterna isso” pra cá, “lanterna aquilo” pra lá e coisas assim. Basicamente é um trabalho com o segmento ocular que utiliza uma lanterna como ponto focal, facilitando a atenção e acompanhamento desse ponto por parte do paciente; não entendi, assim, o motivo de tantos comentários acerca disso. Não há dúvidas de que é uma técnica interessante, mas me pareceu muito mais um acréscimo de ferramenta na técnica de pedir que o paciente olhe para cá, para lá, acompanhe o dedo do paciente e coisas assim do que uma nova técnica – novamente, ficou claro para mim que a inclusão da lanterna potencializa e faz todo o sentido com esse trabalho, minha questão é mais com as pessoas falando disso, “a lanterna”, “o trabalho com a lanterna”, como se fosse uma coisa muito avançada ou completamente nova. Foi excelente ter uma aula dedicada a isso, assim pudemos experimentar o trabalho e perceber quais as dificuldades e potências que ele trás.

  Sendo uma aula eminentemente prática, o Pedro já iniciou pedindo que uma pessoa se deitasse para que ele pudesse fazer a demonstração dos movimentos que iríamos utilizar no trabalho. A primeira coisa que ele frisou foi a necessidade de pedir para que o paciente dobre as pernas, ficando com a sola dos pés no colchão – a não ser que a pessoa seja “ligada demais”, caso no qual pode ser interessante deixá-la com as pernas estendidas. O terapeuta fica atrás da pessoa, na sua cabeça – de pé se for numa maca, sentado com as pernas abertas se for num colchão no chão. O trabalho com a lanterna começa colocando o foco dela, a luz, entre os olhos da pessoa, logo acima do nariz – todos os movimentos virão dessa posição inicial. O primeiro movimento sugerido é o de rodar a lanterna, pedindo que a pessoa acompanhe com os olhos, sem mexer a cabeça. Segundo o Pedro, o trabalho com a lanterna trabalha o sistema parassimpático, o que pode levar a pessoa a dormir; no trabalho reichiano, diferente da psicanálise clássica, o dormir nem sempre é uma fuga, pode inclusive ser um bom sinal, mostrando que a pessoa conseguiu relaxar e se abrir um pouco mais, pois dormir é colocar-se numa posição de fragilidade, o que requer algum grau de confiança. O Pedro disse que, na sua experiência, ao colocar a lanterna um pouco mais para trás, a 45 graus, (mas mantendo o seu foco no mesmo lugar), você facilita que o sono venha para a pessoa, pois a obriga a olhar um pouco pra cima, tirando o olho da posição de conforto do olhar para frente, o que provoca um grau maior de esforço.

  A partir de uma pergunta, o Pedro trouxe novamente as suas definições de acirramento e abrandamento que, segundo ele, são duas formas de fazer o trabalho corporal. No acirramento, o trabalho é no sentido de “piorar o bloqueio”, pois esse bloqueio é um equilíbrio, tornando-se fácil de manter; dando o exemplo de uma pessoa muito alerta, o Pedro disse que ao obrigá-la a ficar mais alerta ainda (a ideia de tirar o olho de uma zona de conforto) o organismo pode “pifar, o disjuntor desliga”, o que gera uma saída desse equilíbrio. No abrandamento, fazemos o contrário, “seduzimos” o organismo a funcionar de uma maneira mais orgânica.

  Outro movimento com a lanterna seria o da convergência, aonde afastamos a lanterna para cima e vamos descendo devagar, pedindo para o paciente avisar quando ficar com visão dupla, vendo dois pontos de luz; nesse momento, você volta um pouco a lanterna e pede para a pessoa piscar os olhos e buscar acertar esse foco – se ela não conseguir, você pode pedir que pisque um pouco mais e busque tentar esse foco, ou então subir mais um pouco a lanterna antes de pedir essa tentativa, sempre verificando o que seria mais adequado naquela relação terapêutica. O significado da convergência não foi apresentado nesse momento, mas surgiu a partir de uma pergunta na roda de impressões após o exercício (mas achei que faz mais sentido localizá-la aqui) e, segundo o Pedro, seria o contato da pessoa consigo mesma.

  Assim, passamos à parte prática da aula, formando duplas aonde cada pessoa trabalharia a lanterna por 15 minutos, com os três movimentos que foram apresentados: o primeiro, de ficar com a lanterna parada, o foco entre os olhos da pessoa, que pode ser feito inicialmente com o ângulo de 90 graus e depois com o ângulo de 45 graus; o segundo, de girar a lanterna, tentando sempre manter o foco da lanterna no ponto central (a luz da lanterna sempre estará “virada pra dentro”); o terceiro, o movimento da convergência. Entre a troca de duplas fizemos a rodada de impressões, o que achei bem interessante pois permitiu que os relatos fossem mais “frescos” e pudéssemos discutir com mais detalhes e profundidade aquilo que as pessoas traziam; por outro lado é uma forma que consome mais tempo (do que aquela aonde todos os exercícios são feitos e só depois de faz a roda de impressões), então não vai se encaixar em qualquer cenário.

  A primeira roda de impressões foi muito marcada pela dificuldade inicial das duplas com as lanternas – algumas não funcionavam, outras estavam muito fortes, pilhas acabaram… Isso gerou “uma zona” (nas palavras do Pedro) nos primeiros cinco minutos do exercício, daí conforme as pessoas foram se adaptando e os problemas foram sendo sanados as coisas foram se encaixando e a tudo fluiu melhor. Algumas questões que surgiram nas duas rodas de impressões:

  – Pode surgir uma coceira nos olhos do paciente ao fazer esse trabalho; nesse caso, o terapeuta deve indicar que a pessoa não coce com as mãos, mas pisque os olhos buscando aliviar essa sensação. Eu imagino, embora não tenha sido falado, que se essa coceira persistir e não puder ser aliviada apenas com as piscadas, o terapeuta deve entender isso como uma ferramenta diagnóstica para alguma coisa – desde uma condição física do paciente, como uma alergia ou secura ou algo assim nos olhos, até mesmo uma manifestação de uma resistência àquele trabalho que está sendo feito. Segundo o Pedro, de um modo geral a coceira “representa uma energia que não estava ali e foi pa lá”;

  – Sempre há uma diferença normal no movimento dos olhos, no sentido de que em um olho a iris pode estar mais centralizada e no outro mais próxima da borda. Isso também pode ser sinal de que a lanterna não está bem centralizada em relação ao rosto do paciente – embora o foco, a luz, possa estar efetivamente entre os olhos, a lanterna pode estar mais pra um lado do que para o outro. Embora não seja necessário um preciosismo em relação a isso, é interessante o terapeuta se atentar para isso; na minha opinião, inclusive é importante caso o terapeuta repare esse diferença entre os olhos que ele busque trabalhar sutilmente a posição da sua lanterna e verificar como os olhos da pessoa respondem a essas alterações;

  – O lacrimejar é saudável nesse exercício, pois tem relação com o sistema parassimpático, enquanto que uma secura no olho é um sinal de algum problema, pois teria relação com o sistema simpático. Se surgir essa secura, principalmente se ela vier acompanhada da “sensação de areia”, deve-se parar o trabalho com a lanterna, pois um limite do organismo foi atingido e continuar forçando pode causar danos;

  – Podem surgir desconfortos, como dores de cabeça, e é interessante que mesmo com isso o trabalho seja mantido, pois isso seria justamente sinal do acirramento que o Pedro trouxe no início da aula. Apesar disso, não é aconselhável que a sessão seja encerrada com esses desconfortos, pois o paciente vai à clínica buscando ajuda com seus desconfortos, então a não ser que exista uma relação em que o terapeuta avalie que o paciente pode lidar com esse desconforto até a próxima sessão, o indicado é sempre que o paciente saia da sessão bem;

  – Em uma dupla apareceu uma questão que permitia uma dupla interpretação: a pessoa que fazia o papel de paciente teve um incômodo no joelho, já no final do trabalho. Como esse final era justamente o exercício da convergência, o Pedro apontou que esse desconforto poderia ser devido à convergência ou então ao tempo na mesma posição. Assim, perguntei se faria sentido numa próxima sessão com ela já iniciar pelo trabalho com a convergência, visando eliminar uma ou outra possibilidade, e ele disse que sim, que essa é uma boa forma de fazer o trabalho continuado com a paciente. Depois de toda a discussão sobre epistemologia do dia anterior, não posso deixar de registrar, ao menos aqui: ponto para o método científico;

  – Achei muito interessante um comentário do Pedro em cima de uma impressão relatada pela pessoa que fez o terapeuta da sua dupla. A pessoa disse que observou apenas alguns “ciclos de equilíbrio de energia” na pessoa que fazia o paciente, mas que para além disso não havia reparado “nada mais peculiar ou intenso”. A resposta do Pedro foi a seguinte: “Mas é isso mesmo. O que a gente pode reparar, fora algumas exceções de casos especiais em que acontece alguma coisa mirabolante, são esses pequenos ciclos no trabalho, né, e o relato da pessoa na semana seguinte. Porque o trabalho ele vai percorrer num certo tempo; de início esse tempo é curto (às vezes é um dia, dois), mas na medida em que você vai trabalhando isso se estende, até a pessoa perceber: ‘ah, eu estava mais relaxado nas coisas’, ‘ah, eu estava mais focado’, se a pessoa está estudando pra um curso, ‘ah, eu consegui ler mais páginas, consegui ficar mais ligado’ – são algumas das referências interessantes pra você perceber se a lanterna está funcionando ou não”. Isso para mim é interessante porque ao mesmo tempo que essa sutileza se conecta com uma ideia mais orgânica dos processos, coisa que faz muito sentido pra mim (existem poucas rupturas nos processos da vida, eles se dão muito mais por continuidades – algo muda dentro de relações que permanecem), ela também coloca em dúvida as reações mais abruptas e com certo de ar de “ensaiadas” que por vezes acontecem nas aulas em que fazemos trabalhos corporais. Não lembro exatamente agora, mas acredito que devo ter falado um pouco disso no relato do primeiro encontro de Oficina do Corpo IV;

  – Quando a pessoa usa óculos ou lentes de contato ela deve tirar para fazer esse trabalho, pois esses instrumentos vão afetar a estrutura do olho (principalmente a lente de contato, que funcionaria como um gesso, moldando a estrutura no formato que se considera adequado);

  – De um modo geral os movimentos com a lanterna são feitos de forma lenta – caso a pessoa “tenha muito controle”, aí faz-se os movimentos de forma mais rápida;

  – Eu trouxe a questão de como é diferente olhar um rosto de cabeça para baixo e algumas pessoas concordaram com isso – pra mim foi um fato interessante, é um aspecto simples e prático mas que traz algumas dificuldades, pois a sua referência de rosto fica perdida, torna-se mais complicado detectar reações e expressões;

  Como sobrou algum tempo depois das rodas de impressão, o Pedro demonstrou como seria feito o trabalho de movimentos rápidos com a lanterna; ele fazia movimentos bem rápidos com a lanterna e de forma a não criar um padrão: iniciava um círculo mas, ao completar 180 graus, “descia” em linha reta; descrevia um movimento e voltava, completando-o pelo outro lado; intercalava rapidamente entre movimentos circulares e retilíneos. Não haviam muitas variações possíveis, claro, mas acredito que o objetivo maior é a velocidade dos movimentos e não previsibilidade dos mesmos. A pessoa que fez o papel de paciente descreveu que sentiu várias coisas diferentes: inicialmente uma coisa meio de competição, meio de performance, de conseguir acompanhar os movimentos rápidos da lanterna; depois ela mesma percebeu esse pensamento e buscou relaxar mais, assim como o movimento do Pedro se tornava mais lento e até parava a lanterna em alguns pontos, conseguindo nesse momento perceber melhor a sua respiração e sentindo-a passar de prioritariamente abdominal a peitoral, e que nesse momento lhe veio a fantasia de que, estando relaxado, o Pedro poderia lhe causar algum dano como bater, uma consequência de sair de um estado de alerta e passar a um estado relaxado.