07 de fevereiro de 2020 – quarta aula de Clínica Psicorporal das Psicoses e dos Transtornos Mentais

Iniciamos essa aula com o Henrique trazendo a questão dos transtornos e da medicalização gerada pela criação dos mesmos; ele trouxe o exemplo do transtorno histérico, que seria o mesmo que a histeria descrita por Freud, e que até então não requeria um tratamento medicamentoso; mas, com a criação de um transtorno, passa a ser possível e recomendado que o tratamento dessa questão seja feita com remédios. A discussão sobre a questão da histeria também foi discutida a partir da perspectiva do machismo estrutural, de como a nossa sociedade machista e patriarcal coloca um peso de restrições, regras e interditos sobre a sexualidade feminina. Novamente foi colocada a ideia de como a proposta freudiana representa um avanço no tratamento que se dava às pessoas em sofrimento psíquico, em especial às mulheres entendidas como histéricas; antes, essas pessoas eram submetidas a internações, banhos gelados, clausura, imobilizações e até mesmo lobotomia; com o surgimento do tratamento psicanalítico se possibilita entender essa pessoa como um indivíduo portador de cidadania como todos os outros, mas que está enfermo e precisa de tratamento, um tratamento que não necessita alterar-lhe o status de pessoa, um tratamento que se realiza pela fala e pelo resgate da história do indivíduo. Embora eu discorde de muitos pressupostos freudianos, como já deixei exposto em outros relatos aqui para o blog, é inegável esse avanço frente às opções que existiam à época, que, na minha opinião de merda, nunca deveriam ter sido opções. Essa é a grande potência que vejo na psicoterapia: uma forma de buscar mitigar o sofrimento psíquico das pessoas através de uma proposta de tratamento que necessita do estabelecimento de uma relação, que tem em sua base o diálogo; eu penso que em uma sociedade saudável, ou ao menos não tão doente como a nossa, ainda teríamos necessidade do conhecimento que essa área desenvolveu, mas dificilmente necessitaríamos da profissão de psicoterapeuta – ainda existia sofrimento psíquico, ainda existiriam questões ligadas à psiquê que são muito mais influenciadas (ou mesmo determinadas) por fatores para além do social, mas não imagino que seriam em quantidade, intensidade e frequência suficiente para gerar a necessidade de pessoas que se especializassem nisso. Seria um conhecimento comum, do qual aprenderíamos as bases tal como aprenderíamos tantas outras coisas, um conhecimento sobre o qual alguns indivíduos se interessariam de debruçar-se e pesquisar mais do que outros, e que estaria disponível para os casos em que fosse necessário.

Em uma daquelas coisas simples mas que são muito interessantes de se marcar, o Henrique nos provocou a diferenciar rigor de rigidez. O rigor seria algo positivo e necessário, enquanto que a rigidez seria algo negativo, mesmo quando necessária – isso, claro, na minha opinião de merda. Embora o Henrique tenha desenvolvido um exemplo interessante sobre a diferença de ser rigoroso e inflexível dentro de uma relação sexual-afetiva, eu acho que um trecho do item “Rigor Científico” dentro da página sobre “rigor” da Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Rigor) exemplifica bem e concisamente essa questão:

“Rigor como princípio no desenvolvimento de ciências implica que qualquer alegação que mude os paradigmas vigentes precisa passar pelo método científico, que é restritivo, cuidadoso, extremamente detalhista e exigente. Apenas passando por todo este rigor é que uma evidência a favor de uma hipótese poderá ser aceita. A hipótese não é afirmada como verdadeira (a verdade), mas é afirmada como não sendo falsa, ela sobrevive à chamada falseabilidade”

Para quem se interessar pelo tema, acredito que vale a pena visita a página e navegar pelos hiperlinks que ela fornece, que constroem referências cruzadas importantes para o aprofundamento dessa questão (por exemplo, no trecho citado acima, os termos “ciências”, “método científico”, “hipótese”, “verdade” e “falseabilidade” são ligações para páginas da Wikipedia que definem esses termos, e penso que uma compreensão básica desses conceitos é muito importante para todas as pessoas, e a nossa enorme idiotia permite que milhares de pessoas se formem todos os anos em instituições de ensino superior sem ter ao menos essa noção básica). Embora o trecho não fale diretamente em rigidez, a sua primeira frase já deixa bem evidente a diferença entre rigor e rigidez, pois afirma que no campo científico o rigor é necessário para que mudanças possam acontecer; no que entendo dessa diferenciação que o Henrique trouxe entre rigor e rigidez, é possível ser rígido sem ser rigoroso e rigoroso sem ser rígido, sendo que a primeira hipótese é altamente indesejada, acontecendo o inverso com a segunda. Rígido, então, seria aquilo que não muda, aquilo que não se pode flexibilizar independente das condições que se apresentem; alguém pode até usar um método rigoroso para desenvolver uma opinião, e depois enrijecer-se nela. Religiões são um bom exemplo de fantasias rígidas – o que é regra, preceito, mandamento, revelação ou qualquer outra diretriz estabelecida pelo divino é rígida, não pode ser mudada, pois (ao menos na maioria absoluta dos casos) foi criada por uma ou mais entidades infalíveis, que conhecem ou criam toda a verdade. Pessoas dentro do campo científico que não consideram a sua opinião passível de mudança e nem buscam falsear as suas hipóteses, mesmo que tenham chegado a ela de forma rigorosa, também são um bom exemplo de rigidez.

Nessa aula também surgiu uma questão que eu achei interessante de pensar sobre ou, melhor, que eu venho pensando sobre há bastante tempo nessa formação e que dessa vez consegui me atentar para o momento exato aonde a questão se materializou como discurso; o uso do termo “discurso” não é acidental aqui, pois eu me aproximo muito da ideia de Análise do Discurso de inspiração na obra foucaultiana, pretendo até desenvolver em um futuro próximo a ideia dos usos e benefícios que podem advir da aplicação da Análise do Discurso no processo psicoterapêutico. A questão que surgiu nessa aula tem relação com a concepção reichiana de que o sexo saudável é exclusivamente o heterossexual, a penetração da vagina pelo pênis (essa é uma simplificação da ideia, mas que não considero inexata. Uma explicação mais complexificada passaria por dizer que o indivíduo saudável é aquele que consegue exercer a sua potência orgástica, que o ideal de saúde humana para Reich se liga fortemente ao conceito de genitalidade, que as fixações pré-genitais são produzidas por ou são consequências de processos neuróticos, que o sexo oral e anal seriam exemplos de práticas pré-genitais e que, portanto, não poderiam levar ao desenvolvimento e à manutenção da potência orgástica. Existem muitas pessoas reichianas que discordam dessa afirmação, mas nunca as vi amparar essa discordância no texto reichiano, constituindo para mim, então, apenas um revisionismo advindo da incapacidade amplamente presente entre estudiosos de um tema de dizer “meu autor preferido está errado”, mesmo que seja com o adendo “só nesse ponto”. Reich desenvolve textual e explicitamente essa visão de que apenas o sexo heterossexual, em oposição ao sexo homossexual, pode ser expressão de um organismo desencouraçado; quem desejar aprofundar essa questão deveria ler seu livro “A Função do Orgasmo”). O Henrique estava relatando um caso para ilustrar com um exemplo a discussão que fazíamos, e em um momento ele trouxe o seguinte:

“Uma vez ele chegou para mim: ‘Henrique, eu estou com uma dúvida [inaudível], eu acho que eu sou bissexual’; eu falei ‘e…’; ‘não é errado?’, eu falei ‘ah, quem sou eu pra falar o que é certo e o que é errado pra você. Por que você está achando que é errado ser bissexual?’. ‘Ah, porque às vezes eu olho pra um homem e acho ele bonito’, aí eu falei assim ‘você acha ele bonito, e…’, ‘Ah, mas eu não quero transar com ele não, mas eu acho que eu acho ele bonito’, aí eu falei ‘e qual é o problema disso, aonde está a questão da bissexualidade…? Não importa. E se você desejar um dia fazer relações com um homem, beijar um homem… vai experimentar, vai ver se é possível pra você – a gente vê aqui junto. Vamos fazer, a gente vê junto, tá bom?’, ‘tá’. A história foi diminuindo, foi em outro caminho… O que ele estava tentando dizer para mim ‘Henrique, eu não estou conseguindo me vincular afetivamente com ninguém’, então ele criava imagens fantasiosas para ver se conseguia isso”

Acredito que em uma primeira leitura isso pode parecer um relato “normal”, que não traz nenhuma questão específica para se analisar; mas o interessante do trabalho com Análise do Discurso é justamente a meticulosidade, o rigor, o debruçar-se sobre a materialidade do discurso e explorar aquelas formações específicas que ali se apresentam, sem recorrer ao psicanalítico do “o que a pessoa quis dizer com isso?” mas sim buscando entender “o que se constrói com essas formações específicas e não as tantas outras que poderiam ter sido utilizadas aqui?”. Primeiramente, percebemos uma atitude de normalização da bissexualidade, inclusive questionando continuamente a pessoa que a entendia como problema sobre as causas, motivos, razões ou circunstâncias pelas quais a bissexualidade poderia ser considerada um problema. Mas ao final do relato a bissexualidade é colocada como uma fantasia que servia para encobrir uma incapacidade de vinculação afetiva, ou seja, ela não é em si uma expressão do desejo sexual do indivíduo, mas sim uma cobertura, uma máscara, um disfarce para um problema – talvez, reichianamente, seria correto dizer “para um outro problema”. Analisando dessa forma, não localizamos problema algum, pois temos que levar em consideração dois fatores: esse relato é um trecho de diálogo em um processo terapêutico que durou anos; e nesse caso específico nada impede que a coisa se apresente exatamente dessa forma, que a bissexualidade dessa pessoa realmente estivesse se desenvolvendo como forma de ocultar uma outra questão. Mas analisar a materialidade de um discurso também significa colocar o contexto em jogo, entender as regras que permitem e interditam esses enunciados, pensar no que ele tira de e no que ele coloca em circulação. E, como apresentei, o campo reichiano (estou utilizando “campo” aqui na acepção de Pierre Bourdieu) trabalha com essa concepção de que qualquer relação sexual não heterossexual advém de uma condição não saudável. Conforme continuou a descrição do caso (que estava focada em outra questão), o Henrique descreveu o processo terapêutico como positivo, tendo o indivíduo conseguido melhoras e superações nas suas questões; entre os exemplos desse sucesso, é listado o relacionamento heterossexual que a pessoa construiu – a ênfase não foi colocada na orientação heterossexual da relação, é importante dizer, mas houve claro apontamento dessa característica no relato. Se nos debruçamos um pouco mais na materialidade desse discurso, podemos achar mais uma coisa interessante: a inadequação de termos para falar de uma relação homossexual. No trecho “se você desejar um dia fazer relações com um homem” [grifo meu] percebe-se uma construção frasal incomum; eu, ao menos, nunca descrevi ou vi descrita uma relação afetivo-sexual com alguém nesse termos, “fazer relações”. É importante lembrar que a Análise do Discurso não se assenta em uma base freudo-reichiana, eu até a entendo como um certo nível de oposição a esta, então não podemos nos deixar seduzir pelas explicações fáceis do ato falho e seu arcabouço teórico; a ideia aqui não é apontar “ter dito isso dessa forma aponta que ele na verdade pensa aquilo daquela outra forma”, mas sim perceber que aonde várias outras formulações poderiam ter sido colocadas (por exemplo, um “se relacionar” não levaria a qualquer consideração como essas que tento estabelecer aqui) justamente aquela apareceu. E, talvez seja importante ressaltar, não há nenhum problema intrínseco com a gramática desse enunciado (embora a gramática seja um elemento importante para se pensar a construção de um discurso); se essa fosse uma construção frasal comum e usual na sociedade em que o discursante está inserido, eu não estaria fazendo nenhuma consideração desse tipo. Mas dado o contexto todo aonde esse discurso foi produzido e veiculado, uma construção frasal estranha como esta justamente para descrever uma ação homoafetiva não pode nos passar desapercebida, é um detalhe a mais para compor a análise. Assim, esse pequeno exercício de Análise do Discurso não permite qualquer “bater o martelo”; mas considerando o contexto, considerado o desenvolvimento histórico do campo reichiano, considerado o que foi dito e, talvez principalmente, o como foi dito (e é justamente aqui, na importância do como, que encontro possibilidades de interseção da Análise do Discurso com a teoria reichiana da Análise do Caráter), percebemos certas tendências e consistências que não podemos ignorar se queremos realmente buscar entender essa questão específica (ou qualquer outra). Certamente para podermos começar a fazer afirmações e construir alguma reflexão sobre esse tema precisaríamos encontrar-nos com mais formações discursivas sobre o mesmo tema; embora não seja um objetivo que possuo como prioridade, os discursos continuarão a ser produzidos nesses espaços que eu ocupo de alguma forma, então pode ser que em algum momento no futuro eu consiga produzir algo mais consistente e com maior qualidade sobre o tema – isso aqui é apenas um rascunho e um apontamento de algo. Embora não tenha relação direta com a questão que estou desenvolvendo, gostaria de “abrir um parêntese” aqui: embora defendesse que relações homossexuais são expressão de um organismo não saudável, Reich lutou contra a segregação de pessoas homossexuais e defendia a igualdade de direitos entre homossexuais e heterossexuais; para ele, a homossexualidade era expressão de neuroses tanto quanto a histeria, a obsessividade, o narcisismo ou o masoquismo, e nenhuma dessas questões seria justificativa para privar uma pessoa de seus direitos políticos e sociais.

Uma outra questão que acho muito interessante também apareceu nessa aula, e é algo que se relaciona com isso que discuti acima, pois tem que ver com a forma geral de “visão de mundo” que percebo no campo reichiano: a presença forte de determinismos, que dão origem a ou se originam de essencialismos e reducionismos. Em um momento da aula o Henrique jogou a seguinte questão para a turma: “Qual é a diferença entre tocar um neurótico e tocar um psicótico, pessoal – vamos pensar nisso? Primeira coisa: que que um neurótico tem medo?”. Uma pessoa respondeu “de perder o controle”, e o Henrique continuou “a questão básica é perder o controle, em quase todas as características a ideia de controle é muito presente, não é verdade? Então você tem que ter uma relação de muito cuidado, de confiança [inaudível] confiar, construir, você vai ter que trabalhar muito a desconfiança. [E] para um psicótico?”, ao que alguém respondeu “psicótico você tem que dar o contorno nele que ele não tem, né”, o Henrique continuou a pergunta “E como se [inaudível] esse contorno?”, a pessoa disse “ele é hipotônico, normalmente, né, e você tem que dar o contorno, contorno corporal…”, o Henrique interrompeu com a pergunta “Todo psicótico é hipotônico?” e a pessoa respondeu “geralmente não é hipotônico porque tem o anel da psicose ali?”; o Henrique fez considerações em cima do uso do termo “geralmente” e seus sinônimos, mas de uma forma que reforçou alguns essencialismos de “isso é sempre assim”, perdendo o que considerei uma boa oportunidade de desenvolver o combate contra esses essencialismos. Ele foi dando continuidade ao diálogo desenvolvendo uma crítica a essa ideia de que “todo psicótico é hipotônico”, mas achei que muitas vezes se perdia na argumentação (algo normal quando desenvolvemos argumentações no momento, quando o assunto nos “pega de surpresa”); independente disso, foi muito interessante ver como por três ou quatro vezes a pessoa voltava na ideia “todo psicótico é hipotônico”, fosse somente apresentando-a novamente ou então tentando fazer algum paralelo sobre a relação corpo e mente ser determinística. Um dos exemplos que o Henrique deu a essa pessoa eu achei muito bom, na minha opinião de merda ele deveria ter insistido muito mais nesse caminho: ele simplesmente perguntou “todo jogador de futebol psicótico é hipotônico?”; esse exemplo aparentemente simples coloca em movimento grande parte da complexidade que tem de ser encarada ao pensar questões desse tipo. Se fosse verdade que “todo psicótico é hipotônico”, certamente não poderiam haver jogadores de futebol profissional, ou ao menos bons jogadores de futebol profissional, psicóticos; disso, poderíamos pensar então como isso se processaria na realidade: será que todo psicótico, justamente por sua hipotonia muscular, nunca desenvolveria interesse em atividades desportivas que exigissem bastante dos músculos? Ou será que por mais que uma pessoa psicótica se exercitasse seus músculos nunca desenvolveriam tônus? Ou, ainda, será que um psicótico poderia atingir a genitalidade (o conceito de vida saudável para Reich) fazendo exercícios físicos o suficiente para ganhar um bom tônus muscular? Um halterofilista neurótico, estaria indo no caminho do aprofundamento da sua neurose ou no caminho da genitalidade conforme fosse desenvolvendo mais músculos? Enfim, muitas possibilidades de perguntas são possíveis a título de exercício de pensamento sobre essa questão, mas acredito (ou talvez espero) que todas essas questões rapidamente demonstrariam o absurdo da proposição e, por isso, seriam exercícios curtos e pouco interessantes.

Um dos fundamentos da teoria reichiana é a ideia de que corpo e mente não podem ser considerados como entidades estanques, mas sim como uma unidade funcional aonde ambos se influenciam mutuamente; dessa forma, é evidente que dentro desse referencial teórico encontraremos a ideia de que certas características corporais são favorecidas ou desfavorecidas por características mentais, e deveríamos encontrar também a mesma ideia mas em sentido inverso, de que certas características mentais são favorecidas ou desfavorecidas por características corporais (mas dentro da minha experiência limitada no campo reichiano é incomparavelmente desproporcional em termos quantitativos e qualitativos a presença daquela sobre esta). Mas vejo com muita frequência isso ser extrapolado simplesmente como regra, sem uma definição precisa dos mecanismos pelos quais isso se processaria (não necessariamente definição pela pessoa, ela poderia conhecer bibliografia que trouxesse essa definição de causalidade); um exemplo excelente disso é essa ideia de que “todo psicótico é hipotônico”. É uma ideia que faz sentido se pensarmos que a couraça que Reich descreve é um processo neurótico de enrijecimento muscular, sendo a psicose o oposto da neurose, a musculatura ao invés de enrijecer-se se tornaria hipotônica. No entanto, essa formulação padece de ao menos dois problemas mesmo sem colocarmos em questão a teoria psicanalítica da qual Reich é depositário. Primeiro, neurose e psicose não são processos diretamente antagônicos, como se fossem extremos de uma mesma gradação da psique humana; por mais que eu veja isso sendo muitas vezes ignorado na formação, é importante lembrar que a neurose e a psicose são colocadas por Freud em uma estrutura tripartite de afecções aonde se soma a estas a perversão: “a neurose como resultado de um conflito com recalque, a psicose como reconstrução de uma realidade alucinatória e a perversão como renegação da castração, com uma fixação na sexualidade infantil” – Dicionário de Psicanálise, Roudinesco e Plon. Segundo, o encouraçamento não se dá apenas com o enrijecimento, mas pode-se dar também na flacidez, como o exemplo que alguns professores já deram na formação do olhar da pessoa esquizofrênica, que é “morto, atravessa as pessoas”. Se a psicose se define pela reconstrução de uma realidade alucinatória, se é o investimento da libido no próprio Ego/Eu e não no mundo externo, não seria possível determinar a estrutura muscular de uma pessoa a partir disso; o próprio Henrique já deu o exemplo, em duas aulas distintas desse curso, de um paciente psicótico dele que fazia três horas de exercício físico na praia antes de ir para a sessão de terapia (e, se não me engano, mantinha essa rotina de exercícios diariamente) – dificilmente essa pessoa teria uma musculatura flácida, uma hipotonia muscular. Mais para frente nesse diálogo durante a aula eu cheguei a apontar como isso é algo presente na literatura reichiana, pois a pessoa que trouxe e insistiu na ideia de que “todo psicótico é hipotônico” não o fez a partir da sua experiência, mas declaradamente encontrou essa informação estudando a teoria reichiana (não disse exatamente aonde encontrou isso, mas verbalizou que encontrou essa afirmação estudando), e que efetivamente nos autores reichianos é muito comum encontrarmos esse tipo de afirmação determinista de “A sempre levará a B”.

Esse é apenas um exemplo de um comportamento que eu percebo como muito comum entre os alunos e alunas da formação, essa paixão e fascinação pelos determinismos; claro, as respostas deterministas apresentam-se como as mais simples e com menos chances de erro, afinal uma vez que você tenha entendido tal coisa, ela não irá variar. Uma outra vez que algo assim aconteceu na formação de forma muito evidente ilustra bem esse ponto: Federico Navarro é um autor e terapeuta reichiano que, segundo um dos coordenadores do IFP, se considera o único pós-reichiano, aquele que continuou o trabalho de Reich; lá na formação Navarro sempre é apresentado como muito rígido, geralmente se dando como exemplo a sua descrição do trabalho corporal como devendo seguir rigidamente a direção céfalo caudal (seguindo o trabalho com os segmentos de couraça do ocular para o pélvico), e existindo até um tempo certo para se manter cada acting/exercício. Em uma conversa com um aluno que já não está mais na formação, ainda no primeiro semestre que entrei, ele disse que estava lendo o livro do Navarro e elogiou justamente esse método bem definido do autor, dizendo que para nós, que estávamos iniciando o trabalho, era algo muito bom pois trazia instruções precisas de como proceder o trabalho corporal. A dúvida certamente desestabiliza, mas a certeza inexorável pode levar a equívocos muito complicados e de consequências negativas enormes; apenas exercendo a crítica (gosto da ideia de Patch Adams de que não há “pensamento crítico” – o pensamento ou é crítico ou não é pensamento) é que podemos avaliar as coisas, corrigir imprecisões e avançar na construção do conhecimento – verdadeiramente triste ver que mesmo em um curso que possui caráter de pós-graduação isso não é minimamente entendido.