14 de setembro de 2019 – quinta aula de Vegetoterapia I

  Iniciamos a aula com o Pedro falando que apresentaria “alguma coisa nova” com a qual está entrando em contato e que, segundo ele, ajuda a entender “a dinâmica energética do corpo”; a partir disso, ele começou a falar um pouco sobre energia. O elemento mais básico da energia, para Reich, seria o pulsar, a contração e a expansão, que em outros momentos o próprio Pedro já definiu como sendo, também para o Reich, “a fórmula da vida”. Logo nessa introdução ele deu uma definição de simpático e parassimpático:

maneiras funcionais opostas do funcionamento do sistema vago, ou vegetativo, em que o parassimpático estaria ligado à expansão e o simpático à contração. Então no parassimpático você vai ter uma tranquilidade em termos de batimentos cardíacos, você vai ter uma vasodilatação periférica, você vai ter uma diminuição da pupila, porque há um relaxamento dos músculos que se contraem para ela dilatar então há um relaxamento da musculatura, você não vai ter sudorese, a peristalse está ativa e em bom funcionamento, tudo isso faz parte do parassimpático, e mais algumas coisas que eu provavelmente esqueci (risos), as mais importantes acho que são essas. E no simpático vai ter o contrário, um aceleramento dos batimentos cardíacos, você vai ter uma vasoconstrição periférica, ou seja, você fica pálido, você vai ter uma dilatação da pupila, né… E a gente vai vendo que essas atividades elas são a base fisiológica das emoções. No caso do parassimpático, você vai ter a questão do prazer, do relaxamento, do amor, coisas que se expandem, da alegria, então você está dentro dessa área, são sentimento dentro dessa área, afetos, né, dentro dessa área – porque a sensação prazerosa em si não é exatamente um sentimento, sentimento é uma coisa mais completa que entra o racional. A emoção é uma coisa que tem uma racionalidade, mas muito básica, uma proto racionalidade e a sensação não tem racionalidade nenhuma

  Antes de entrar na formação eu já havido lido o “A Função do Orgasmo”, e nesses estudos fui buscar entender o motivo do nome “vegetoterapia”; foi assim que descobri que tem relação com os sistemas simpático e parassimpático, que fazem parte do sistema nervoso autônomo, conhecido também como sistema neurovegetativo – daí o nome da técnica de Reich. Não aprofundei muito mais esses estudos, mas cheguei a ler alguma coisa e, por isso, vinha estranhando a forma como o Pedro se referia sempre a esses sistemas como se um fosse responsável pela contração e o outro pela expansão, mas nunca me colocava no lugar de estudar mais a fundo isso para comparar. Dessa vez, como ele deu essa definição explícita, me pareceu que ele está usando esses termos de forma talvez imprecisa, talvez simplista; vou colar aqui a definição que encontrei no “Caderno de Referência Esporte – Fisiologia Humana” da Fundação Vale e UNESCO, dando a referência completa da bibliografia que citam ao final do segundo parágrafo:

  “O sistema nervoso autônomo ou neurovegetativo é formado por nervos que trabalham sem qualquer dependência da vontade ou da consciência do indivíduo. Esses nervos se dividem em dois grandes grupos: o sistema simpático e o sistema parassimpático (Figura 21). Esses dois grupos são antagônicos, ou seja, no órgão em que os nervos do sistema simpático agem estimulando, os nervos do sistema parassimpático que atuam ali vão inibi-lo. Em outros órgãos, o sistema parassimpático é estimulante, e o sistema simpático é o inibidor.

   A ação simpática está relacionada à mobilização de energia, permitindo ao organismo reagir a situações de estresse; por meio da liberação de adrenalina dos seus botões terminais, promove-se o aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial e da glicose circulante. Por outro lado, a ação parassimpática está relacionada a atividades relaxantes, como a vasodilatação e a redução da frequência cardíaca, por meio da liberação do seu neurotransmissor, a acetilcolina

   WIDMAIER, E. P. et al. Human physiology: the mechanism of body function. New York: Elsevier, 2000;

   GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Tratado de fisiologia médica. São Paulo: GuanabaraKoogan, 2006;

   TORTORA, G. J.; GRABOWSKI, S. R. Corpo humano: fundamentos de anatomia e fisiologia. Porto Alegre: Artmed, 2006;

   GARDNER, D.; SHOBACK, D. Greenspan’s basic & clinical endocrinology. 8.ed. New York:Lange Medical Books, McGraw-Hill Medical, 2007;

   McARDLE, W. et al. Exercise physiology: energy, nutrition & human performance. Baltimore: Lippincott, Williams & Wilkins, 2007;

   WILMORE, J. H.; COSTILL, D. L. Physiology of sport and exercise. Champaign, IL: HumanKinetics, 2007;

   MOLINA, P. Endocrine physiology. New York: McGraw-Hill Medical, 2010

  Uma coisa que o Pedro declaradamente discorda nessa formulação é a ideia contida já na primeira frase, pois ele já disse mais de uma vez coisas como “existem místicos que conseguem reduzir seus batimentos cardíacos a ponto de serem considerados clinicamente mortos” (além da ideia de que é possível materializar uma flor “do nada”); eu cheguei a discordar dessa ideia em uma aula, dizendo que essas pessoas poderiam controlar outras coisas em seu corpo (como o ritmo da respiração), mas não controlavam diretamente o ritmo cardíaco, pois não conseguiriam, por exemplo, fazer essa tal diminuição enquanto corriam – não deram muita atenção à minha colocação. Segundo descrito no Caderno de Fisiologia, a funcionalidade dos dois sistemas é análoga à descrição que o Pedro trouxe: naquele, o sistema simpático age mobilizando energia e o parassimpático age promovendo relaxamento, enquanto este atribuiu ao simpático a contração e ao parassimpático a expansão, segundo a terminologia reichiana. Fisiologicamente os dois sistemas empenham funções antagônicas e não fixamente estabelecidas quando atuam sobre um mesmo órgão, sendo que quando um estimula, o outro inibe; até aqui não tem muito o que se colocar frente a definição dada pelo Pedro, talvez apenas ressaltar que a explicação fica um tanto mais simplista sem essa informação. Me causa algum incômodo quando ele fala coisas como “expansão, é parassimpático; contração, é simpático”, “contração é você paralisar a peristalse (…) Só que o extremo do medo, que é uma contração, pode levar a uma caganeira (…) Mas obviamente que uma caganeira não é exatamente um parassimpático, um parassimpático é uma coisa fluida, que forma um bolo fecal, que sai e tal” ou “lacrimejar tem relação com o sistema parassimpático, secura no olho tem relação com o sistema simpático”; me incomoda porque é um comportamento que estimula e produz a mentalidade pseudocientífica, que se apropria de termos e conceitos de campos científicos sem efetivamente seguir o método cientifico. A imprecisão de um “expansão é parassimpático, contração é simpático” pode parecer inofensiva, mas impede de entender, por exemplo, que a ereção masculina é controlada pelos nervos do sistema parassimpático e a ejaculação pelos nervos do sistema simpático – afinal, todo o processo da ereção à ejaculação é prazeroso, então deveria “ser parassimpático” pois “prazer é expansão”. Ainda nesse exemplo, Reich vai dizer que dos estímulos sexuais que produzem a ereção até o orgasmo há um acúmulo de tensão (a sua fórmula “carga energética → tensão mecânica – descarga energética → relaxamento mecânico), o que pode complicar ainda mais essa questão se abordada de uma forma simplista (como o próprio Reich faz em muitos momentos). Da mesma forma, fazer a associação de secura no olho com o sistema simpático é um equívoco, pois os dois sistemas atuam na lacrimejamento: a atividade simpática está relacionada com a formação da lágrima e a parassimpática com a secreção lacrimal (segundo aula da professora Eliane Comoli, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. fonte). Assim, acho que é prudente estarmos sempre procurando estudar sobre aquilo que vamos falar, ainda mais em um campo tão delicado com o da saúde mental; infelizmente, essas questões ultrapassam o nível individual e se tornam estruturas, sendo replicadas ao infinito – o Pedro provavelmente só está reproduzindo algo que ele aprendeu com alguém que ele acreditou saber do que falava. Por esse tipo de coisa que acho importante e urgente discussões e estudos de epistemologia e história da ciência em todas as áreas – como já desenvolvi um pouco melhor na postagem “Sobre a discussão de epistemologia na aula de Análise do Caráter II” (que, se é que alguém lê isso aqui, pode conferir em https://game.noblogs.org/post/2019/07/11/sobre-a-discussao-de-epistemologia-na-aula-de-analise-do-carater-ii/).

  Continuando a falar do pulsar, o Pedro foi dando exemplos do pulsar no organismo humano: a respiração (que seria “o mais basicão”), a peristalse, a pulsação sanguínea, a circulação linfática, a circulação do líquido crânio raquidiano, a comunicação neuronal. Seria a harmonização desses pulsares que criaria a pulsação energética geral; uma afirmação interessante que ele trouxe nesse momento foi a seguinte: “A fisiologia pura diz assim ‘o coração que bombeia o sangue’. Tá, mas quem bombeia o coração para bombear o sangue? Quem dá esse input para que ele pulse? É a energia – segundo o Reich é a energia e eu acredito nisso”. Novamente, como em muitos outros exemplos, me parece que se recorre a um elemento externo/fantasioso para explicar algo que possuiria outras explicações mais simples (não respeitando o princípio da Navalha do Ocam). Eu não tenho estudos nessa área, mas me parece que o estudo do próprio organismo, sem recurso a uma possível energia, dá conta de explicar isso. Segundo Fritjof Capra no livro “Teia da Vida”, não há ninguém que hoje consiga responder à pergunta “O que é a vida?” (mas os reichianos se acham capazes de fazê-lo, chegando a enveredar-se em teorias de biogênese e até recitando uma “fórmula da vida”), ninguém que consiga explicar qual a diferença que existe entre um ser vivo agora e esse mesmo ser vivo morto um minuto depois. Entendendo então essa nossa ignorância e limite, partindo do pressuposto que a vida existe e trabalhando em cima desse dado, o próprio organismo se organiza (aliás, será que existe uma relação etimológica entre organismo e organiza?) a partir de relações; então, por mais que a gente não saiba a gênese disso, a pergunta “quem bombeia o coração para bombear o sangue?” pode ser respondida estudando as relações que se estabelecem entre as partes do corpo. O exemplo do estudo com algum organismo (se não me engano é um ouriço do mar) que Capra trás no livro é muito significativo: foram feitas intervenções no desenvolvimento inicial desses seres, matando metade das células em diferentes estágios das primeiras multiplicações celulares do embrião (não sei se o termo correto é esse); assim, em um embrião de 16 células, matavam 8, em um de 16 matavam 32 e assim por diante. A hipótese era que o ser resultante se desenvolveria com alguma deficiência, pois talvez algumas daquelas células fossem se tornam algum órgão específico; o que se observou, no entanto, era que os organismos se desenvolviam por completo, apenas em tamanho menor.

Alguns minutos depois desse ponto o Pedro, mais uma vez, entrou no território do “quântico”; acho interessante que ele tem uma postura cautelosa quanto a isso, embora parta de alguns pressupostos irreconciliáveis com o que eu estudo e acredito. Ele entra no assunto com a seguinte frase: “Existem alguns biólogos atuais que se auto-denominam ‘biologia quântica’ – eu fico até meio receoso de falar, porque vocês já devem ter ouvido falar de psicologia quântica, né? E a psicologia quântica tem muitos autores aí que tentam transpor a teoria quântica da física para a psicologia e fazem uma merda legal”. Aí ele citou um autor que já falou outras vezes como “biólogo quântico”, Lipton, dizendo que havia algum livro dele disponível na internet mas que ele não lembrava do nome completo do autor nem do livro; aí uma pessoa, munida de smartphone e internet, soltou um “Bruce Lipton, A Biologia da Crença”. Ele desenvolveu uma ideia, que atribuiu a esse autor, de que uma célula seria um organismo completo (“reduzidamente, uma célula tem todo o processo que é muito mais complexo no ser humano”); depois falou como em colônias de células e organismos começa a haver uma diferenciação das funções, citando como exemplo os corais, que, segundo ele, são uma colônia de células aonde as mais externas assumem uma função de preservação, os do meio de comunicação e os internos “uma função mais energética”. A partir disso, afirma que os seres humanos também são uma colônia de células, aonde todas as células “dão os seus palpites e comandos”, e o cérebro seria o executor da “decisão” dessa coletividade – concepção, ainda segundo ele, completamente diferente da dominante na neurociência, que ele chama de “Sr. Cérebro”. Aí disso ele liga ao conceito de biopatias, que seriam doenças que o próprio organismo cria, e disso à ideia de que somos nós que criamos as nossas próprias doenças, mesmo que de forma inconsciente. Ele continua desenvolvendo alguns exemplos, fala de homeopatia, e quando retorna ao assunto da “psicologia quântica” fala o seguinte:

o grande erro da transposição da física quântica para a psicologia quântica, porque na verdade a física quântica diz que existe uma probabilidade, né, que não é determinada, existe uma certa indeterminação, e aí tem uma proposta, não é isso… só tá me vindo koan, que é, na verdade, uma proposta do zen-budismo que você faz uma pergunta que ela em si já é uma questão, já tem uma contradição em si que pra você resolver aquilo você é iluminado. Na verdade, assim, a física quântica ela tem uma hipótese, de um dos caras lá da física quântica, que é a história de um gato dentro de uma caixa (…) e o gato pode estar vivo ou pode estar morto, tem 50% de chance de estar vivo e 50% de chance de estar morto e isso não pode ser determinado, você não tem certeza de que quando você abrir a caixa ele vai estar vivo ou ele vai estar morto. Isso é um pouco a coisa filosófica, uma dedução filosófica do que é a física quântica. Então isso traz uma probabilidade de possibilidades múltiplas que você não determina. O Einstein, apesar de ele ser o cara que iniciou todo esse processo da física quântica, ele questionava isso, ele dizia o seguinte ‘não, não é verdade, dado certas questões você só tem um processo, um efeito, dados determinados’. O problema é que é difícil é determinar essas determinantes, mas se essas determinantes forem determinadas só tem um processo. Ou no caso aí da questão: ou a matéria vai funcionar como energia ou ela vai funcionar como matéria, ou a luz vai ser fóton ou a luz vai ser radiação, dadas determinadas… ou ela vai agir de uma maneira ou outra. No relativismo que vai ser filosoficamente construído na física quântica, depende de um imprevisto, de um acaso quase, e que às vezes eles acham que o processo da intenção do observador determina a ação da coisa. Eu não acho que seja a intenção, eu acho que é a efetuação de como se faz o experimento determina, então eu sou mais pra Einstein do que pra física quântica. Quando você faz esse paralelo, quando você faz essa transposição para a psicologia vem uma coisa muito doida, porque assim, a consequência disso é ‘basta você pensar que você transforma’, e não é verdade. Por que? Porque existe uma coisa que o Freud propôs que é o inconsciente; esse inconsciente pode estar sabotando o seu pensamento. Então não é o pensamento, ‘ah, resolvi me curar’, então se eu pensar que eu vou me curar eu vou me curar – pode até se curar, mas vai depender se não há nenhum ganho secundário com essa sua doença, se o seu inconsciente não está sabotando esse processo de cura, ou se você está cansado da vida e diz ‘ah, eu vou morrer dessa doença’, então não tem jeito, não adianta você dizer ‘eu vou me curar’. E essa psicologia quântica tem muito essa ideia que eu acho furada (…) Primeiro que os caras, eu nem sei… alguns deles sabem, que eu já vi palestras os caras realmente descreverem a física quântica como ela é, mas eu acho que fica muito nessa filosofia da física quântica e faz a transposição, e aí fica complicado. Porque assim, em toda a física quântica, enquanto a gente bate nessa parede ela é matéria, não tem jeito cara; eu acho que se a gente puder criar um outro nível energético dentro da gente, um dia talvez a gente consiga passar essa parede, né, dissolver a nossa coisa, mas só talvez um místico muito profundo lá na Índia que ficou isolado o tempo todo consiga isso, eu não consigo, não pretendo conseguir, não acho que deva voltar toda a minha vida a conseguir isso, como possibilidade é uma possibilidade, faz sentido, né, como possibilidade, mas não faz sentido como prática

Esse, mais uma vez, é um exemplo gritante do tipo de coisa que eu critico nesses discursos e, salvo engano, já até escrevi sobre em relatos anteriores e alguns parágrafos acima: a utilização de conceitos científicos apenas como validadores de um discurso, sem o aprofundamento e coerência com as proposições que eles trazem. Primeiro de tudo, o exercício de pensamento proposto pelo físico Erwin Schrödinger objetivava mostrar como a Interpretação de Copenhagen (uma interpretação da mecânica quântica defendida por Niels Bohr e Werner Heisenberg) era absurda; ela não era uma “hipótese da física quântica”. Claro, o exercício de pensamento acabou se tornando um referencial aceito por cientistas que entendiam-no como uma boa analogia para explicar o colapso da função de onda – ou seja, o que começo como uma “zoerinha” acabou sendo incorporado como uma boa explicação. Mas o fato é que o próprio Schrödinger não a propôs como uma hipótese, e isso já é bem significativo. Quando o Pedro fala do Einstein, me parece que ele está fazendo referência à frase “Deus não joga dados com o universo” que, realmente, adveio do entendimento de Einstein contrário ao conceito de superposição (descrito no artigo “Pode a Descrição da Realidade Física da Mecânica Quântica Ser Considerada Completa?”, disponível, em inglês, em: https://journals.aps.org/pr/pdf/10.1103/PhysRev.47.777). Mas quando o Pedro diz que para Einstein “ou a luz vai ser fóton ou a luz vai ser radiação”, acredito que há um erro grave aqui – digo “acredito” pois não tenho estudos suficientes nessa área, mas se bem me lembro, o prêmio Nobel de Einstein foi justamente por ter dado uma explicação satisfatória do efeito fotoelétrico, que é a base para a compreensão de que a luz possui o comportamento de onda e de partícula, pois ela viajaria em “pacotes de energia” denominados quanta (a relação com a mecânica quântica é óbvia). Então quando diz “eu sou mais pro Einstein do que pra física quântica”, o Pedro está fazendo uma oposição que não existe, usando termos equivocados e, com isso, trilhando o caminho pseudocientífico. Vale lembrar que Karl Popper, o propositor da ciência falseável, disse “Einstein conscientemente procurar eliminar erros. Ele tenta assassinar suas teorias: ele é um crítico consciente de suas teorias”; e eu não vejo nenhum comportamento que possa se assemelhar a isso nas aulas do IFP, assim como não o vi nas duas graduações por que passei, e raramente pude observar esse comportamento em tantos outros espaços pelos quais transitei – como tenho tentado compreender e ressaltar, não se trata de uma culpa individual (embora os indivíduos tenham responsabilidade), mas de uma questão estrutural de nossa sociedade. Mais um erro é dizer que há, na física quântica, a variável “intenção do observador”; por mais contraintuitiva que seja a Interpretação de Copenhagen, Heiseberg deixa bem claro no seu livro “Física e Filosofia” de 1958 que a ideia de colapso de onda não tem nada que ver com “intenção do observador”: “É claro que a introdução do observador não deve ser mal compreendida para implicar que algum tipo de características subjetivas devem ser trazidas para a descrição da natureza. O observador tem, em vez disso, apenas a função de registrar decisões, ou seja, processos no espaço e no tempo, e não importa se o observador é um aparelho ou um ser humano; Mas o registro, ou seja, a transição do ‘possível’ para o ‘real’, é absolutamente necessário aqui e não pode ser omitido da interpretação da teoria quântica” [tradução livre do original em inglês]. E, para finalizar, a ideia de que existe a possibilidade de alguém atravessar uma parede; é uma ideia tão absurda que me custa fazer qualquer consideração que seja (tanto que embora eu já tenha a fama de “o chato das perguntas” por lá [por exemplo, ao perguntar ao Marcus Vinícius se eu poderia assistir uma disciplina dele na UFRRJ como ouvinte ele disse “claro, e pode ir lá me fazer perguntas, questionar”], quando o assunto chega a essas raias eu não interfiro), mas ela é dita de forma tão convicta que também acho complicado deixar passar, mesmo que seja para mim mesmo. Como alguém que propõe algo assim já está ignorando quase tudo o que sabemos sobre a realidade, acredito que faz mais sentido partir de algo próximo a isso – não adianta jogar a realidade em quem a está ignorando. Supondo que as únicas regras que temos são a) matéria é energia concentrada e b) os diferentes materiais são organizações diferentes de energia, não ficamos muito longe nem das proposições que baseiam a afirmação do Pedro nem dos argumentos do filme “Ponto de Mutação” (que tem como título original um nome muito mais poético, “Mindwalk”, algo como “Caminhada Mental”), que apresenta um pouco das descobertas da física quântica. Se a maioria do átomo é constituído de espaço vazio, o que constitui a matéria é a relação entre as coisas; assim, nesse cenário de “barra forçada”, você só é você porque a matéria que se identifica como você se organiza de uma forma específica. Essa forma específica impede que você atravesse paredes. Então, para atravessar uma parede, você teria que se organizar de outra forma, deixando, assim, de ser você. Eu realmente me sinto um tanto ridículo de ter que afirmar isso…

  Depois disso o Pedro foi encaminhando para a parte prática da aula, que seria um trabalho com o pescoço, e trouxe alguns conceitos nesse trajeto como, por exemplo, quando falou que o pescoço tem relação com controle, pois um dos primeiros controles que o bebê desenvolve é o de manter a cabeça ereta, e disso falou em dois tipos de narcisismo, o primário que seria a preservação da sobrevivência do organismo (esse sendo necessário), e o narcisismo secundário, que é a preservação de uma autoimagem (esse sendo neurótico). Com um voluntário deitado em um colchão, o Pedro foi demonstrando o trabalho com a musculatura do pescoço, que foi basicamente uma massagem, sem nenhuma técnica muito específica – ele trouxe algumas referências de acupuntura em relação a pontos e coisas assim, mas não achei relevantes e nem tomei nota disso. Achei um pouco fraca essa aula, pois realmente essa parte prática não veio acompanhada de nenhum aporte teórico específico, apenas referências gerais do repertório reichiano, como fazer os movimentos de forma pulsante, ou a relação dos locais aonde se está se massageando com os segmentos corporais, nada além disso; foi realmente mais uma dinâmica de massagem no pescoço do que um exercício ou oficina específica. Acredito que, dado ser a primeira disciplina de vegetoterapia, seria interessante uma leitura e discussão do “A Função do Orgasmo”, para assentar as discussões que Reich faz sobre a importância da intervenção corporal na clínica, pois mesmo que ele não discuta técnicas específicas nessa obra (e, até onde eu sei, não faz esse tipo de discussão em nenhuma obra), é nela que vai desenvolver, numa espécie de autobiografia, o caminho que percorre dos estudos psicanalíticos até os estudos de orgonomia. E não é um livro efetivamente simples, ele traz conceitos e discussões que poderiam ser muito explorados em aula, até mesmo no modelo que tanto o Nicolau fazia com o Análise do Caráter quanto o Marcus Vinícius fez com o texto sobre os tipos de caráter, de ler o texto em aula e irmos parando e discutindo sempre que algum ponto trazia a possibilidade.