12 de maio de 2019 – primeira aula de Técnicas Complementares do Trabalho Reichiano

Iniciamos a disciplina com uma discussão sobre como vai funcionar o curso, pois ele vai gerar algumas necessidades materiais; o professor falou em duas coisas: o estetoscópio e a lanterna. Em relação ao estetoscópio, seria necessário fazer-lhe uma extensão, pois precisaríamos nos movimentar enquanto utilizamos o aparelho para escutar os sons do segmento abdominal do paciente, dos intestinos; mas, segundo o professor, essa modificação de extensão não é permanente, pode-se adaptar uma mangueirinha de chuveiro como extensão e isso seria facilmente reversível depois. Em relação à lanterna surgiu uma dificuldade pois parece que é difícil encontrar uma lanterna com o foco de luz pequeno, geralmente as lanternas atuais são de LED e com um foco grande; eu propus que construíssemos a nossa própria lanterna, então, usando um LED de alto brilho e uma bateria, talvez adicionando um trimpot de 1k para controlar o brilho, e combinamos de tentar fazer uma oficina lá mesmo no IFP para construirmos em conjunto essas lanternas.

Para a primeira aula, o professor preparou um trabalho com os actings, que seriam intervenções corporais; um grande sistematizador de actings foi Federico Navarro, que trabalhava sempre em uma ordem estrita os actings e usando uma métrica de tempo, de 15, 20 e 25 minutos com essas intervenções. A ideia é trabalharmos actings que se relacionem com cada um dos sete segmentos corporais reichianos. Achei interessante que, trazendo mais uma vez a divisão dos segmentos (não acho ruim essa repetição dada a estrutura da formação, pois em teoria sempre haverão pessoas nas turmas que não fizeram nenhuma disciplina anterior, então se faz necessária essa reapresentação dos conceitos fundamentais do trabalho reichiano), o professor deu o exemplo do choro, que interliga praticamente todos os segmentos, pois vai desde a lágrima até a contração do corpo todo no movimento soluçante, a secura na garganta, o aperto no peito, a respiração diferente, o vazio na barriga… Outra coisa interessante foi um questionamento de uma pessoa sobre doenças de pele, que me fez pensar como esse órgão estaria colocado no esquema reichiano; pensando melhor depois, percebi que não é uma grande questão, pois os recortes de segmentos que Reich faz se ligam à musculatura e não aos órgãos (o que, em si, já abre um campo de trabalho muito interessante, tanto de reflexão epistemológica sobre o trabalho reichiano [por que Reich não se ocupou dos órgãos?] quanto de ampliação teórico-metodológica a partir do referencial reichiano [como uma “teoria dos órgãos” pode se harmonizar com as postulações de Reich?]), mas foi muito curiosa a resposta que o professor deu ao questionamento, dizendo algo como “a pele é o corpo todo, pra medicina chinesa estaria ligada ao circuito do pulmão – mas quando eles falam circuito do pulmão não é o pulmão em si, é a circuitaria pulmonar, que tem vários pontos, várias inserções. Pro Reich seria o corpo todo e teria muito a ver com o ocular, por conta do contato, pele é contato”. Esse tipo de resposta sempre me parece mais como uma tentativa de “tudo tem que caber nesse esquema” do que uma efetiva reflexão sobre o problema apresentado frente a perspectiva defendida; claro que isso é só uma impressão enviesada minha, pode realmente ser que haja na obra reichiana uma colocação sobre a ligação da pele com o segmento ocular. É, inclusive, outro excelente recorte de estudo para um possível artigo ou desenvolvimento teórico; porque eu penso que é assim que se produz conhecimento, submetendo as nossas teorias e as nossas hipóteses a testes frente a informações relevantes que não estavam incluídas no nosso esquema anteriormente.

Para iniciar a demonstração dos actings, o professor pediu que uma pessoa se voluntariasse e, a partir disso, iniciou algumas demonstrações; nos primeiros ele apresentava-os com um numeral ordinal (primeiro acting, segundo acting, terceiro acting…), mas depois, com o desenvolvimento orgânico e não-linear das questões, dúvidas e apontamentos, isso parou de ser feito. Não sei, então, se esse ordenamento significava algo para além de “o primeiro acting que vou lhes ensinar, o segundo acting que vou lhes ensinar…”; mas, para continuar as minhas anotações da forma que já havia iniciado, continuei a numeração conforme ia detectando, explícita ou implicitamente, que se tratava de uma nova técnica de intervenção sendo apresentada, mesmo que ela fosse apenas uma variação de alguma anterior – afinal enquanto o próprio professor fazia a ordenação esse padrão se apresentou (de entender uma variação como algo diferente).

Me incomodaram alguns essencialismos e mesmo psicologismos que aparecem nessas intervenções, pois mesmo que eles viessem, vez por outra, acompanhados de uma ressalva do tipo “não é sempre isso”, a forma como tudo se entrelaça reforça muito essa tendência de “fazer o acting X vai trabalhar a relação com a mãe, enquanto o acting Y trabalha a confiança” (na descrição que faço abaixo dos actings em si isso ficará mais explícito), e sempre reforçando também esses postulados psicologizantes de “olhar pra cima é procurar a mãe”. Obviamente eu sabia que isso seria dessa forma antes de iniciar o curso, esses meus comentários e reflexões surgem apenas nesse momento posterior à aula de escrever o relato e, nesse processo, refletir sobre as coisas, sendo o meu registro uma união indissolúvel sobre o que eu presenciei e o que eu pensei e penso sobre o que eu presenciei; na aula mesmo eu não trouxe esses questionamentos por saber que ali não fariam sentido.

1º Acting

Com a paciente deitada e com as pernas dobradas (sola dos pés no chão), peça para que ela ache um ponto de referência e fixe o olhar – é possível fazê-lo sugerindo que a paciente encontre um ponto de referência no teto (algumas terapeutas fazem mesmo um ponto visível no teto para facilitar) ou que olhe para o dedo da terapeuta.

O que trabalha: a relação com a mãe. O bebê olha para a mãe dessa forma, quando está no colo – ou para quem faz a função de mãe.

2º Acting

Deitada na mesma posição do acting anterior, a paciente deve envesgar os olhos; o professor disse para fazê-lo sugerindo que a paciente olhasse para o nariz, então perguntei se isso era necessário, pois existem pessoas que conseguem envesgar sem olhar para o nariz, e ele disse que o “olhar para o nariz” é um artifício facilitador, mas não necessário.

O que trabalha: a convergência, a relação consigo mesmo. Ao mamar, o bebê olha para a mãe longe, no alto, depois se concentra no no seio e faz a convergência.

3º Acting

Na mesma posição, a ideia agora é juntar os dois movimentos anteriores: primeiro, busca-se um ponto acima, foca por alguns breves instantes, depois envesga os olhos enquanto faz o movimento de sugar com a boca (puxando o ar apenas, sem exalar).

O que trabalha: a relação entre o eu e o outro, juntando os segmentos ocular e oral, o contato e a necessidade.

4º Acting

Na mesma posição, indicar que a paciente trabalhe a movimentação dos olhos lateralmente, de um lado para o outro. Depois da paciente fazer esse movimento por um tempo, a terapeuta pode, dependendo do sinais captados e objetivo do trabalho, se colocar dentro do campo de visão da paciente, de um dos lados, buscando perceber (ou mesmo perguntando) como a paciente a viu, que emoções isso despertou, que diferenças sentiu entre os dois momentos.

A ideia de fazer esses actings sempre na posição deitada tem relação com buscar a facilitação do pulsar da couraça da paciente, pois ao deitar a nossa musculatura fica mais relaxada do que quando sentamos ou estamos de pé.

O que trabalha: a desconfiança.

5º Acting

Senta-se atrás da paciente e coloca as mãos sobre suas orelhas, em formato de concha; pode-se friccionar as mãos antes, se desejar, para aumentar a energia e a temperatura. Pode-se apenas deixar as mãos repousadas ou, depois de um tempo, fazer o movimento de pulsação, afastando as mãos até que se sinta a mão sendo puxada, daí volta a aproximar.

O que trabalha: a relação intra-uterina, criando uma situação similar.

6º Acting

Ainda na mesma posição, a paciente deve girar os olhos, lentamente, fazendo o movimento o mais “redondo” possível, olhando para o ambiente.

O que trabalha: não foi exatamente explicado. Foi dito que pode ocorrer, por exemplo, de quando a pessoa passar o olhar pela terapeuta não olhá-la; então isso deveria ser trabalhado verbalmente depois, perguntando o que a pessoa sentiu, como via a terapeuta etc.

7º Acting

Na mesma posição, a terapeuta se desloca para trás da paciente e, com os polegares posicionados logo abaixo do lábio inferior, sugere uma abertura da boca, a maior possível, e pede que a paciente respire profundamente, exalando pela boca.

O que trabalha: a entrega, a abertura pro mundo, o se permitir.

8º Acting

Pedir que a paciente procure posicionar os dentes de forma que as pontas dos de cima se encontrem com os de baixo; nessa posição, procurar um ponto aonde surja uma pequena tremulação, mesmo que muito leve e sutil, e manter essa posição por um período de tempo, o que deve levar o tremor a ir aumentando.

O que trabalha: não foi explicado exatamente. É recomendado para conseguir um relaxamento da musculatura da boca.

9º Acting

Colocar a língua para fora, o máximo possível, enquanto emite o som de “aaahhh”, repetindo o movimento algumas vezes.

O que trabalha: a musculatura da garganta e a expressão, a emissão de som.

10º Acting

Um trabalho com o som das vogais. A paciente deve encher os pulmões o máximo possível, vocalizando uma vogal quando estiver exalando pela boca; é interessante seguir uma ordem conhecida, sendo a mais óbvia o a-e-i-o-u, mas dependendo daquilo que se queira trabalhar podem ser utilizados outros sons, como ã, ê, ô etc. É um exercício que tem mais força quando feito em grupo, pois além do trabalho da musculatura e da vibração haverá também o trabalho de harmonia e ressonância do grupo.

O que trabalha: a musculatura da boca, cada vogal trabalhando uma parte diferente da musculatura. É indicado para soltar a musculatura da boca.

 

Uma indicação geral na execução dessas intervenções (e aqui certamente tem muito mais de mim do que da aula em si) é sempre observar muito atentamente como a paciente responde ao que está sendo proposto, como executa, como o seu corpo, como uma unidade, se comporta naquele momento: respiração, piscar, incômodos, se não olha para alguma coisa, dores, coisas que evita, sensações etc. Isso é muito importante para entender o “como”, que é fundamental na teoria reichiana. A partir dessas observações, é muito importante também que a terapeuta tenha o cuidado de não partir para uma prática da informação, mas sim buscar entender e trazer para a relação aquilo que a paciente sentiu ali. Assim, o indicado é sempre iniciar perguntando sobre como a pessoa se sentiu, que sentimentos, ideias, sensações lhe ocorreram durante e mesmo após a execução do acting; a partir do relato da paciente, a terapeuta deve ir buscando mais elementos para entender o que observou. Caso, por exemplo, a paciente tenha evitado olhar para a terapeuta, o indicado não é lhe falar isso prontamente, mas sim lhe perguntar como se sentiu, ver se algo sobre esse evitar olhar surge; se não, a terapeuta pode aprofundar mais questões que tenham surgido sobre ela, como, por exemplo, caso a paciente diga algo que lhe coloque em cena, mesmo uma sutileza do tipo “teve um momento que pensei que você não ia mais terminar”, e daí trazer mais questionamentos sobre essa relação terapeuta-paciente. Se nada disso surgiu, ou se aprofundar as questões não levou ao ponto desejado E se não trouxe outras questões mais importantes (aquilo que a paciente trás “espontaneamente” é geralmente mais importante do que aquilo que a terapeuta deseja falar – mesmo que seja uma defesa contra algo, essa defesa deve ser explorada. Obviamente existem questões sobre a estratificação do caráter a serem levadas em conta, por exemplo, que podem fazer essa ordem de importância se alterar), a terapeuta pode perguntar algo como “você reparou que estava evitando me olhar nos olhos?”, deixar a paciente trabalhar a sua resposta e, caso não surja espontaneamente, continuar com a pergunta “e por que você acha que isso aconteceu?”, sempre tendo o foco em como a paciente se sentiu com isso.

Uma coisa interessante que ocorreu entre as explicações dos actings foi uma fala do professor em relação à pessoa ouvir a sua própria voz gravada e estranhá-la; ele disse mais ou menos assim: “você tem o aparelho ressonador, se você ouve a sua própria voz e acha estranha é porque há um bloqueio. A primeira vez que eu ouvia a minha voz gravada eu estranhei muito a minha voz, achei estranhíssima, ‘essa voz não é minha’… eu não tinha autopercepção que eu tinha aquela voz – aí você tem um bloqueio, a sua autoimagem não está correspondendo ao que, de fato, é”. Aqui, novamente, me ocorre com muita força a frase “às vezes um cachimbo é só um cachimbo”; esse fenômeno de não reconhecermos a própria voz quando a ouvimos gravada já foi suficientemente estudado, acredito, e há uma explicação muito mais simples para esse fenômeno, que não exige a postulação de energias ou nada do tipo: o nosso crânio funciona como uma caixa de ressonância para a nossa voz, então ouvi-la gravada pela primeira vez é, também pela primeira vez, ter a possibilidade de ouvir a sua voz sem essa característica acústica importantíssima, que afeta muito a nossa percepção de som. Qualquer dúvida sobre o funcionamento do crânio como uma caixa de ressonância pode ser facilmente sanada estudando, ou mesmo simplesmente tocando, o instrumento “harpa de boca” – trata-se de um pedaço de metal, geralmente em forma aproximada de ferradura, com um lingueta flexível; para ser tocado, ele precisa ser corretamente posicionado em contato com os dentes, usando assim o crânio como uma caixa de ressonância. Quem tiver o instrumento em mãos pode tentar tocá-lo sem posicioná-lo nos dentes e verá que ele não emite som algum; e se tocá-lo olhando para algum ponto pequeno e fixo de luz (um LED de stand-by de um aparelho eletrônico, por exemplo) vai perceber claramente que seu crânio vibra enquanto percute o instrumento e ele emite som. Outro experimento mais simples, mas mais sutil também, é simplesmente posicionar dois anteparos entre as orelhas e a boca enquanto fala e perceber a mudança na percepção da sua voz; ao falar, o som projetado pela boca atinge imediatamente o canal auditivo sem rebater em nada do ambiente – mas ao colocar esses anteparos (quanto mais densos, melhor), o som ouvido terá percorrido um outro caminho, muito provavelmente sendo rebatido em alguma parede ou objeto próximo.