30 de março de 2019 – quinta aula de Análise do Caráter I

Para essa aula estava planejado o estudo dos capítulos 5 e 6 do livro; sendo que o 5 é muito pequeno e o 6, na minha opinião de merda, é bastante denso.

O professor iniciou falando que em todos os itens da primeira parte do livro (literalmente ele disse “todos os itens do capítulo um”, mas contextualmente me parece que ele se referia à primeira parte do livro, dos capítulos 1 ao 6) Reich está tratando da mesma coisas – a relação entre os fatores componentes do aparelho psíquico, em uma concepção freudiana, e o por que dessa concepção derivou-se a análise do caráter, fazendo ao longo dos capítulos uma revisão dos conceitos da metapsicologia freudiana e explicando o surgimento da análise do caráter. O objetivo da análise é tornar consciente o inconsciente, “trabalhando o recalcamento e a questão do édipo”, ou transformar a estrutura libidinal, “que já é o referencial energético”?

Segundo o professor, a análise do caráter foi produzida por Reich em um momento onde não existia nem a vegetoterapia nem a orgonomia, só existia a psicanálise, ou seja, não existia trabalho sobre o corpo; assim, ela deriva de uma forma de entendimento do psiquismo humano e é, ao mesmo tempo, uma crítica à teoria psicanalítica e à teoria da clínica. Para os “freudianos tradicionais”, é evidente que ao tornar consciente o inconsciente haveria transformação da estrutura libidinal, que o próprio processo em análise da interpretação das resistências levaria a uma modificação da estrutura libidinal. Na leitura reichiana, no entanto, esses dois processos não podem ser concomitantes, pois são mutuamente excludentes – ao optar por um caminho o outro se torna, naquele momento, inacessível.

Nesse momento, o professor disse que para entender isso seria necessário compreender os principais elementos da metapsicologia freudiana e perguntou para a turma “quem pode me falar um pouco da metapsicologia freudiana, ou seja, da teoria freudiana sobre o aparelho psíquico?”; houveram algumas respostas, mas nenhuma parecia contemplar para o professor a sua dúvida. Em algum momento ele fez uma enumeração de elementos: “Vocês conhecem o termo inconsciente? Vocês conhecem o termo pulsão? Vocês conhecem o termo libido? Vocês conhecem o termo personalidade? Vocês conhecem o termo recalcamento? São elementos da composição do aparelho psíquico em uma concepção freudiana”. Disso houve todo um diálogo sobre a necessidade de entendermos esses fundamentos freudianos para a compreensão da teoria da análise do caráter, de como há uma deficiência na formação em fornecer isso e das alunas de ir buscar esse conhecimento.

No primeiro intervalo, algumas pessoas permaneceram na sala e rolou um diálogo interessantíssimo sobre um questionamento de “onde estão esses registros da criança quando se fala em impressões no útero, alucinação do seio etc.?”; uma das alunas do curso é neurocientista e eu acho muito boas as contribuições que ela traz, pois ajudam no questionamento dos essencialismos que se apresentam muito ferrenhamente dentro desse campo da psicanálise. Para mim é necessário uma defesa contínua do método científico para a produção do conhecimento; não é que esse seja o único método de obtenção e produção do conhecimento, mas é o único que eu conheço que coloca os seus próprios resultados e métodos em xeque, além de permitir que os mesmos estudos sejam repetidos em diferentes contextos para permitir que ninguém tenha que “acreditar na palavra” de ninguém. Mas tenho percebido que isso não é efetivamente valorizado dentro da formação e, talvez, do campo reichiano; Reich tinha uma preocupação com o método empregado em suas pesquisas e, até onde sei, nunca se furtou à investigação e busca do falseamento de suas hipóteses. Mas sempre que se faz um questionamento do tipo “onde posso conseguir mais pesquisas sobre isso?” dentro da formação não vejo uma resposta direta, e quando se questiona uma afirmação frente ao desenvolvimento científico atual, sempre se recorre ou ao “mas o pensamento reichiano parte de outros pressupostos” ou então apenas se ignora a colocação. Isso aconteceu claramente nessa questão que conversávamos no intervalo, pois em um momento o professor voltou à sala e a aluna que citei anteriormente explicou para ele do que falávamos e endereçou a questão a ele, perguntando sobre onde estariam essas memórias infantis, esses registros, já que não poderiam ser memórias hipocampais visto que o hipocampo ainda não estaria desenvolvido nessa fase da vida; a fala dele se limitou a fazer uma crítica ao “endeusamento” do cérebro como explicação unívoca para todos os fenômenos do psiquismo, mas não respondeu diretamente à questão.

A aula foi continuando no ritmo costumeiro após algumas contribuições e reflexões sobre esse tipo de questionamento; o professor foi trazendo mais fundamentos do pensamento freudiano, mas não fez uma exposição estruturada. Ele dedicou algum tempo a uma questão que já trouxe em outras aulas e que, para mim, faz bastante sentido e é realmente fundamental: o âmago da clínica é aquilo que o paciente experiencia. Nessa aula, no entanto, ele parecia ter como objetivo combater uma noção que, segundo ele, se instalou no campo reichiano (agora não lembro exatamente se se referiu ao Brasil ou ao Rio de Janeiro): a de que essa experiência consistia em “chorar, estrebuçar e uivar”, pois na crítica ao primado do raciocínio sobre o corpo esses reichianos teriam exagerado no sentido contrário e focado apenas no imediatamente corporal. Ele trouxe também mais uma colocação muito interessante, de que a análise não é nomear nem informar; na minha compreensão isso vem se relacionar com um comportamento que vejo muito comum, principalmente nas pessoas que já estão há algum tempo na formação, de rotular inicialmente as pessoas e seus comportamentos. Assim, seria um equívoco acreditar que o trabalho analítico é dizer para a pessoa coisas como “você é claramente esquizoide” ou então “esse seu comportamento reflete o seu traço histérico”, ao invés de buscar a transformação da estrutura, do modo de funcionamento, através da experiência que acontece entre terapeuta e paciente e atualiza o modo deste de ser no mundo.

Durante o segundo intervalo aconteceu um conflito que talvez não valha a pena desenvolver longamente aqui, mas que se originou pois o professor sempre aproveita as pausas para o café para fumar seu cachimbo, e acabava que alguém sempre ia com ele, fazia alguma pergunta interessante e nos aglutinávamos na salinha de fora para acompanhar essa explanação; mas isso já vinha criando um incômodo em algumas pessoas que não gostavam da exposição à fumaça do cachimbo. Nessa aula do dia 30/03 ele colocou como se esse momento onde ele fuma devesse fazer parte da aula, daí algumas pessoas se colocaram contrárias e, me parece (pois eu nem cheguei a ir pra salinha de fora), ao pronunciarem esse incômodo para ele a resposta foi “vocês se incomodarem não é suficiente pra mim”. Em um momento ele chegou a ir até a cozinha perguntar se não iríamos para a aula (que foi onde eu soube que ele desejava contar como aula esses momentos que tirava pra fumar), eu disse que embora tivesse aberto a concessão em outros encontros dessa vez pela garganta inflamada eu me recusava a ficar no mesmo ambiente no qual ele estava fumando. Tudo isso virou uma discussão em dois grupos separados, daí ele voltou para 10 últimos minutos de aula aonde basicamente passou como “dever de casa” que estudássemos em um dicionário de psicanálise os seguintes termos/conceitos/verbetes (talvez alguns sejam adições minhas): inconsciente, subconsciente, consciente, id, ego, superego, pulsão, defesa, libido, transferência, recalcamento, psicanálise, pré-genitalidade e fantasia. Ao final disso eu pontuei que seria necessário discutirmos sobre essa questão da aula enquanto ele fuma, ele manteve o seu argumento “incômodo não é suficiente”, outras pessoas argumentaram que o desejo dele de fumar também não era suficiente, ele disse que a única proposta que ele tinha era aquela de fumar na aula, muitas coisas foram ditas e chegamos na proposta de que duas pausas seriam feitas na aula, onde as pessoas poderiam tomar café, fumar ou seja lá o que fosse, e que se necessário haveria reposição do tempo de aula perdido.